Tem sido analisada a estratégia do Kremlin, que procura afirmar uma potência global, embora sem recursos para tal. A Rússia tem um PIB dez vezes inferior ao da China (há 20 anos era equivalente) e, se dispõe do segundo exército do mundo, falta-lhe capacidade para determinar o mapa europeu. Em contraste, a estratégia da Casa Branca não tem sido discutida, exceto nos próprios EUA, e talvez seja Thomas Friedman, um editorialista conservador do “The New York Times”, quem tem estado mais atento a esse percurso, em que não há inocentes.
Em Washington, confrontaram-se sempre duas abordagens à questão, desde o fim da URSS. Uma tem sugerido o prolongamento da guerra fria para desagregar o inimigo: Brzezinski, conselheiro de Segurança de Carter, tinha proposto em 1997, na “Foreign Affairs”, o desmembramento do país, dado que “uma Rússia mais ou menos confederada, composta por uma Rússia europeia, uma República da Sibéria, e uma República do Oriente, poderia com mais facilidade cultivar relações económicas estreitas com os seus vizinhos”. A outra visão queria integrar a Rússia e, por isso, opôs-se à decisão de 1998 de extensão da NATO para o leste europeu, violando o Ato Fundador das Relações Mútuas, assinado com o Kremlin em 1997 e que previa a contenção dessas forças. Perry, secretário de Defesa de Clinton, precisamente até 1997, contestou a decisão: “A primeira ação errada foi quando a NATO se começou a expandir para o leste europeu, nas fronteiras da Rússia. Nesse momento, estávamos a trabalhar de perto com a Rússia”, diz ele. Conta também Friedman que, quando dessa expansão da Nato, consultou George Kennan, embaixador em Moscovo em 1952, no auge da Guerra Fria, apresentado como o especialista sobre o tema. A resposta foi que “penso que isto é o início de uma nova guerra fria, é um erro trágico. (...) Comprometemo-nos a proteger uma série de países, mesmo que não tenhamos quer os recursos quer a intenção de o fazer de modo sério. Será que não percebem? As nossas diferenças na Guerra Fria eram com o regime soviético comunista. E agora estamos a virar as costas às mesmas pessoas que criaram uma das maiores revoluções sem sangue para remover o regime soviético. (...) Claro que haverá uma reação má por parte da Rússia e então [os expansionistas da NATO] dirão que foi isto que sempre vos dissemos sobre os russos — mas é simplesmente errado”. A primeira opção faz o seu caminho, impulsionada agora pelo ataque à Ucrânia.
A invasão putinesca e o seu desastre militar e político criarão um novo Muro a leste e destroçarão a economia russa. Reparado o desastre de Cabul, a NATO ganhou a guerra, criou uma nova dimensão da sua hegemonia, a bandeira europeia mudou de cores, a segurança europeia ficará presa da confrontação a leste. Sem dar um tiro, Biden venceu o inimigo e submeteu os aliados.