O PIB é uma agregação que ignora a estrutura da produção e a distorção da distribuição, desconhece a qualidade de vida ou a sua sustentabilidade, só registando transações.
Francisco Louçã, Esquerda.net, 10 de julho de 2022
A conta do PIB é enganadora e, mesmo para comparações internacionais, devemos substituí-la por medidas mais rigorosas
Jayati Ghosh, nascida na Índia e professora na Universidade de Amherst, nos EUA, propôs recentemente quatro alternativas, com base nas recomendações do Conselho Consultivo para Assuntos Económicos e Sociais da ONU, de que faz parte. A primeira seria medir o trabalho, usando o produto do salário mediano pela taxa de emprego. Continua a ter o inconveniente de se referir somente a uma parte da vida, mas evita a ilusão sobre a média salarial, que mascara os extremos da distribuição, e inclui o nível de emprego na equação. Segundo os cálculos da autora, em alguns dos países mais desenvolvidos, em 2009-2020, o PIB cresceu mais depressa do que este indicador, o que sugere um agravamento da desigualdade, confirmando conclusões obtidas por outros autores. A segunda seria a percentagem da população com uma dieta adequada. Em particular para os países mais pobres, esta medida revela a realidade das dificuldades: por exemplo, na Índia, o Banco Mundial regista um nível de pobreza até 22%, mas 71% da população não tem acesso aos bens alimentares essenciais. Se esse registo fosse feito em Portugal, teríamos uma surpresa. A terceira alternativa será o uso de parâmetros do tempo de trabalho, incluindo as várias formas de contrato, mas também o trabalho não-pago, nomeadamente nos cuidados sociais, como ainda o tempo de lazer e atividades voluntárias. Muitos países dispõem de inquéritos regulares que permitem esta avaliação. Finalmente, a quarta alternativa seria indicar o nível de emissões de CO2 per capita. Também aqui será relevante considerar a desigualdade, pois, segundo os dados da ONU, os 1% mais ricos gastam 30 vezes o padrão de consumo sustentável para um limiar de aumento da temperatura até 1,5°C em 2030.
Assim sendo, as propostas da equipa de Stiglitz, agora retomadas pela ONU e divulgadas por Ghosh, têm vindo a incorporar os principais objetivos definidos para o bem-estar. Como é óbvio, a sua aplicação envolve mais do que a superação de uma tradição ou rotina estatística, requer a visibilidade das escolhas da economia — e esse busílis é a última coisa que é desejada por quem manda.
Artigo publicado no jornal “Expresso” a 1 de julho de 2022