As duas notícias vieram em catadupa: a justiça do Reino Unido determinou que os trabalhadores da Uber passem a ter contrato com a empresa, recebendo pelo menos o salário mínimo, Segurança Social e férias pagas, e em Espanha o Supremo Tribunal também impôs o contrato.
Francisco Louçã, Expresso, 1 de abril de 2021
A Uber reagiu com todo o seu arsenal. No Reino Unido, alega que a medida só se aplica a quem desencadeou o pleito judicial, e não aos 70 mil motoristas, uma pretensão que está condenada; na Califórnia, em que a lei também determinava que os trabalhadores seriam considerados funcionários, provocou e ganhou um referendo (foi a campanha referendária mais cara da história, a Uber e outras empresas terão gasto 200 milhões de dólares) para impor um estatuto híbrido, em que haverá um pagamento mínimo, mas não um contrato. As plataformas procurarão por todos os meios evitar o reconhecimento do vínculo, para beneficiarem da facilidade do despedimento, da corrida para os baixos salários e ainda da poupança em custos sociais. Na Europa, estão por isso a apresentar a solução californiana como o meio termo aceitável.
O decreto de 2018 que regulamenta este sector em Portugal protegeu estas empresas, ao estabelecer que os trabalhadores dependem de intermediários e não das plataformas, o que implicaria que só àqueles poderiam exigir contratos. Deste modo, a discussão que se inicia esta semana na concertação social está armadilhada por cedências preliminares e pela pressão das plataformas, que agora descobriram a virtude do multiemprego dos estafetas, que quereriam continuar a correr para diversos patrões.
Generosamente, estas plataformas estão dispostas a aceitar uma lei que as poupe ao pagamento das contribuições sociais e de um salário. O que se verá é se o Governo cumpre a sua obrigação de assegurar regras iguais para quem trabalha. Deveria.