A mudança de nome da casa-mãe do Facebook, Instagram e WhatsApp para Meta é mais do que um truque publicitário, é uma declaração de guerra. Zuckerberg nunca escondeu a ambição de controlo total do mundo comunicacional e, com o Meta, anuncia que chegou a sua era. Tudo se pode resumir ao uso do tempo: passando do universo físico para o metaverso, instalar-nos-íamos num mundo digital em que deveríamos trabalhar, fazer as nossas compras e pagamentos (na moeda Facebook), assistir a concertos e a filmes, ver as séries que nos oferecem, participar em jogos, comunicar com amigos, multiplicar likes, alimentar grupos, viver as nossas relações sociais e amorosas, viajar virtualmente, dormir e sonhar. Todo o tempo seria vivido dentro do metaverso, que substituiria a escola, a família e os amigos reais, a televisão e os jornais, até a natureza. No metaverso só viveremos connosco mesmos ou com os nossos avatares.
Do outro lado do espelho
Esta mudança da relação com o nosso tempo seria suportada por instrumentos de acesso à realidade virtual e aumentada, incluindo óculos e pulseiras, auscultadores, até aparelhos de eletroencefalograma acoplados em permanência nas nossas cabeças, sistemas que estão em fase de experiência e desenvolvimento desde há anos. E, como seria de esperar, este processo desencadeou algum pânico: Roger McNamee, membro do conselho de supervisão do Facebook, grita que este “capitalismo de vigilância é tão imoral como o trabalho infantil”. Frances Haugen, uma ex-diretora da equipa sobre desinformação cívica da empresa, explicou que “acredito que os produtos do Facebook prejudicam as crianças, intensificam a divisão e enfraquecem a nossa democracia” e que a empresa sabe do efeito intoxicante dos discursos de ódio mas recusa os mecanismos para os controlar, dado que reduzem a utilização da rede social. Por isso mesmo, Biden afirmava que “o Facebook mata pessoas” ao estimular o discurso antivacinas. Ora, o que importa a Zuckerberg é o tempo e a intensidade da participação no metaverso e, portanto, os discursos de ódio são só um bom negócio.
A mudança de nome da casa-mãe do Facebook, Instagram e WhatsApp para Meta é mais do que um truque publicitário, é uma declaração de guerra.
São também um perigo, como é bom de ver. O “Wall Street Journal” publicou relatórios demonstrando que o Instagram tem conhecimento de que há um aumento do suicídio de adolescentes em função da depressão provocada pelo seu confronto com imagens que endeusam um conceito de beleza que os exclui. Em função disso, a empresa atrasou, mas não desistiu, de um novo sistema para atrair menores de 13 anos. O metaverso quer engolir toda a gente.
Cretinos digitais
Em Portugal, segundo o relatório “Digital Consumer 2021”, a média de permanência nas redes sociais é hoje de 96 minutos (e de muitas mais horas no ecrã). Mas é uma média que esconde grandes diferenças que geram efeitos duradouros. Um deles, dos mais importantes, é a mudança dos sistemas de aprendizagem das crianças. É o tema do livro de Michel Desmurget, um neurocientista francês que publicou recentemente o livro “A Fábrica de Cretinos Digitais — Os Perigos dos Ecrãs para os Nossos Filhos”, que recebeu o Prémio Femina. Afirma ele que, depois de centenas de milhares de anos do processo evolutivo, arriscamo-nos agora a ter uma regressão geracional da capacidade cognitiva dos jovens. Cita dados que nos dizem que nos países desenvolvidos as crianças de dois anos vivem por dia quase três horas no ecrã, dos oito aos 12 quase cinco horas, dos 13 aos 18 quase sete horas. Assim, um aluno do 1º ciclo viveria mil horas por ano no ecrã, quase tanto tempo como o passado na escola. No secundário serão 2400 horas anuais, uma vez e meia o tempo da sua aprendizagem na escola. Atenção, os nossos filhos já vivem no metaverso.
O efeito, escreve Desmurget, é a perda de competências cognitivas e até físicas (obesidade e redução da esperança média de vida), mudando atitudes (crença acrítica na informação do ecrã) e reduzindo capacidades (de linguagem ou de concentração).
O poder do século XXI
Este caminho estava anunciado. O domínio destas empresas, a Meta, a Google e a Apple, os maiores empórios do mundo, é o poder do século XXI. Um terço da população mundial já vive todos os dias no Facebook, ou no WhatsApp, ou no Instagram, no metaverso de Zuckerberg; 90% das nossas buscas seguem o Chrome, da Google, que também detém o YouTube, o segundo motor de busca mais popular, além de fornecer o Android à maioria dos smartphones. E, como demonstrei em “O Futuro já não é o que nunca foi”, estes sistemas colonizam os nossos dados pessoais e monitorizam a nossa vida em busca do controlo total dos nossos desejos. Assim, a identidade da maior parte da população está agora ancorada no seu reconhecimento por via das plataformas das poucas empresas que constituem a oligarquia desta infraestrutura em rede.
Em 2019, no trigésimo aniversário da criação do sistema de gestão de informação da internet, o www, ou world wide web, o seu inventor, Tim Berners-Lee, lamentou a decadência deste espaço, considerando três doenças: a difusão de conteúdos maliciosos, tais como o comportamento criminoso ou a perseguição online, os modelos de negócio baseados em anúncios e que remuneram a difusão de desinformação na ânsia de captarem atenção e, finalmente, a polarização produzida pelos discursos tribais, a bufonaria. O Big Metabrother só nos diz que não podemos escapar desta prisão.