Em 37 países os movimentos ambientalistas decidiram levar a tribunal as metas de Governos e empresas, em vez de ficarem à espera de ajustes na política dos Governos. Têm tido ganho de causa nas mais importantes destas causas.
Francisco Louçã, Esquerda.net, 4 de julho de 2021
A condenação da Shell em tribunal, forçando a empresa (e as suas fornecedoras) a alcançar uma redução das suas emissões em 45% até 2030, gerou um susto na empresa e, como seria de esperar, um vigoroso recurso para uma instância superior. O caso foi motivado por uma queixa de organizações não-governamentais e de 17 mil cidadãos, que alegaram que as metas de transição energética são inalcançáveis sem uma alteração imediata nas emissões de gases com efeito de estufa e que a Shell é das maiores responsáveis mundiais pelo problema, dado que emite mais de nove vezes o total da Holanda e é uma das 10 maiores emissoras do planeta.
O efeito desta nova forma de intervenção é poderoso, ao deslocar para os tribunais o esforço de defender os interesses coletivos das populações, forçando os Governos a tomarem decisões que preferem adiar
Em fevereiro deste ano, um organismo das Nações Unidas dedicado ao estudo das alterações climáticas já tinha publicado um relatório registando que se espera que em 2025 as emissões tenham crescido 2,2% em relação a 2010 e que em 2030 ainda sejam superiores aos valores dessa primeira década do século, apesar dos compromissos que têm sido aceites por diversos países da redução de emissões em 7% em 2020, com o fecho de indústrias e diminuição de tráfego, dado os confinamentos, e do regresso dos EUA ao Acordo de Paris. O relatório acrescenta que para limitar o aumento da temperatura média a 2ºC, uma meta que, aliás, é insuficiente, seria imperativa uma redução de emissões de 25% em 2030. O que não é possível com as medidas atuais.
Assim, em 37 países os movimentos ambientalistas decidiram levar a tribunal as metas de Governos e empresas, em vez de ficarem à espera de ajustamentos na política dos Governos. Têm tido ganho de causa nas mais importantes destas querelas: em dezembro de 2019, o Supremo Tribunal holandês condenou o Governo por estar a realizar esforços insuficientes, em julho de 2020 o Governo irlandês foi igualmente condenado e, em abril deste ano, o Tribunal Constitucional alemão forçou o seu Governo a rever os planos energéticos. Outros casos judiciais podem ter ainda mais consequências, como o que condenou a Shell. O efeito desta nova forma de intervenção é poderoso, ao deslocar para os tribunais o esforço de defender os interesses coletivos das populações, forçando os Governos a tomarem decisões que preferem adiar. Muda, assim, a configuração do poder, o que é acentuado pela urgência, ficando um lastro de nova jurisprudência e interpretação constitucional. Não é pouco.