Manifestação na avenida Paulista teve falas de líderes pregando união de diferentes partidos, mas também vaias a tucanos e a Ciro Gomes. Ato foi maior que o de 12 de setembro, convocado pelo MBL, segundo a PM
Diogo Magri, El País Brasil, 2 de outubro de 2021
A ideia de frente ampla contra o presidente Jair Bolsonaro alcançou uma adesão formal neste sábado, no sexto conjunto de atos convocados pela esquerda no país, mas divergências entre representantes dos 20 partidos que foram às ruas mostraram que a prática está longe dos discursos dos políticos que foram ao palanque. Na avenida Paulista, em São Paulo, o protesto uniu geograficamente nomes como Fernando Haddad (PT) e Guilherme Boulos (PSOL) ao presidenciável Ciro Gomes (PDT) e a Fernando Alfredo, presidente do diretório municipal do PSDB, com a participação em vídeos dos senadores Randolfe Rodrigues (Rede) e Simone Tebet (MDB), atualmente em destaque pela atuação na CPI da Pandemia. No entanto, a união esbarrou em rusgas entre parte da militância, com xingamentos dos petistas aos pedetistas e aos tucanos.
Mais dispersa, a manifestação tomou conta de ao menos 10 quarteirões da avenida. Foram 100.000 presentes nas estimativas da organização e 8.000 nas contas da Polícia Militar —pela contagem oficial, o protesto foi maior que o de 12 de setembro, organizado pelo Movimento Brasil Livre (6.000 pessoas), e menor que o ato em apoio ao presidente realizado em 7 de Setembro (125.000 pessoas), realizados no mesmo local.
Haddad, Boulos e o deputado federal Marcelo Freixo, que recentemente trocou o PSOL pelo PSB, foram os mais ovacionados pelos manifestantes durante os discursos. Boulos foi o primeiro: “O Brasil real está aqui, não no protesto fascista de 7 de setembro. Não aguentamos mais esperar enquanto ficamos na fila do osso. As diferenças que temos são menores do que a união para tirar esse genocida”, disse sob aplausos. Haddad e Freixo, que subiram ao palanque de mãos dadas, repetiram o discurso de união entre diferentes pelo impeachment de Bolsonaro. “Não podemos perder de vista o que estamos fazendo aqui. Essa desgraça de Governo tem que acabar antes da eleição”, disse o petista.
Representantes da Rede, os líderes da oposição no Senado, Randolfe Rodrigues, e na Câmara, Alessandro Molon, também arrancaram aplausos mesmo da base de outros partidos. Em vídeo gravado, Randolfe disse que “é preciso ocupar as ruas para mostrar que não aceitamos preços abusivos, discurso de ódio, política da morte e corrupção na compra de vacinas”. Já Molon, que compareceu presencialmente, levantou os manifestantes ao dizer que “somos minoria no Congresso, mas maioria nas ruas”.
No entanto, o cenário foi diferente para políticos que adotaram um discurso contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que mais uma vez não esteve nos protestos. Nesta semana, Ciro Gomes chamou Lula de “canalha” e escreveu em seu Twitter que petista usa um jatinho da Prevent Senior, empresa associada ao Governo Bolsonaro por denúncias na CPI da Pandemia. Em resposta, muitos militantes do PT e outros partidos de esquerda abafaram seu discurso na Paulista com vaias e xingamentos. “Estou aqui de peito aberto por uma circunstância muito simples: o impeachment, que é a única forma de proteger o Brasil de um golpe de Estado. Temos que abraçar os democratas de todos os partidos”, disse o político presente mais hostilizado na manifestação. Após o protesto, Ciro publicou um vídeo no qual disse que “radicais da direita e esquerda nunca me intimidarão”. Antes, alguns militantes também puxaram ataques à terceira via, nome dado à ala política que busca um candidato fora dos polos de Lula e Bolsonaro.
Fernando Alfredo também discursou debaixo de vaias e gritos de “golpista” da maioria que circulava o trio elétrico, relembrando o papel dos tucanos no processo de impeachment da petista Dilma Rousseff. Alguns objetos foram arremessados em sua direção. “Não estamos discutindo eleições, só queremos um Governo democrático”, declarou. Representante da velha guarda do PSDB, o ex-senador Aloysio Nunes enviou uma gravação que foi exibida no final da tarde, quando os manifestantes já se dispersavam em razão da chuva.
Apesar das feridas abertas, a intenção de promover a frente ampla foi reforçado em boa parte dos discursos, sejam dos políticos ou da própria organização. Antes de cada fala, os organizadores pediam respeito às diferentes opiniões e lembravam aos presentes que a oposição a Bolsonaro era o que unificava o ato. Nas ruas, o protagonismo ficou para as faixas e bandeiras vermelhas de partidos de esquerda, como PT, PC do B, PCO e PSOL, além de centrais sindicais e movimentos como MTST, Frente Povo Sem Medo e Coalizão Negra por Direitos. Mas também foram observadas faixas de PDT, PV, PSB e Rede Sustentabilidade. Já grupos considerados mais à direita, como PSDB, DEM, PSL e MDB, não se juntaram para exibir suas cores. Nomes cuja participação havia sido anunciada pela organização, os deputados federais Tabata Amaral (PSB) e Junior Bozella (PSL) e o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta (DEM) não apareceram para discursar.
No protesto, pacífico, houve manifestantes que defenderam a criação de um afrente ampla. As irmãs Gabriela e Juliana Sabino, de 27 e 19 anos, vieram do Grajaú, na zona sul da capital, e pediram uma ampliação do espectro político contra Bolsonaro. “Estou vacinada por causa do governador João Doria (PSDB). Então quero que representantes da direita venham, antes tarde do que nunca, porque vai ser útil. No momento, não estamos contra eles”, disse Gabriela. As duas seguravam cartazes em que se liam “tenho 600.000 motivos para estar aqui” e “o vírus que mais mata no Brasil é a variante Bolsonaro”. Elas perderam um parente para a covid-19 e responsabilizam o Governo, “que podia fazer tudo e não fez nada”.
A mesma opinião foi compartilhada pelos amigos Rodrigo Saviano, 27, e Fabrizio Franco, 26. “Tem que ser mais amplo. Eu não vim no organizado pelo MBL [no dia 12 de setembro] porque não concordo com eles, mas não reclamaria se viessem hoje. Temos um mal maior a ser combatido”, ressaltou Saviano. “Se não der tempo do impeachment, ao menos podemos enfraquecer Bolsonaro para vencê-lo nas urnas no ano que vem”, justificou Franco. Tanto MBL quanto o Vem Pra Rua não compareceram nos protestos deste sábado. Os movimentos justificaram a ausência ao dizer que a manifestação foi “chamada e organizada pelo PT com o mote Fora Bolsonaro mas, infelizmente, será também para promover o candidato Lula, a quem jamais vamos apoiar”.
Vilma Clementino, de 66 anos, foi uma das várias manifestantes que compareceram enroladas na bandeira do Brasil. “Eu estive nas Diretas Já, então o que estou fazendo aqui é continuar a luta pela democracia. Eu não tenho preferência por nenhum partido, mas estou entre a maioria que defende o estado democrático de direito. Temos que mostrar diversidade”, pontuou.
Os 100.000 presentes, segundo a organização, equiparam a manifestação à realizada no mesmo lugar em 3 de julho e a colocam como maior do que a mais recente no Vale do Anhangabaú (50.000 presentes, segundo a organização), em 7 de setembro. Os dados são divergentes da Secretaria de Segurança Pública. De acordo com a SSP, foram 8.000 manifestantes na tarde deste sábado, menos que no Anhangabaú (15.000) e mais que no dia 3 de julho, quando 5.500 pessoas estiveram presentes na contabilidade do Estado.
Os organizadores registraram atos em ao menos 93 cidades do país, nos 26 Estados e no Distrito Federal. No Recife, uma mulher de 29 anos foi atropelada quando deixava o protesto. Segundo a TV Globo, o motorista fugiu do local sem prestar socorro, e, segundo manifestantes, ele estaria armado. A vítima foi socorrida pelos bombeiros e pelo Samu e encaminhada para o Hospital Português.