Declaração do Bureau Executivo da Quarta Internacional, 1 de março de 2022. Tradução de Bruno Magalhães.
1. Antes do amanhecer de 24 de fevereiro de 2022, o exército russo iniciou sua invasão da Ucrânia, bombardeando o interior do país e cruzando as fronteiras norte, leste e sul do país na direção da capital, Kiev. Esta agressão já resultou em muitas mortes, tanto civis quanto militares. O exército ucraniano e a população ucraniana estão se opondo, várias cidades estão resistindo ao agressor. Centenas de milhares de ucranianos foram para o exílio, mas a resistência continua. O povo ucraniano resiste, com e sem armas.
O reconhecimento do Kremlin, três dias antes, da “independência” das chamadas “repúblicas populares” de Donetsk e Lugansk, e a entrada oficial do exército russo em seu território, foi apenas um prelúdio para a invasão que visava a submissão total do país vizinho.
É uma invasão militar do território de uma antiga nação oprimida por um regime capitalista oligárquico, autocrático e imperialista, cujo objetivo é a reconstituição do império russo.
2. Putin não fez segredo de seu grande nacionalismo russo e desde 2014 tem tomado medidas concretas para atacar a soberania da Ucrânia. Sua narrativa chauvinista e pseudo-histórica, que culpa a Revolução de Outubro de 1917 pela constituição de “três povos eslavos distintos: Rússia, Ucrânia e Belarus, ao invés da grande nação russa”, não é uma invenção recente.
A invasão da Ucrânia segue uma política chauvinista e imperialista grão-russa que se desenvolveu em diferentes contextos e fases desde a desintegração da URSS: Desde o uso de uma “guerra energética” (jogando com preços e oleodutos alternativos), até a instrumentalização de conflitos de minorias nacionais como na Moldávia (com a formação da “República da Transnístria” com o apoio do exército russo em 1990-91) e na Geórgia (com a formação da “República da Abcásia” em 1992), e mais tarde a guerra com a Geórgia pelo controle da Ossétia do Sul (2008); mas também guerras de opressão direta como a guerra de ocupação da Chechênia (1994-1996 e 1999-2009). Em todos os casos, trata-se de preservar os interesses do Kremlin ou de confiscar território. Mas em geral, as décadas de Putin (2000s) corresponderam à (re)construção de um estado forte (controlando seus oligarcas), modernizando seu aparelho militar, estabelecendo uma união econômica eurasiática, com suas dimensões militares. Uma nova fase começou em 2014 com a crise ucraniana e a queda de Yanukovych (descrita como um “golpe fascista” sob o guarda-chuva da OTAN), seguida pela anexação da Crimeia e o estabelecimento de “repúblicas” separatistas nas Donbas ucranianas, controladas por mercenários pró-russos. O apoio militar a Lukashenko em Belarus contra a revolta popular em 2020 e a intervenção militar (através da Organização do Tratado de Segurança Coletiva – CSTO – sob a hegemonia russa) para “normalizar” o Cazaquistão em janeiro deste ano fez Putin se sentir mais forte no contexto da derrota dos EUA no Afeganistão e das divisões abertas dentro dos membros da OTAN sobre questões energéticas (gasodutos).
A Ucrânia é um país independente que manteve um regime de democracia formal. A Rússia tem um sistema parlamentar autoritário e repressivo com membros de extrema-direita na Duma. Na Ucrânia, forças de extrema-direita e fascistas estiveram muito visivelmente presentes durante os protestos de Maidan em 2014. A invasão russa corre o risco de fortalecer as forças de extrema-direita existentes tanto na Rússia como na Ucrânia. Figuras líderes das forças de extrema-direita e neofascistas internacionais apoiam abertamente Putin.
A invasão da Ucrânia tem claramente como objetivo impor um regime fantoche, subserviente ao Kremlin e Vladimir Putin.
3. A propaganda de Putin tentou justificar a agressão dizendo que a expansão da OTAN para o leste colocaria em perigo a existência da Rússia. A OTAN (à qual nos opomos desde sua fundação) é uma ferramenta do imperialismo americano e de seus aliados, inicialmente construída contra a União Soviética e a China comunista. Logicamente deveria ter sido dissolvido com a dissolução do Pacto de Varsóvia em julho de 1991, mas as sucessivas administrações americanas não apenas o mantiveram, mas continuaram a expandi-lo. Rejeitamos a lógica competitiva das potências capitalistas que leva ao acúmulo de armas cada vez mais poderosas. Isto é o que motiva a oposição à OTAN de uma grande parte da população mundial… e não é com isso que Putin está preocupado. Entretanto, em alguns países, que haviam sido colonizados pelo czarismo ou subjugados pela URSS, a adesão à OTAN foi apoiada por suas populações, na esperança de que ela protegesse sua independência. Nós, por outro lado, defendemos a erradicação das desigualdades e o desenvolvimento social, ambiental e democrático necessário como meio para defender a paz.
A luta contra a extensão da OTAN para o Oriente envolve hoje a defesa intransigente dos direitos nacionais e democráticos dos povos ameaçados pelo imperialismo russo.
Exigimos a dissolução da OTAN, mas esta não é a questão levantada pela tentativa de anexação da Ucrânia pelo imperialismo russo, que nega a própria existência desta nação (Putin afirma que é uma pura invenção de Lênin e dos bolcheviques). O imperialismo americano só se beneficia da precipitação do novo czar do Kremlin.
Apoiamos o direito à autodeterminação do povo ucraniano e a proteção dos direitos das minorias nacionais do país. Nem a Rússia nem a OTAN defenderão esses direitos. Exigimos o desmantelamento de todas as bases militares fora de seus países de origem, a liquidação da OTAN, liderada pelos EUA, e da CSTO, liderada pela Rússia. A ameaça do uso de armas nucleares deve ser firmemente rejeitada em todos os níveis.
Numa época em que a urgência absoluta em nível global deveria ser a luta contra a aceleração da mudança climática, o desenvolvimento de aventuras militares e sistemas de armas cada vez mais sofisticados pelos imperialistas mostra a necessidade de os povos se livrarem de seus líderes irresponsáveis e mudarem o motor da sociedade: contra a competição generalizada impulsionada pelo capitalismo, imponhamos a lógica da solidariedade e da paz.
4. Enquanto em 1968, quando a Tchecoslováquia foi invadida, corajosos oponentes russos da invasão foram contados pelos dedos de uma mão, no mesmo dia em que a Ucrânia foi invadida, milhares de pessoas tomaram as ruas de cerca de 50 cidades russas, desafiando as autoridades a protestar contra o ataque de Vladimir Putin à Ucrânia. “Não à guerra!” cantavam os mais jovens manifestantes à tarde e no início da noite nas ruas e praças centrais de Moscou, São Petersburgo, Novosibirsk, Yekaterinburg, Krasnodar e Murmansk.
Em 2014, houve um amplo apoio à anexação da Crimeia entre a população russa, hoje há contestação mesmo dentro do estabelecimento que poderia levar à queda de Putin.
Cento e setenta jornalistas e especialistas em política externa russos escreveram uma carta aberta condenando a operação militar russa na Ucrânia. “A guerra nunca foi e nunca será um método de resolução de conflitos e não tem nenhuma justificativa”, escreveram eles.
Desde o primeiro dia dos protestos, o regime fez mais de 1.800 prisões e a polícia maltratou os manifestantes presos. Também ordenou a restrição de acesso às redes sociais, acusadas de “violação dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, bem como dos direitos e liberdades dos cidadãos russos”.
Apesar da repressão, um movimento antiguerra continua a se desenvolver na Rússia. Merece a solidariedade do movimento operário mundial.
5. Diante da guerra na Ucrânia, é responsabilidade de todos os ativistas do movimento trabalhista, dos movimentos sociais e do movimento antiguerra apoiar a resistência da oprimida nação ucraniana. Para acabar com esta guerra, o regime de Putin deve ser sancionado e a Ucrânia deve ser apoiada em sua resistência à agressão.
Retirada imediata das forças armadas russas de todo o território ucraniano, incluindo as áreas ocupadas desde 2014.
Solidariedade e apoio à resistência armada e desarmada do povo ucraniano. Entrega de armas a pedido do povo ucraniano para combater a invasão russa de seu território. Isto é solidariedade básica com as vítimas da agressão de um adversário muito mais poderoso.
Apoio a todas as formas de auto-organização para apoio mútuo e resistência da população ucraniana.
Apoio às sanções contra a Rússia, como solicitado pela resistência ucraniana, o que limita a capacidade de Putin de continuar a invasão em curso e sua política de belicismo em geral. Rejeição de quaisquer sanções que atinjam o povo russo com mais força do que o governo e seus oligarcas.
Abrir as fronteiras e acolher as populações que têm que fugir da guerra, fornecendo a ajuda prática necessária a curto e longo prazo, especialmente porque a grande maioria são mulheres e crianças.
Cancelamento da dívida ucraniana, ajuda humanitária direta a organizações civis, sindicais e populares na Ucrânia.
Solidariedade internacionalista
Afirmamos nossa total solidariedade com aqueles que estão se mobilizando contra a guerra na Rússia e com aqueles que estão lutando para defender a independência da Ucrânia.
Os interesses dos povos, seu direito à paz e à segurança não são defendidos pelo imperialismo americano e pela OTAN, nem pelo imperialismo russo e chinês. Estes acontecimentos muito graves nos lembram mais do que nunca a necessidade de construir uma mobilização internacionalista para dar aos povos uma voz diferente da dos Estados e em solidariedade ao povo ucraniano contra todas as políticas que os atacam e os oprimem. Os governos não iniciarão esta marcha pela paz. Devemos organizá-lo nós mesmos.
Não à repressão do movimento antiguerra na Rússia. Devemos construir uma solidariedade ativa e visível com este movimento. Apelamos aos soldados russos para que se recusem a participar da invasão e organizem solidariedade com eles, pedindo seu asilo político, se necessário.
Apoiar as forças progressistas que lutam pela democracia e justiça social na Ucrânia. Estabelecer todos os vínculos possíveis para desenvolver um diálogo com eles no caminho para uma paz justa.
Pela solidariedade internacional com nosso próprio campo social! Construamos laços entre os trabalhadores e os movimentos populares que lutam pela democracia e justiça social na Rússia, na Ucrânia e em outros países da região, bem como a nível internacional.
Somente a classe operária internacional, lutando junto com todos os povos oprimidos e explorados, pela paz e contra o imperialismo, o capitalismo e a guerra, pode criar um mundo melhor.