Catherine Samary, Viento Sur, 18 de julho de 2020. Tradução de Antonio Souza
Em 8 de julho de 2020 se transmitiu uma videoconferência entre Viktor Orban, Janša e Aleksandar Vučić, chefes de governo da Hungria, Eslovênia e Sérvia, respectivamente. O moderador, François-Xavier Bellamy, foi o chefe dos Les Républicains (direita francesa) no Parlamento Europeu, que, assim como seu homólogo húngaro e esloveno fazem parte do Partido Popular Europeu. Todos eles defenderam uma Europa sem vetos que se proteja das e dos estrangeiros (e das pessoas LGBT).
Em um contexto de profunda crise das alternativas socialistas, no Leste as pessoas relacionam a adesão à UE com a obtenção dos direitos e prefere isso a permanecerem petrificados na periferia externa; atualmente, na Polônia e na Hungria encontramos um elevado índice de adesão popular à UE (mais de 70%)... ao mesmo tempo, a degradação social e a corrupção associadas às privatizações a portas fechadas se voltou rapidamente contra os partidos que as implementaram no primeiro decênio da transição pós-comunista.
Por isso, em 1999, dez anos depois da queda do muro - após a intervenção da OTAN (em relação a Kosovo) que desestabilizou bastante a região - a União Europeia decidiu tentar estabilizar a situação oferecendo aos partidos liberais acelerar a volta à Europa civilizada. Uma alternativa política que tratava de opor-se tanto ao passado comunista como aos diversos nacionalismos identificados como pró-russos no decênio de Putin. Desse modo, a primeira ampliação da UE em direção ao Leste dos PECO (países europeus centrais e orientais) se deu em 2004, sobretudo para Hungria e Eslovênia. Em 1999 essa ampliação veio acompanhada de um plano de estabilização para os Bálcãs do Oeste (que incluía sobretudo a Sérvia pós-Milosevic, chamando-lhes de candidatos potenciais) com o fim de atraí-los à União Europeia.
No começo dos anos 2000 essa zona conheceu um crescimento fulgurante baseado em seu endividamento (abertura de filiais de bancos ocidentais no leste) e o incremento rápido das inversões diretas estrangeiras atraídas pelo dumping social e fiscal.
Crise de 2008/9: início de polarizações opacas
A crise bancária e financeira de 2008, seguida da recessão da UE, golpeou forte a europa oriental e pôs fim ao discurso da recuperação que, desde então, foi substituído pelo de austeridade. Essa nova fase provocou múltiplas explosões sociais. Mas as ilusões diante de um verdadeiro capitalismo (oposto à corrupção e às privatizações opacas) adicionaram-se as dificuldades para a emergência de alternativas progressistas críveis.
O sucesso de novos populismos de direita expressa o rechaço das forças identificadas com a esquerda e/ou liberais que realizaram as privatizações como condição para aderir à UE. Uma UE rechaçada pelos novos conservadores como uma civilização decadente que tolera o aborto e a homossexualidade ao mesmo tempo que (para alguns) está dominada pelos judeus ou (para outros) invadida por muçulmanos. A Hungria de Orbán (e seu partido, Fidesz) marca esse passo.
A chamada crise dos refugiados em 2015 radicalizou e unificou em grande parte o discurso, com um eixo islamofóbico dominante, compatível com o antissemitismo: Não é Soros, o riquíssimo judeu, que financia ONGs que apoiam muçulmanos imigrantes?
Na era de Trump e da etnização das políticas liberais para proteger-se das estrangeiras e estrangeiros, se dão coincidências improváveis entre Orbán e Netanyahu. Mas as dúvidas sobre o futuro da OTAN, as dificuldades derivadas do Brexit e o ascenço das correntes de direita no seio da UE marcam um giro nas posições: as políticas autoritárias e liberticidas vão pari passo com as políticas ultra-liberais (como a “lei da escravidão” na Hungria) ou o protecionismo seletivo (como na Polônia). Em paralelo, a diplomacia húngara, assediada pelas sanções europeias, se aproxima da Rússia de Putin, o que também a leva a aproximar-se da Sérvia de Aleksandar Vučić. Isso é o que explica a vídeo conferência triangular.
Novo equilíbrio de forças na UE?
Vučić, e seu partido, de início situado na extrema direita nacionalista da Sérvia e considerada pró-Rússia, se converteu no homem forte de um país que vai negociar a adesão com a UE, como o resto dos países balcânicos do oeste. Mas isso não o impede de opor-se às sanções contra a Rússia. Atualmente joga em todos os times (inclusive com Trump, promovendo a divisão étnica em Kosovo). Em pleno desenrolar da pandemia, a oposição o acusa de aproveitar-se dela para silenciar os opositores.
Os três dirigentes se queixam de ser estigmatizados quando se envaidecem dos apoios recebidos da China diante da pandemia (antes que os da UE) ou quanto se expressam sobre o modo de vida. O dirigente esloveno declarou: “A principal ameaça para nosso continente é o marxismo cultural” que tenta desmantelar a nação e a família. Mas, assim como o dirigente húngaro, planeja estender a União Europeia até os Estados orientais com os quais colaboram.
Por sua vez, a UE faz malabarismo com as lógicas de estabilização regional que a leva a apoiar o regime de Aleksandar Vučić contra as mobilizações sociais da oposição que já duram meses. Se trata de jogar a carta das relações entre Belgrado e Pristina, de um lado, e do controle migratório às portas da UE na rota dos Bálcãs, por outro.