ÉricToussaint
Michel Husson (1949-2021), que teve uma sólida formação como economista, acompanhou de perto a evolução do sistema capitalista a fim de contribuir para sua derrubada e para a emancipação social. Sempre afirmou claramente sua concordância com a teoria econômica elaborada por Marx e tentou contribuir para ela, olhando para o presente. Ele foi influenciado pelo trabalho de Ernest Mandel (1923-1995), dirigente da IV Internacional e economista e a ele dedicou vários artigos, o último dos quais foi escrito em 2020, durante a pandemia do coronavírus.
Husson eraum internacionalista. Nos anos 80, acompanhou muito de perto as lutas sociais e políticas na América Latina em geral e no México em particular, onde havia trabalhado entre 1985 e 1987. Este foi o momento da ascensão revolucionária na América Central (Nicarágua, El Salvador, Guatemala,...). Um livro resultante de sua experiência no México: La tourmente mexicaine,publicado em 1987, disponível gratuitamente no site de Michel Husson: http://hussonet.free.fr/tourmente1987.pdf
O livro éuma boa introdução à história política e econômica do México desde o início doséculo 20. Michel Husson foi ativo na IV Internacional e em sua seção francesa, a Liga Comunista revolucionária. Naquela época, ele estava muito interessado na questão do Terceiro Mundo e, com seu camarada e amigo Thomas Coutrot, escreveu em 1993 um pequeno livro pedagógico, Les destins du Tiers Monde, que constituiu uma boa introdução para a compreensão da situação econômica e social dos países do "Sul" em sua diversidade. Quando o CADTM, Comitê para oCancelamento da Dívida do Terceiro Mundo, criado em 1990 na Bélgica, começou suas atividades, Husson imediatamente colaborou ativamente com a iniciativa, participando de reuniões internacionais e fornecendo documentos e artigos, muito úteis para o trabalho do comitê.
MichelHusson também se multiplicava em palestras de formação e as colaboração em seminários econômicos marxistas,notadamente no Instituto Internacional de Pesquisa e Treinamento (IIRE), sediadoem Amsterdã (ver: https://www.iire.org/es ).
A partir dasegunda metade dos anos 90, Husson publicou vários livros, nos quais passou a analisar a evolução do sistema capitalista internacional: Misère du Capital (Miséria do Capital), uma crítica do neoliberalismo (1996); Six milliards sur laplanète: sommes-nous trop? (Seis Bilhões no Planeta: Gente de Mais?)(2000); Le grand bluff capitaliste (O Grande Blefe Capitalista) (2001); (Capitalismo puro) (2008). Em 2012, ele também publicou (O Capitalismo em 10 Lições), pequeno curso de economiaheterodoxa ilustrado pelo chargista Charb.
Desde oinício apoiou a criação da ATTAC (Ação Cidadã para a Justiça Fiscal, Social eEcológica) e em 1998 e se tornou membro de seu conselho científico. A partir de 2001, ele participou da dinâmica do Fórum Social Mundial e do Fórum Social Europeu. Ele também participa na América Latina das atividades da Sociedade Latino-Americana de Economia Política (Sepla), criada em 2005 no México. Ele e eu, juntamente com Gérard Duménil, fomos convidados para a criação da Sepla, em cujos colóquios, organizados em diferentes países do continente, participamos regularmente.
Em março de 2008, quando Haiman El Troudi, ministro de Planejamento Econômico do governo de Hugo Chávez, me pediu para fazer recomendações sobre política econômica, organizeicom Michael Lebowitz um seminário em Caracas, no qual Michel concordou em participar. O seminário durou quatro dias, durante os quais ouvimos toda uma série de relatos em primeira mão sobre o estado real da economia e a partir dos quais tentamos elaborar propostas para uma mudança de política. Era necessária uma mudança que teria envolvido uma participação muito maior dos trabalhadores, particularmente através da prática do controle operário. Também era preciso aumentar os salários, melhorar a habitação, auditar a dívida, fortalecer o setor público, fazer melhorias substanciais na política agrária e na política energética e acelerar o lançamento do Banco do Sul. Além de Michel Husson, participaram deste seminário camaradas como Claudio Katz, Eduardo Lucita e Jorge Marchini da Argentina, Daniel Libreros da Colômbia, Orlando Caputo do Chile, Marc Weisbrot dos Estados Unidos. Ao final, nossas recomendações não foram levadas em conta.
Michel Husson colocou sua capacidade de análise e convencimento a serviço de grandesbatalhas como a luta contra as dívidas ilegítimas (ver abaixo) e a luta por uma redução generalizada do tempo de trabalho para combater o desemprego. Sobre a questão da redução do tempo de trabalho, ele publicou vários livros, folhetos e dezenas de artigos, e participou de numerosas manifestações na França e for dela nos anos 90. Foi ativo em coalizõesinternacionais como as Marchas Europeias contra o Desemprego, e na França esteve na fundação da Agir ensemble contre le chômage (Atuar Juntos Contra oDesemprego).
A participação na luta contra as dívidas ilegítimas
A partir de1989, Michel Husson participou da campanha para o cancelamento da dívida doTerceiro Mundo, apoiando ativamente ocoletivo que tinha lançado o Apelo da Bastilha para o cancelamento da dívida do Terceiro Mundo e tinha organizado uma contra-cúpula paralela à reunião do G7 realizada em Paris por François Mitterrand para o bicentenário da Revolução Francesa. Foi na esteira disso que ele foi muito ativo ao lado do CADTM. Após a crise de 2008, Michel Husson se envolveu nos CAC (Coletivos de Auditoria Cidadã da Dívida), lançados em 2011 por iniciativa da ATTAC e do CADTM na França, com o apoio de numerosas organizações. Ele fez uma contribuição fundamental para a elaboração do estudo do CAC sobre a dívida pública da França: Que faire dela dette? Un audit de la dette publique de la France (Que Fazer com aDívida? Uma Auditoria da Dívida Pública da França). O relatório estabeleceu que 59% da dívida pública frances é ilegítima.
Em 2015,quando a presidente do parlamento grego criou a Comissão para a Verdade sobre a Dívida, que eu tive a oportunidade de liderar como coordenador científico, Michel Husson concordou em participar. Como os outros 11 especialistas estrangeiros e a dúzia de gregos que eram membros desta comissão, ele o fez numa base completamente voluntária. Durante três meses, entre o início de abril e o final de junho de 2015, ele viajou regularmente a Atenas para participar dos trabalhos da Comissão. Na verdade, não foi fácil convencê-lo a ser um membro porque ele dizia que podia participar perfeitamente de fora e à distância. Tive que insistir muito, dizendo a ele que sua participação direta nas discussões coletivas seria um fator de sucesso e qualidade. Uma vez que decidiu aceitar ser membro, ele se tornou um dos membros mais ativos.
Estou certo de que aquela foi uma de suas melhores experiências de trabalho coletivo naquela época. Ele me disse isso depois. Embora ele tivesse ficado bastante sombrio e desapontado com os desenvolvimentos políticos na França, encontrou um verdadeiro gosto em participar dos trabalhos da Comissão na Grécia. Sua alegria e humor poderiam testemunhar isso, especialmente quando Zoe Kostantopoulou, na época presidente do Parlamento grego, o convidou para dizer algumas palavras de introdução na tribuna de uma sala de reuniões do Parlamento grego, e elecomeçou seu discurso em inglês com um pequeno sorriso, informando a plateia que seu domínio do inglês era tão odioso quanto a dívida grega. Michel Husson participou da elaboração do relatório do comitê, que recomendou ao governo grego que parasse o pagamento de toda a dívida exigida pela Troika (ou seja, 85% da dívida grega), por a considerarmos odiosa, ilegal, ilegítima e insustentável.Ele estava presente no parlamento grego quando apresentei este relatório ao parlamento e ao governo grego, nos dias 17 e 18 de junho de 2015. Quando o governo finalmente capitulou para a Troika no início de julho de 2015, o primeiro-ministro decidiu encerrar os trabalhos do comitê, apesar da oposição da presidente do Parlamento. Quando nos encontramos novamente em Atenas, em setembro de 2015, a convite da presidente do Parlamento grego e apesar da oposição de Alexis Tsipras, Michel escreveu parte do relatório adicional que a Comissão adotou e ele foi um dos relatores no Parlamento. Se você assistir ao vídeo de seu discurso, verá que ele começa com ironia, mas passa rapidamente a uma análise muito rigorosa.
Nos últimos anos, Michel Husson continuou seu trabalho como crítico da economia política, principalmente colaborando com o site A l’Encontre. Em muitos de seus artigos, há toques de humor que refletem uma parte de sua personalidade, notadamente seu desejo de expor os tartufos e enroladores que se escondem atrás da «ciência econômica». Deve-se ler ou reler, por exemplo, o artigo intitulado: “Quando você lê um artigo acadêmico, há uma chance 50/50 de que ele não seja digno de confiança”.
Uma ilustração final de seu pensamento rigoroso é fornecida pelo seu livro de 2020,em coautoria com Alain Bihr, Thomas Piketty: Une critique illusoire ducapital (Thomas Piketty: Uma Critica Ilusória do Capital), no qual os dois autores demonstram a relevância e necessidade de uma crítica radical do capitalismo, e desmascaram as pseudocríticas enganosas. Em um de seus últimosartigos intitulado Biden: miracle ou mirage? (Biden: milagre ou miragem?), ele questiona o alcance real das políticas econômicas e sociais de Joe Biden. Uma leitura revigorante.
Tradução:Alain Geffrouais (Revista Movimento)