Leonardo Sakamoto, UOL, 22 de julho de 2021
É exatamente de onde não se espera nada de bom é que não vem nada mesmo. Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara dos Deputados, recebeu um recado do ministro da Defesa, general Braga Netto, no dia 8 de julho, de que se não houver voto impresso e auditável, não haverá eleição em 2022. Ele estaria acompanhado dos comandantes das Forças Armadas. A mensagem foi a mesma repetida abertamente e à exaustão por Jair Bolsonaro.
O golpismo foi revelado por reportagem de Andreza Matais e Vera Rosa, no jornal O Estado de São Paulo, nesta quinta (22).
A urna eletrônica já é auditável e o general sabe disso. A pressão criminosa sobre o parlamento pela aprovação da impressão do voto teria o objetivo de pavimentar a estratégia do presidente da República para tumultuar as eleições do ano que vem em caso de derrota, o que abriria caminho para um golpe de Estado.
Assim, ele teria sucesso naquilo em que Donald Trump fracassou. Lembrando que, por lá, revelações recentes mostraram que o comando militar norte-americano deixou claro que não embarcaria em golpismo eleitoral.
Se os envolvidos confirmarem a denúncia, Braga Netto terá demonstrado ser o mais bolsonarista dos ministros. Pois a facilidade com a qual trata de golpe de Estado, ameaça um dos Poderes da República e faz silêncio diante do envolvimento de militares no escândalo de corrupção da compra de vacinas significaria que o general compartilha integralmente dos mesmos valores distorcidos do seu chefe, o capitão reformado.
Vale lembrar que Braga Netto e os três comandantes das Forças Armadas já haviam ameaçado, através de uma nota, o presidente da CPI da Covid, senador Omar Aziz (PSD-AM), quando este afirmou que "membros do lado podre das Forças Armadas estão envolvidos com falcatrua dentro do governo" e que os honestos devem estar muito envergonhados.
Mais do que uma demonstração de indignação boba, uma vez que toda categoria de servidores tem sua banda podre, era uma tentativa de auto-preservação. Como também é esse tipo de ameaça às eleições, ainda mais no momento em que a CPI indica uma tropa de coronéis e um general citados nas denúncias de cambalachos.
Curiosamente, no documento que tentou emparedar Aziz e o Senado, o ministro da Defesa não escreveu uma linha sequer de repúdio à corrupção, mostrando que isso não estava em sua lista de prioridades.
E, vale lembrar, que tentar tirar um cascalho da saúde pública, superfaturando preços e cobrando propinas é uma falcatrua terrível. Mas destruir a democracia é uma falcatrua ainda pior.
Esse tipo de comportamento é exatamente aquilo que Bolsonaro esperava de Braga Netto ao coloca-lo no lugar do general Fernando Azevedo e Silva à frente do ministério da Defesa em março deste ano. Desejava alguém que saísse em seu auxílio e em oposição a quem o fiscaliza e o investiga, mesmo que isso signifique um atentado à Constituição. Mostraria, portanto, que o presidente acertou ao indicar alguém à sua imagem e semelhança no cargo.
Ironicamente, a declaração golpista vem à tona num momento em que militares perdem espaço no centro do poder, com a retirada do general Luiz Eduardo Ramos da Casa Civil (posto que já foi ocupado por Braga Netto), substituído por um dos líderes do centrão, o senador Ciro Nogueira (PP-PI). A mudança enterrou de vez a cantoria do ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, que, na campanha eleitoral de 2018, parodiou Bezerra da Silva: "Se gritar pega Centrão, não fica um, meu irmão".
A revelação também deve enterrar as pretensões de aprovar a impressão de voto a tempo de ser usado nas eleições de 2022, independentemente do que digam os envolvidos.
A pauta já tinha sido quase arquivada no último dia antes do recesso parlamentar, após um grupo de 11 partidos políticos fecharem questão contra a proposta.
Os ministros Luís Roberto Barroso, Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, conversaram com os parlamentares sobre os riscos do projeto, o que enfureceu Bolsonaro. Desde então, ele vem xingando Barroso, também presidente do Tribunal Superior Eleitoral, em público.
Bolsonaro terá que encontrar outra forma de dar um golpe nas eleições do ano que vem. Criatividade e recursos não faltam a ele. E aliados. Menos nas Forças Armadas e mais nas polícias estaduais.