Uma investigação realizada em Espanha descobriu que mais de um quarto das pessoas revelam estar em situação de isolamento social e que quem sofreu um impacto económico severo com a pandemia tem redes de apoio de amigos mais débeis.
Nuria Oliver e Marina Martínez García, The Conversation / Esquerda.net, 6 de fevereiro de 2022
Desde março de 2020, milhares de milhões de pessoas no planeta viram limitados os contactos e atividade social para tentar conter a progressão do coronavírus. Estas medidas, de importância vital para travar a sua transmissão, têm um impacto na essência do humano: a nossa capacidade de nos relacionarmos, ligar-nos com outras pessoas, partilhar espaços próximos e experiências vitais.
O impacto da atual pandemia na saúde é inegável, como também o são o seu impacto económico e social. Esta dimensão social é, talvez, a menos estudada devido à complexidade que comporta mas não é por isso que seja a menos importante.
Num estudo recente(link is external), analisámos aquela que é provavelmente a maior fonte de dados de isolamento social em Espanha durante a pandemia, através das mais de 32.000 respostas anónimas ao inquérito cidadão COVID19ImpactSurvey, recolhidas entre junho e dezembro de 2021. Este inquérito, com 31 perguntas, tornou-se um valioso instrumento para compreender o impacto da pandemia na vida das pessoas(link is external) e na sua perceção(link is external) sobre ela.
Mas o que é isolamento social? Pode-se definir brevemente como a “ausência relativa de relações sociais”. Compreender o nível de isolamento de uma população é mais importante do que parece à primeira vista. Entre outras cosas porque está ligado a um maior risco de morte prematura(link is external), principalmente por causas cardiovasculares ou de saúde mental, com um efeito semelhante ao da obesidade, o abuso de substâncias, o sedentarismo ou o tabaco.
O nosso inquérito cidadão incluía seis perguntas do questionário de Lubben(link is external) para avaliar o isolamento social das pessoas, medido através de duas componentes: a rede de apoio social familiar e a rede de amigos.
As pessoas mais isoladas rondam os cinquenta anos
Os resultados da análise são chocantes. Descobrimos que mais de um quarto da população indica estar isolada socialmente, sendo, para nossa surpresa, as pessoas de meia idade (40-59 anos), as mais isoladas.
Estes níveis de isolamento não têm precedentes. Por isso desconhecemos o impacto social que terá a médio e a longo prazo. A curva de isolamento segundo a idade tem a forma um “U” invertido, tendo grande semelhança com a curva (invertida) da felicidade segundo a idade(link is external). Ou,o que quer dizer a mesma coisa, é no equador das nossas vidas quando indicamos os níveis mais baixos de felicidade e também os maiores níveis de isolamento social.
Antes da pandemia (e também durante), pensava-se que o grupo demográfico com maior isolamento social eram as pessoas mais idosas(link is external). Por isso, historicamente, a imensa maioria de estudos sobre o isolamento centraram-se neste grupo social. Talvez devamos reconsiderar isto face aos novos resultados, que ilustram o impacto (subestimado) das medidas de confinamento nas pessoas de meia idade.
Sem amigos vive-se pior
Como seria de esperar, quanto menor é o rendimento e menor é o número de habitantes maior a probabilidade de isolamento social. Ou seja, para além da idade, a capacidade económica e o local de residência são fatores determinantes para o nosso isolamento. A “Espanha esvaziada” é uma Espanha isolada, assim como a Espanha que está submersa na pobreza.
Descobrimos que as pessoas – e especialmente as mulheres – cuja situação económica se deteriorou(link is external) devido à pandemia têm uma probabilidade muito superior de estar isoladas que aquelas que não sofreram um impacto económico.
Mais de metade das pessoas com mais de sessenta anos que sofreu um impacto económico severo indicam estar isoladas. Porquê? Parece que a falta de amigos joga contra si.
Analisando o papel desempenhado pela família em comparação com os amigos no apoio social das pessoas, descobrimos que quem sofreu um impacto económico severo tem redes de apoio de amigos muito mais débeis que quem não indica ter sofrido impacto económico. Os amigos são importantes e constituem um elemento chave do nosso capital social.
O impacto psicológico da pandemia também desempenha um papel importante como fator de risco do isolamento, de tal forma que quanto maior tenha sido o impacto psicológico mais foi o risco de isolamento.
Os efeitos secundários das medidas anti-covid
Como seria de esperar, encontramos grandes diferenças no isolamento social dependendo das medidas de proteção face à Covid-19 adotadas pelas pessoas e sua perceção do risco pandémico.
Aqueles que não adotam nenhuma medida anticovid (por exemplo, evitar multidões, limitar contactos sociais, manter distanciamento social, etc.) têm muitíssima menor probabilidade de estar isolados socialmente – perto de 40% menos – que quem adotou alguma medida de proteção, fundamentalmente devido ao papel da rede social de amigos.
Curiosamente, quem considera que nenhuma ou apenas as atividades essenciais do dia a dia (por exemplo, comprar comida, ir à farmácia, etc.) podem realizar-se com baixo risco de infeção pelo coronavírus tem quase o dobro da probabilidade de estar isolado socialmente do que quem consideram que muitas mais atividades (por exemplo, ir a cafés, bares e restaurantes, ao cinema ou a museus, etc.) podem acontecer com baixo risco de infeção. Novamente, neste contexto, é a rede social de amigos – e não a família– a que desempenha um papel determinante para definir os níveis de isolamento.
Este estudo quantifica o impacto social da pandemia nas nossas vidas, revelando alguns dados preocupantes. Dada a relação entre o isolamento social e o nosso estado de saúde física e mental(link is external), deveria ser prioritário implementar programas e medidas que nos ajudem a ligar-nos com os nossos amigos e familiares, a recuperar as nossas redes sociais, que constituem o nosso capital social. Um capital intangível mas primordial para o nosso bem-estar.
O trabalho aqui descrito é fruto da colaboração entre as autoras e Emilio Sansano, Andrea Castillo, Ruben Femenia e Kristof Roomp. Nuria Oliver é diretora da Fundación ELLIS Alicante e professora honorária daa Universidade de Alicante. Marina Martínez García é professora do Departamento de Matemáticas, Estatística e Investigação Operacional da Universitat Jaume I. Texto publicado originalmente no The Conversation. Traduzido por Carlos Carujo para o Esquerda.net.