Quarta Internacional, Europe Solidaire Sans Frontière, 24 de fevereiro de 2021
Objetivando lutar contra as mudanças climáticas, é necessário inverter e reconstruir o sistema de transportes, hoje responsável por um quinto (e um quarto em certos países) da produção de gases de efeito estufa. De 1970 a 2004, o setor dos transportes baseados no petróleo (carros, SUV, caminhões, navios, aviões) aumentou suas emissões de CO2 em 222 %. As previsões indicam que até 2030, aumentará ainda mais 80%. Entre 2015 e 2019, ao menos 90 milhões de veículos são produzidos anualmente. Os veículos individuais, ainda que inutilizados durante 90% do tempo, necessitam da construção de garagens e estacionamentos. Os veículos são a origem de 78% das emissões de CO2 causados pela construção, manutenção e utilização das estradas e autoestradas (advindo o restante dos ônibus, bondes e trens). Por outro lado, o modelo de transporte individual é ditado pelo mercado e reforça as desigualdades. Nós não podemos mais nos permitir à “cultura do automóvel” que dominou a sociedade nos últimos 75 anos.
Malgrado a necessidade de reduzir consideravelmente o tráfego e o armazenamento de carros individuais, a conversão da indústria automobilística em uma indústria de transportes coletivos será uma tarefa difícil. Contudo, nós temos um modelo parcial: durante a Segunda Guerra Mundial, toda a produção automobilística americana foi interrompida porque Washington requisitou as unidades para a produção das necessidades da guerra. Uma conversão industrial é ainda mais necessária hoje em dia, com a necessidade de reduzir consideravelmente nossa dependência em relação aos combustíveis fósseis.
Por outro lado, os acidentes de trânsito constituem um grande problema. Segundo a Organização Mundial de Saúde, 1,35 milhão de pessoas morrem anualmente em decorrência de acidentes de trânsito e 50 milhões de pessoas sofrem ferimentos não mortais. Cerca de 7 milhões de pessoas morrem em decorrência da poluição do ar, talvez cerca de um milhão devido à emissão de combustíveis fósseis veiculares ou de sua manutenção.
A indústria automobilística foi um motor central da industrialização no curso do último século. A indústria depende de uma rede downstream que perfure ou faça fracking para extrair petróleo e escave em busca de minerais. Estes são transformados em produtos químicos, pneus, vidro, aço, plástico, e em seguida enviados para unidades de montagem. Ela cria um mercado composto de salas de exposição, oficinas, estações de serviço e depósitos de sucata. Analisando como a pesquisa de rentabilidade está ligada à necessidade de aumentar a produção, nós reconhecemos que a necessidade é muito maior que descarbonizar nosso mundo. Nosso dever é igualmente o de avaliar e realocar os outros recursos naturais que fazem parte desses processos de fabricação. É um dado que a propriedade privada e o rentismo são os responsáveis pela criação desta crise, e a elite de empresários é claramente incapaz de conduzir a recuperação.
Na medida em que reconhecem a gravidade da crise, os capitalistas reagem propondo veículos elétricos como solução. Se essa solução permite a redução do uso de combustíveis fósseis no tanque, ela não trata da totalidade dos veículos. Nós propomos, em vez disso, equipes de trabalhadores da comunidade que possam gerir um sistema de transporte eficaz e acessível a todos.
Os carros elétricos não são uma solução para os problemas ecológicos existentes.
A grande mídia, uma parcela da burguesia e grande parte do público considera a passagem a veículos elétricos como uma solução para os problemas provocados pelos gases de efeito estufa oriundos do setor de transportes. Mas há razões fundamentais para que essa solução não funcione, e mesmo agrave, os problemas ecológicos que já temos:
• Mesmo antes de serem conduzidos, os veículos elétricos comportam um enorme “passivo ecológico”: a produção de suas baterias exige níveis elevados de consumo de energia e uma utilização intensa de matérias primas que fazem com que você precise conduzir um carro elétrico por 8 anos até que ele represente uma redução da produção de CO2 em comparação com um carro à gasolina.
• Mesmo esses 8 anos para reduzir as emissões de CO2 não se concretizam se a energia elétrica consumida não for 100% ecológica, o que é completamente ilusório. O mix elétrico existente (composto de carbono, gás, petróleo, energias renováveis) não mudará substancialmente nos próximos anos. Então, se um número considerável de carros elétricos (mesmo sem levar em conta caminhões elétricos e ônibus elétricos com baterias) fossem utilizados, mais eletricidade à base de carbono (energias fósseis) deveriam ser produzidas. Ademais, uma enorme quantidade de novas infraestruturas seria necessária (milhões de estações de energia, etc., que necessitam de uma produção suplementar de CO2), somada à manutenção contínua de estradas e autoestradas (nos Estados Unidos, em 2014, o custo médio de reconstrução de uma via existente em uma grande rodovia urbana era de 7,7 milhões de dólares por quilômetro, enquanto em uma rua de uma pequena zona urbana, era de 1,5 milhão de dólares).
- Há importantes efeitos boomerangue:
– A utilização de carros elétricos produz mais tráfego, devido ao pensamento médico de que se trata de um veículo ecológico (por não queimar combustível), além de ser um carro notadamente mais caro, e que por isso deve ser utilizado com maior frequência para que se torne “ecologicamente eficaz”. Ao mesmo tempo, as pessoas utilizariam menos frequentemente os transportes coletivos.
– Devido à baixa autonomia desses veículos (cerca de 200 km, apenas o grande Tesla chegando a 400 km, com cifras mais modestas para ambos no inverno) e devido à quantidades de horas para recarregar a bateria, 59% dos veículos elétricos são secundários. A esses veículos complementares se adicionam os inconvenientes que vemos na “sociedade dos carros”.
– Há um efeito perverso visível desde já: os carros elétricos vão prolongar a crescente produção de SUV.
Outro fato é que todas as demais desvantagens do sistema de transportes baseado no carro (ver abaixo) persistiriam, há desvantagens acológicas adicionais que devemos saber e que são completamente negadas pelos partidários e usuários de carros elétricos:
Numeroso número de matérias primas seriam massivamento exploradas. Seriam necessárias quatro vezes mais cobre para um carro elétrico (cerca de 80 kg por veículo). Até 2027, a extração de cobre teria que ser multiplicada por 10 (os principais países preocupados com a questão são o Brasil, Peru, Chile e Argentina).
A produção de baterias necessita o tratamento de grandes quantidades de matérias primas muito preciosas: lítio, grafite, cobalto e níquel. A produção atual de lítio é de mais de 200.000 toneladas, até 2025 passará de 600.000 toneladas. Os engenheiros da Tesla preveem uma necessidade de 2 a 3 milhões de toneladas, e uma tonelada de lítio necessita de 1,9 milhão de litros de água.
O transporte privado motorisado é um dos principais contributos à produção de gases de efeito estufa no setor dos transportes, mas outros contributos são igualmente nocivos: o transporte marítimo de contâineres ao redor do mundo, navios de cruzeiro e o transporte aério, este último, por exemplo, sendo três vezes mais nocivo que o automóvel e 19 vezes mais nocivo que o trem (medido em proporção passageiros - quilômetros). Não somente os carros utilizados pelos particulares são desastrosos, mas a crescente utilização de caminhões (decorrentes do desmantelamento das estradas de ferro) pelo transporte fretado é assustadora e não somente no nível ecológico.
Além disso, mudar o setor de transporte não é somente urgente por razões ecológicas.
Porque o transporte privado motorizado é mortal, mesmo sem ter em conta seus efeitos ecológicos
1. Devemos ter consciência do fato de que esse tipo de sistema de transportes causa um número muito grande de mortes. Na União Europeia, apenas, 25.000 pessoas morreram em decorrência de acidentes de trânsito em 2018, enquanto 135.000 foram gravemente feridas. As cifras do Road Safety Report 2018 (referente a 2016) publicado pela OMS, indicam que nos Estados Unidos mais de 39.000 pessoas morreram, na Índia mais de 299.000 e a nível mundial 1.323.666 (apenas em números de registros oficiais). Esse número elevado de mortes talvez não explique o perigo elevado do que chamamos de “sociedade de carros”, é dizer, o transporte privado motorizado e a utilização excessiva de caminhões, aviões e porta-contêineres. Para obter uma melhor proporção, podemos pegar o exemplo do Japão entre os anos de 1966-1975, quando 190 mortes foram causadas por acidentes de trem, mas 46.486 por acidentes de carro, mesmo que os trens tenham transportado muito mais pessoas no mesmo período, na proporção de 1:245. Desde a invenção do automóvel, o número de mortes se elevou a mais de 48 milhões, o que equivale a uma guerra mundial.
2. Por outro lado, não esqueçamos que os efeitos a longo prazo das substâncias nocivas emitidas pelos carros e caminhões. As partículas são especialmente devastadoras (em grande parte devido às emissões dos carros e caminhões, principalmente o que decorre dos pneus e freios) e os óxidos de nitrogênio. Na maior parte das grandes cidades, o valor limite definido pela OMS é largamente ultrapassado. Em Shangai, no fim do século XX, os médicos haviam tratado 1.000 cânceres de pulmão por ano. 15 anos depois, o número ulltrapassa os 10.000. A OMS estima que, a nível mundial, cerca de 4,5 milhões de pessoas morrem anualmente devido às partículas (grande parte devidas ao tráfego rodoviário).
E há um outro fator que afeta nossa saúde: a utilização dos transportes aéreos e automobilísticos são fatores importantes para o crescente barulho que provoca um número considerável de ataques cardíacos, insônia, hipertensão arterial, depressões nervosas e outras graves doenças.
3. A prioridade dos investimentos e infraestrutura é destinada aos setores onde o capital pode realizar o lucro máximo, o que - no setor de transportes - não concerne somente à construção de estrada, mas também ao aspecto das cidades. A estrutura das cidades foi completamente transformada para os carros, não para pedestres ou ciclistas. Isso obstrui o transporte público e engendra cidades não somente anti-saudáveis, mas de fato lugares onde não se quer viver ou passar seu tempo livre. O meio urbano está largamente comprometido, o que torna a luta pelo “direito à cidade” (Henri Lefebvre) ainda mais urgente.
Ao mesmo tempo, o sistema de transportes centrado no carro afeta igualmente a infraestrutura ao nível regional, nacional e internacional. Muitos dos trajetos (cada deslocamento) ficam mais extensos. Nos anos 1970, os trajetos cotidianos motorizados de um Europeu Ocidental somavam cerca de 9.000 km por ano. Em 2006, já representavam 14.000 km. Isso não se deve principalmente ao número de deslocamentos, mas ao alongamento das distâncias entre os locais de trabalho, de estudo, etc.
O urbanista Martin Wagner (exilado nos Estados Unidos) comparou Berlim no fim dos anos 1920 à Nova York de 1957. Os resultados desses estudos são claros: o número de viagens (é dizer, todos os deslocamentos) que uma pessoa tem (ou deseja) de fazer por ano não auterou-se significativamente ao longo dos anos. São cerca de 1.000 por ano, sendo 650 possíveis de serem feitos à pé, se... , se os planos de urbanização fossem feitos respeitando os critérios ecológicos e sociais.
As estatísticas alemãs recentes identificam um montante anual de 1.216 trajetos. O aumento é devido principalmente à descoberta de novas rotas, como à companhia de crianças pequenas, que não seriam - em larga medida - necessárias se as distâncias para as crianças fossem pequenas o suficiente, é dizer, se elas fossem curtas como o eram há cem anos, e um planejamento urbano racional houvesse sido posto em prática.
4. A sociedade automobilística é igualmente muito consumidora de espaço, sobretudo utilizado por veículos particulates, que necessitam de oito vezes mais espaço que o que seria necessário em um sistema baseado em trens (medida em proporção passageiros - quilômetros). Bondes necessitariam 40 vezes menos espaço. Para curtas distâncias, os caminhões ocupam 15 vezes mais espaço que trens, para pequenos caminhões (e distâncias mais curtas) a proporção é de 70 para 1.
Os efeitos do consumo de espaço é real em dois outros níveis: há a infinita construção de rodovias e estacionamentos, a necessidade de cada vez mais espaço para extrair matérias primas, etc. Segundo nível suplementar: o Worldwatch Institute (Washington) constatou que a produção de etanol demanda uma enorme quantidade de terra: para um carro movido a etanol, é necessário um terreno agrícola 16,5 vezes maior do que o utilizado por um pequeno produtor para garantir sua subsistência durante um ano. Hoje, cerca de 900 milhões de pessoas morrem de fome enquanto anualmente 142 milhões de toneladas de cereais e canola são transformados em “biocombustíveis”, o que seria suficiente para alimentar 420 milhões de pessoas. Desde que uma crescente quantidade de terras aráveis tem se transformado em zonas de plantação “para encher o tanque”, essas zonas se tornas deficientes na produção de alimentos. Não esqueçamos que, nessas regiões, cerca de 3.500 litros d’água são necessários para produzir 1 litro de “biocombustível”.
5. Graças ao crescimento ininterrupto da “sociedade automobilística”, não somente os trajetos (o montante de locomoções) se tornam maiores, mas as pessoas passam igualmente a gastar mais tempo viajando, majoritariamente a caminho do trabalho. Nas cidades, do México a Pequim, de Los Angeles a Nova Delhi, as pessoas passam horas nos engarrafamentos cotidianos. Ainda em 1998, as estatísticas alemãs computavam 67 horas de engarrafamento anual para as pessoas com carro (mais tempo que o gasto fazendo amor). Em 2018, o tempo médio passado em engarrafamentos elevou-se a 120 horas por motorista.
Por outro lado, o número de carros aumenta no mundo inteiro. Em 2010, tínhamos um bilhão de veículos; em abril de 2019, 1,24 bilhão; em 2025, os estudos recentes estabelecem 1,8 bilhão, e em 2050: 2,7 bilhões (são 2.700 milhões!). Incluindo os caminhões, ônibus, etc., teremos 2,1 bilhões de veículos nas estradas em 2025, duas vezes mais que em 2010. Soma-se a isso o fato de que os veículos produzidos e utilizados (!) são cada vez mais possantes. Em 2017 nos EUA foram vendidos 11 milhões de SUV, sem contar o número crescente (e a potência crescente) de caminhonetes.
Em somatório, somos confrontados com um colapso climático a menos que imponhamos uma reversão completa da filosofia inteira do setor de transportes.
6. A “sociedade automobilística” é cara.
A compra e manutenção de um veículo é muito mais cara que a utilização de um transporte público racional. Independentemente dos efeitos ecológicos e outros mencionados acima, cada carro é fortemente subvencionado pela sociedade (é dizer, pelo contribuinte).
Apesar do termo “custos externos” ser largamente utilizado, é de fato enganoso (dado que os custos não são provenientes do exterior e são estruturalmente inerentes ao sistema de transporte automobilístico), os resultados de diferentes estudos são bem claros e razoavelmente ligados. O mais importante é a pesquisa “Efeitos externos dos transportes. Custos acidentais, ambientais e da congestão de transportes na Europa Ocidental”. Segundo o estudo de 2004, cujas cifras correspondem ao ano 2000, os custos são elevados na UE-15 da época, além de Noruega e Suiça (o que chamamos UE-17), à monta de 7,3% do PIB, sem contar os custos do congestionamento. As partes mais significativas correspondem aos efeitos climáticos (30% dos “custos externos”) e o efeito sobre os sistemas de saúde, principalmente os hospitais (24%).
Ao mesmo tempo - com os carros, em particular os SUV, que ficam cada vez maiores, enquanto a construção de rodovias fica cada vez mais cara - nós vemos manter-se em 10% do PIB o correspondente aos custos pretensamente “externos”, ainda mais se contarmos os custos do congestionamento e os crescentes valores das infraestruturas necessárias aos caminhões (como os “gigaliners”, etc.).
Isso corresponde, nas pesquisas feitas pela Universidade de Dresden, que (na Alemanha) cada veículo é subsidiado em cerca de 2.000 euros anualmente. Isso equivale a 45.000 euros de subvenções por veículo para a sociedade. Outros estudos avaliam cifras mais importantes, tais como as do Instituto IWW/INFRAS. Em 1996, esse instituto calculava as subvenções de 4.000 DM (2.250 €) para cada carro anualmente! De fato, somente uma pequena parte da população poderia aumentar 25.000 € no valor de um carro novo. O sistema atual é, portanto, um enorme sistema de subvenções para toda a economia petrolífera, principalmente a indústria automobilística.
O capitalismo não pode resolver os problemas
O sistema social e político existente é dominado por uma maioria de poderosas sociedades empresárias ligadas à energia fóssil, que tem bastante capital investido nesse setor da economia, e que engendra, de fato, uma economia baseada no petróleo. Há décadas, dos 10 maiores trusts do mundo, cinco a sete são “fósseis” (o ranking seguinte é de 2017 onde sete eram “fósseis”): Royal Sinopec (no setor petrolífero, terceira das dez maiores empresas), China National Petroleum (petróleo, quarta), Shell (petróleo, quinta), Toyota (automóveis, sexta), Volkswagen (automóveis, sétima), BP (petróleo, oitava), Exxon (petróleo, nona).
O poderoso setor da economia capitalista é ao mesmo tempo o gerador de impulsos de desenvolvimento do sistema. Após o reestabelecimento de um ciclo “normal” de desenvolvimento capitalista (em meados dos anos 1970), tivemos cinco ciclos simultâneos aos ciclos da indústria automobilística (nesse momento estamos ao fim do 6º ciclo).
O espectro da economia petrolífera (a economia fóssil) vai além da indústria automobilística: o setor de transportes marítimos, a aviação (tráfego aéreo) e certamente o setor de energia (eletricidade, termoeletricidade). Todas as infra estruturas da economia e dos modos de vida (desde a forma como as cidades são construídas à totalidade do setor de transportes) são determinadas pelo setor fóssil da economia. Mais importante ainda, os novos métodos de produção e transporte desde os anos 1970 construíram um suprimento global que emprega caminhões, aviões, trilhos e navios para diminuir os cursos de produção. Essas formas variadas de trânsito transferem contêineres padrão de uma parte do mundo para outra. Esta tecnologia de redução de espaço é construída diminuindo as tarifas alfandegárias e melhorando a comunicação. A tecnologia permite a coordenação de uma gama de atividades globalmente dispersas, permitindo uma crescente divisão do trabalho. Começa com matérias primas, e inclui a montagem de materiais e componentes da produção em áreas de mão de obra barata, enquanto impõe estritos padrões à produção (um processo conhecido como fissuração). O gerenciamento enfatiza uma produção enxuta e entrega sob demanda para reduzir drasticamente a necessidade de armazenamento. Apesar da logística de suprimentos globais ser diferente de acordo com a indústria, no ramo automobilístico resulta em 11% a menos no custo total, apenas nos países da OCDE. No entanto, algumas corporações estão repensando a globalização dada a ruptura que a COVID-19 causou às linhas de produção.
Abandonar esse tipo de funcionamento econômico não será possível somente com argumentos sólidos. A maioria da população deve ser convencida que necessitamos de uma mudança completa se queremos, e se queremos que nossos filhos e netos, tenham um porvir digno de se viver. Grandes coalizões de forças ecológicas e sociais devem lutar contra os interesses dessas empresas. É que, pela natureza das implicações, a luta deve estar ligada à reivindicação de um outro tipo de sistema econômico e social. Se torna necessária uma reversão total de todos os investimentos. Somente a sociedade como um todo será capaz de reivindicá-lo e assegurá-lo.
A expropriação de capital será uma condição primária mas totalmente insuficiente. Será similar ao que é verdadeiro para a liberação das mulheres, das nacionalidades oprimidas, etc.: sem a abolição da sociedade automobilística, o socialismo não será possível, e a abolição da sociedade automobilística não será possível sem o socialismo.
A chave da transformação da indústria automobilística em um sistema de transporte de massas onde os trabalhadores e trabalhadoras e a comunidade em geral tenham controle sobre cada etapa do processo de extração, produção, transporte e manutenção. É uma rede de organizações de trabalhadores e trabalhadoras e da comunidade que deverá analisar, planejar e construir o novo sistema. Esses comitês colocarão igualmente em obra as condições de trabalho, com atenção particular à indenização e à seguridade dos trabalhadores e da comunidade. Será necessário reduzir e dividir as horas de trabalho, maximizar a capacidade de todas e todos de participar do planejamento e da reconfiguração dos empregos, a fim de difundir conhecimentos e garantir a satisfação. A folga remunerada será garantida para uma ampla gama de necessidades. A diferença entre o Norte e o Sul será suprimida, e outras formas de discriminação eliminadas graças à participação democrática de todas e todos. Nitidamente, haverão erros, mas eles poderão ser corrigidos graças aos processos transparentes de análise, avaliação e de tomada de decisões democráticas.
Quais são os objetivos?
Apresentando nossas reivindicações, não fazemos um apelo aos governos (ou à classe dirigente de fato deles), mas explicamos claramente as mudanças pelas quais pensamos ser necessário lutar. O combate deve ser organizado de baixo, por todas as classes dominadas.
Nossas reivindicações, nossos objetivos, a curto e longo prazo, são:
• Modernização massiva dos sistemas de transporte público, com ênfase à reintrodução, construção e expansão massiva do setor de transportes sobre trilhos e - onde for possível - na reintrodução e propagação dos ônibus elétricos.
• Transformar a indústria automobilística em construtora de veículos de transporte coletivo (trens, bondes, ônibus elétricos, etc.).
• Gratuidade de todos os transportes públicos nas cidades e seus arredores.
• Reestruturar as cidades para que a maior parte dos destino (local de trabalho, de compras…) sejam acessíveis à pé.
• Paralelamente à implementação dessas medidas, banir os carros das cidades (exceto serviços de urgência e similares).
• Taxar o transporte aéreo de maneira adequada, de modo que a aviação caia ao menos entre 70 e 80%. Proibir voos abaixo de 1.000 km.
• Suprimir a cadeia global de suprimentos da indústria em larga escala, de modo que o transporte de contêineres se reduza a uma pequena parte do total.
Na luta por um sistema de transportes diferente, a conversão da indústria automobilística é absolutamente essencial. Como a produção e a manutenção dos meios de transporte público (ônibus, trens, etc.) oferecem menos lucros comparada à produção em massa de carros, é impossível convencer os proprietários do capital da preocupação com tal conversão. Desse modo, a luta pela expropriação e a socialização dos meios de produção, sem indenização, é o grande desafio na luta contra as mudanças climáticas e por um sistema de transporte social e mais saudável.
Comitê Internacional da IV Internacional
Resolução adotada (47 a favor, 3 abstenções, 6 contra) pelo Comitê Internacional da IV Internacional
Disponível em: http://www.europe-solidaire.org/spip.php?article57329 e traduzido ao português por Antonio P Souza.