Esta é a segunda e última parte de um texto fundamental da história do trotskismo e da IV Internacional, publicado originalmente na Revista da IV Internacional nº 1, julho-setembro de 1980 e reproduzido em português em Perspectiva Internacional – Ano I, número 1, março-abril 1982.
Leia a primeira parte aqui. Quando escreveu esse documento, o jornalista e acadêmico John Ross era então dirigente do Grupo Marxista Internacional (IMG) do Reino Unido, ligado ao então Secretariado da IV Internacional, de Ernest Mandel. Nessa condição, esteve à frente da polêmica entre a maior parte do trotskismo continental europeu contra o também britânico Geary Healy e o francês Pierre Lambert.
Os amargos frutos do sectarismo fracional
Enquanto estas traições históricas de classe não tinham acontecido de fato, Lênin e Trotsky se bateram pela formação de frações no interior do mesmo partido para esclarecer e debater as divergências políticas. No mesmo sentido, a cisão de 1953 da IV Internacional não foi uma cisão em dois partidos mundiais, mas em duas frações públicas. Posto que não tinha havido traição histórica dos interesses da classe operária, foi possível considerar uma reunificação destas duas frações sobre bases de princípio em 1963 – reunificação compreendendo a maioria do Comitê Internacional e a maioria do Secretariado Internacional.
Gerry Healy e o dito Corqui optaram por ficar fora da Internacional em 1963. Eles mantiveram e desenvolveram o mito de que “o revisionismo pablista” havia destruído a Internacional em 1953.
A total falta de compreensão da parte de Healy da diferença entre uma fração e um partido, revelada por sua atitude para com a cisão de 1953, contribuiu inevitavelmente para a desintegração interna dos restos de seu próprio Comitê Internacional.
O primeiro resultado da acusação de Healy de que os “pablistas” teriam atravessado o rubicão da luta de classes em 1953, foi o emprego sistemático da mentira, de uma representação falsificada das posições de seus adversários. Porque, se os “pablistas” eram responsáveis por traições de envergadura histórica, era evidentemente necessário demonstrá-lo e demonstrar que estas traições continuariam e piorariam inevitavelmente. Isso é algo diferente de afirmar que graves erros teóricos e políticos foram cometidos; que idéias revisionistas avançaram. Mesmo se é exato, isso não pode em todo caso justificar mais do que uma divisão em duas tendências ou frações, não uma cisão do partido e da Internacional.
Na ausência de fatos para justificar sua posição, ele teve que recorrer à mentira sistemática. Ele mentiu dizendo que o Secretariado Internacional não teria apoiado a Revolução Húngara em 1956. Ele mentiu dizendo que Cuba não é um Estado Operário. Ele mentiu dizendo que o Secretariado Unificado não teria agido ou mesmo criticado publicamente a linha da seção do Ceilão [hoje Sri Lanka, NE], antes que sua maioria se reunisse à uma coalizão governamental burguesa em 1964. Ele mentiu sobre a linha dos camaradas franceses a respeito da greve geral de 1968. Ele mente hoje sobre quase todas as questões da revolução mundial.
Para justificar a criação de um partido separado dos “pablistas”, quando de fato as condições para uma tal cisão definitiva não estavam dadas, o SLL/WRP (25A) foi obrigado a fazer de sua organização e de suas publicações um dos maiores reservatórios de mentiras e de má fé do movimento operário. A mentira e a falsificação não são um acaso, ou um excesso do healynismo, mas uma coisa que se tornou um elemento indispensável de sua linha política para poder manter sua separação da IV Internacional.
Mas a manutenção prolongada de uma tal campanha de mentiras engendra outros efeitos inevitáveis. Inicialmente, o perigo é que os próprios militantes se apercebam da realidade e de que todas estas declarações não são mais do que mentiras. Também os militantes devem ser colocados sob estrita tutela. Daí a prática revoltante de retirar das mãos dos membros do WRP panfletos que acabavam de lhes serem distribuídos, assim como o hábito de só publicar documentos de uma das partes nas discussões e assim por diante – práticas emprestadas das tradições stalinistas.
É necessário preservar os militantes da revelação de tudo o que coloca em questão a “verdade” de Healy. As frentes únicas são rejeitadas não somente porquê o WRP tem posições políticas falsas, mas também porque elas arriscam a conduzir à “contaminação”. O sectarismo se aprofunda. Finalmente, mesmo a violência física é utilizada para isolar a influência “estranha”.
Mas é impossível se obter um isolamento quimicamente puro. Toda questão inocente pode conduzir a uma resposta que desemboca em problemas mais vastos, e as franjas da realidade acabam por manifestar-se. O único meio de impedir isso, é uma supressão total da democracia interna. É para onde sempre pende infalivelmente uma organização sectária que erigiu em princípio o sectarismo organizativo.
Finalmente, quando se torna mais provável o perigo de que a verdade chegue a manifestar-se, é necessário inocular os membros do WRP contra os adversários de Healy difamando-os no plano pessoal da maneira mais baixa. Para defender sua posição, não era suficiente aos stalinistas demonstrar que Trotsky estava errado politicamente. Eles tiveram que fazê-lo um agente consciente da contra-revolução e do fascismo. Da mesma forma, para Healy, é necessário que os dirigentes do SWP e da IV Internacional não sejam apresentados somente como adversários políticos, mas também como verdadeiros cúmplices da GPU e do FBI, vulgares informantes ou espiões da polícia e assim por diante…
Se bem que os dirigentes do Corqui [de Pierre Lambert e Stéephane Just, NE] não foram até o fim desta lógica infernal, foram obrigados a adotar formas iniciais do mesmo método. A mentira sistemática, a acusação a Varga ou Llora de serem agentes da CIA ou do fascismo, a afirmação que a candidatura de Krivine era uma “candidatura cripto-stalinista impulsionada pela burguesia”; o recurso, em certas ocasiões, da violência física; a supressão de toda democracia interna... tudo está nas mesmas linhas do método healynista. Eles são o produto inevitável da obstinação em querer construir uma fração-seita confundida com a construção do partido.
É bastante irônico constatar que o regime interno da organização de Healy parece efetivamente com o de uma fração. O que é absolutamente correto em um partido – o fato de aceitar uma pluralidade de opiniões políticas – é completamente inaceitável em uma fração – senão ela se tornaria um ajuntamento sem princípios. Se a organização é concebida não como um partido mas como uma fração, então é uma posição de princípio não tolerar opiniões divergentes. Uma coisa é a democracia interna do partido, outra coisa é o regime de uma fração que não é regida pelo centralismo democrático. Uma vez mais, vê-se que a consequência da confusão entre um partido e uma fração é a produção de uma seita com seu “regime” apropriado.
Para todos os trotskystas que se situam fora da IV Internacional, a tarefa que lhes toca é clara. É certo que lhes é necessário debater a cisão de 1953 – ao nível teórico e político. De nossa parte, não recusaremos, certamente. Não obstante, resta uma questão essencial e prévia que eles devem se colocar e de onde extrair todas as conclusões práticas.
No período que vai até 1953 e depois, o Secretariado Internacional e mais tarde o Secretariado Unificado da IV Internacional traíram a revolução mundial e o proletariado por atos comparáveis aos de 1914 e 1933? Se sim, então sua tarefa é clara. Continuem sua existência como organização separada e acabem, de uma vez por todas, com essas declarações sobre a existência de um “movimento trotskysta mundial”. Sua tarefa então consiste unicamente em denunciar aqueles que usurpam o nome do trotskysmo e tratar de destruir sua organização.
Caso contrário, é necessário tomar a via que seguiram as principais seções do trotskysmo mundial após 1953 e que conduziu à reunificação em 1963. Vocês têm o direito de pensar que imensos erros foram cometidos, e vocês podem pensar que estes erros continuam a ser cometidos hoje em dia. Mas, nesse caso, seu dever é de combater no seio da Internacional para corrigir estes erros. Se seu combate frusta-se e os erros do SU da IV Internacional culminam em uma traição de envergadura histórica, então é necessário romper. Evidentemente nós não compartilhamos de seu ponto de vista sobre nosso pretenso “revisionismo”.
Mas se vocês concluem que não houve traição histórica justificando uma divisão em duas Internacionais, então sua tarefa, enquanto revolucionários, é de seguir o caminho da unificação sem exclusões, e com respeito às regras de organização do partido, que regem um só partido, uma só Internacional: o centralismo democrático, da minoria que aceita submeter-se na ação às decisões da maioria, conservando uma liberdade de discussão e de crítica sem limite sobre o plano literário.
A recusa em escolher claramente entre estas duas vias, a utilização simultânea da linguagem apropriada aos inimigos contrarrevolucionários – com os quais se organiza a cisão à faca -, e da linguagem unitária à respeito dos revolucionários – com os quais procura-se construir um partido comum, não pode engendrar mais que uma impressão de hipocrisia e duplicidade que torna toda discussão construtiva difícil, senão impossível.
Em 1963, quando o Secretariado Internacional e o Comitê Internacional superaram a divisão em duas frações públicas se unindo no seio da IV Internacional, constataram que as únicas forças que se opuseram à reunificação foram os posadistas na América Latina, os lambertistas na França, e o SLL na Grã-Bretanha. Eles formularam o voto de que estes grupos readeririam mais tarde à Internacional unificada sobre bases de principio.
Dezessete anos mais tarde, o balanço de para onde conduziu a rejeição de métodos organizativos de princípio deveria estar claro. Não se trata do único elemento que explica a degenerescência de Healy em uma seita, mas é, em todo caso, o único elemento que impediu a superação da tendência à degeneração, no que concerne à Healy. Isso mostra qual o futuro dos que seguem esta lógica. O retorno do Corqui a alguns desses métodos, os mais sectários, desde que pôs fim à sua marcha de reaproximação de princípio frente à IV Internacional, substituindo-a por tentativas de cindir a IV Internacional, mostra mais uma vez a lógica da fração-seita em contradição a construção do partido.
As raízes históricas do partido, e as das frações-seitas
O partido da vanguarda proletária é produto da luta de classes real, em um triplo sentido. Seu programa é a síntese dos ensinamentos de todas as lutas da classe. Seus quadros são militantes reconhecidos como dirigentes de lutas ao menos por um setor minoritário significativo da classe operária real (da classe de assalariados). Suas iniciativas políticas influenciam – mesmo que parcialmente – a marcha real da luta de classes.
Neste sentido, a IV Internacional (como o POSDR em 1903) não é mais do que um núcleo de participantes, ainda não é um partido no sentido real do termo. Mas é justamente na fase de construção do partido que os riscos de confusão entre partido e fração-seita são maiores, e de consequências mais pesadas, porque sobre as organizações pequenas recaem com todo o peso os vícios da vida de círculos essencialmente propagandistas, com seus fenômenos concomitantes, como o que Lênin chamou, a justo título, de “histeria intelectual” – que tende a confundir divergências táticas ou conjunturais com divergências programáticas, erros de formulação e traições efetivas em lutas reais (quer dizer, atos que causam de fato derrotas desastrosas para a classe operária).
Quando um verdadeiro partido de vanguarda existe, as divergências não são menores do que quando existe somente um embrião de partido. Elas são múltiplas e inevitáveis. Só uma fração pode ser “monolítica” – e ainda assim, por pouco tempo. Mas os laços reais com a classe impõem aos militantes e aos quadros do partido uma disciplina proletária elementar que permite evitar as cisões irresponsáveis ou delimitar os efeitos a grupúsculos que se marginalizam eles mesmos do movimento real – contanto que o estrito respeito à democracia interna (direito de tendência e a não interdição de frações) crie condições indispensáveis para que cada divergência possa ser finalmente resolvida à luz da prática comum.
Na etapa do “embrião do partido” (ou nas fases de reação, quando um partido já existente se enfraqueceu consideravelmente), este saudável controle proletário, proveniente da luta de classes, se debilita – os riscos de cisões irresponsáveis se multiplicam. Os efeitos nefastos destas cisões – da de 1953 como da de 1979 – são manifestos. Eles diminuem o ritmo de acumulação de quadros e de militantes, indispensável para que o “embrião de partido” possa servir de polo de atração confiável aos trabalhadores de vanguarda. Elas debilitam a capacidade de intervenção na classe. Retardando a possibilidade de resolver as divergências pela prova da prática, diminuem o ritmo do processo de clarificação política e de enriquecimento programático.
E sobretudo: elas se passam fora do desenvolvimento real da luta de classes e não tem portanto nenhum impacto sobre a elevação da consciência de classe proletária. É particularmente necessário distinguir os métodos de organização e de comportamento de frações em um partido já largamente engajado na via da colaboração de classes reformista, no qual a democracia é severamente restringida, e aqueles que são aceitáveis em um partido revolucionário essencialmente saudável e democrático, mesmo se lhe são atribuídos graves erros políticos.
Trotsky esforçou-se para fazer essa distinção, e para explicar que as frações permanentes são uma prática absolutamente anormal e inaceitável no seio de um partido revolucionário. “Numa luta de fração contra os reformistas, os revolucionários frequentemente recorreram a medidas extremas, se bem que, em regra geral, na luta fracional, os reformistas se conduzem com mais brutalidade. Mas, nesses dois casos, para os dois campos, trata-se de se preparar para que a ruptura se produza nas condições mais vantajosas. Aqueles que transferem tais métodos de trabalho para o interior de uma organização revolucionária revelam quer sua própria imaturidade política e sua ausência de senso de responsabilidade, quer um individualismo anarquista, dissimulado mais comumente atrás de princípios sectários, quer ainda em definitivo, por serem completamente estranhos à organização revolucionária”. (26)
A luta e unidade dos bolcheviques
O elemento decisivo na construção dos bolcheviques sobre o plano organizativo não foi, como as seitas o afirmam, o método de cisões rápidas e prematuras, mas ao contrário, a luta prolongada por uma clarificação política ligada à batalha pela unidade do partido. É somente demonstrando de forma conclusiva à classe operária na Rússia, tanto que as idéias dos bolcheviques eram justas, que era necessário defendê-las no seio do partido para demonstrar a sua justeza à luz da luta de classes real, quanto demonstrando que eles lutavam pela disciplina proletária e a unidade contra os divisionistas irresponsáveis, que os bolcheviques construíram o núcleo e os quadros realmente sólidos que eles tinham na classe operária, núcleo que compreendia em 1903 algumas centenas de pessoas sustentando sua fração e que, em 1914, ganhou o apoio da maioria da classe operária russa organizada.
Se,ao contrário, Lênin agisse de 1903 a 1914 como os sectários de hoje teriam desejado, quer dizer, se ele tivesse conscientemente rompido politicamente o partido para formar sua própria fração-seita, em 1914 e em 1917, os bolcheviques não teriam disposto de um partido de massas, mas de um simples agrupamento minúsculo, na via de uma degeneração interna. Como sempre uma política de princípios é a única eficaz em todas as questões importantes.
Com efeito, é estudando a longa história da fração bolchevique que adquirimos o sentido da perspectiva histórica daquilo que Lênin chamava o “princípio do partido”, oposto ao espirito do círculo ou seita. Isso também mostra a necessidade do sentido de proporção em matéria de lutas internas e da educação contra o espírito do fracionalismo permanente. O estudo detalhado da maneira como Lênin agiu nessas batalhas oferece uma alternativa clara e positiva face aos métodos e às concepções de Healy-Just.
As origens primeiras do bolchevismo, e por consequência do leninismo, devem ser pesquisadas na época de fundação do POSDR. Se bem que o POSDR foi formalmente criado em 1898, seu primeiro congresso não deu em grande coisa – praticamente todos os participantes foram presos imediatamente e toda a organização destruída. Até o segundo congresso de 1903, o marxismo russo permanece disperso em pequenos grupos de indivíduos ou “círculos”.
A verdadeira fundação do POSDR em 1903. Embora tenha sido um enorme passo adiante, vem à luz um partido que estaria bem longe de ter as posições marxistas corretas sobre todas as questões. Lênin havia travado uma longa batalha contra Plekhanov a propósito do programa do partido, na qual ele estava bem longe de ter ganho em todos os pontos. Lênin havia batalhado, antes do congresso, com Martov, a propósito da autodefesa operária. Uma resolução oportunista sobre as relações com as forças políticas burguesas, proposta por Potresov (Starover) havia sido votada pelo próprio congresso. Finalmente, Lênin havia sido vencido por Martov sobre a famosa questão do artigo I dos estatutos do partido (27).
Apesar de todas essas divergências, Lênin insiste que todas as posições defendidas no II Congresso constituíram posições defendidas no seio do campo do proletariado e estavam então compatíveis com pertencer a um só partido. Ele afirma que as frações estão separadas.
“Simplesmente (por) nuances sobre as quais pode-se e deve-se discutir, mas pelas quais seria absurdo e pueril separar-se ( … ) a luta das nuances dentro do partido é inevitável e necessária enquanto ela não conduza à anarquia e à cisão, enquanto prossiga dentro dos limites aprovados, em comum acordo, por todos os camaradas e membros do partido. E nossa luta no Congresso contra a ala direita do partido, contra Akinov e Axelrod, contra Martynov e Martov, não saia destes limites”. (28)
Assim, os representantes de cada posição que havia emergido dentro dos grupos antes do II Congresso, estavam incluídos dentro do partido. Longe de serem excluídos do POSDR em consequência de uma ruptura provocada por Lênin, os economistas mais destacados, tais como Akinov e Martynov, foram, explicitamente, confirmados como membros do Partido novamente constituído. Lênin analisava as divergências no seio do POSOR, nessa época, como sendo os resultados inevitáveis de uma rápida expansão, afirmando, não menos explicitamente, que as atitudes que consistiram em reclamar rupturas e exclusões não eram mais do que restos de um “espírito de círculos” sectário. (29)
Lutas de fração
Sem dúvida, a fundação do partido era um grande passo adiante. Mas com ela veio também o nascimento das lutas de fração. As duas frações, dos bolcheviques e dos mencheviques, se cristalizariam em torno de disputas sobre a composição do Comitê Central e do Comitê de Redação do Iskra. Lênin foi derrotado no II Congresso sobre a questão dos estatutos do partido, mas tinha ganho a maioria nas questões da composição do Comitê Central e do Comitê de Redação. Mas enquanto ele mesmo e os bolcheviques, baseando-se sobre o princípio do partido, aceitaram a disciplina e sua derrota sobre a questão dos estatutos do partido, os mencheviques recusaram-se a aceitar a disciplina sobre a questão da composição dos órgãos dirigentes do mesmo. Começando por Martov, os mencheviques se engajaram em uma orientação de boicotes e demissões que conduziu rapidamente o Partido à beira da cisão.
Em resposta à ameaça à unidade do partido, criada pelos mencheviques, Lênin aplicou os mesmos princípios da luta contra o sectarismo de círculos. Rejeitou, em todas as circunstâncias, todo abandono da defesa das posições políticas bolcheviques. Mas, ao mesmo tempo, rejeitou também a ideia segundo a qual os acontecimentos políticos e a luta sobre as questões de organização teriam já definitivamente demonstrado a necessidade de uma cisão.
Enquanto em 1914, Lênin proclamou que o acontecimento histórico da capitulação da II Internacional frente à I Guerra Mundial havia demonstrado definitivamente que não somente o menchevismo russo, mas o menchevismo internacional, haviam se tornado inimigos do socialismo, em 1903 ele dizia, ao contrário, que nenhuma ruptura histórica deste gênero havia tido lugar. Dizia Lênin, sem nenhuma ambiguidade: “Os partidários do novo Iskra são traidores da causa proletária? Não, eles são defensores inconstantes, hesitantes, oportunistas, desta causa (e dos princípios organizativos e táticos que encarnam esta causa). Eis porquê a Social-Democracia revolucionária se opõe às suas posições.” (30)
Consequentemente, Lênin rejeita a ideia de que havia uma base de princípio para a cisão entre as duas frações: “As divergências de princípio entre Vperiod (o jornal dos bolcheviques) e o novo Iskra são essencialmente aquelas que existiram entre o velho Iskra e o Raboche Dielo (o jornal dos economistas). Consideramos estas divergências importantes, mas não as consideramos como constituindo, em si, um obstáculo ao trabalho comum no seio do mesmo partido, se nos é dada a possibilidade de defender sem restrições nossos pontos de vista, os do antigo Iskra.” (31)
Confrontado com uma situação desse gênero, sua tarefa não era a de provocar uma cisão, mas de prosseguir a luta pela unidade do partido: “Nos já temos conquistas em nosso ativo, devemos continuar a luta sem nos deixar desencorajar pelos reveses; lutar com firmeza e desprezar os procedimentos pequeno-burgueses de disputas de círculos fazendo tudo o que está ao nosso alcance para preservar o laço que une, dentro do partido, todos os socialdemocratas da Rússia, laço estabelecido ao preço de muito esforço.” (32)
De fato, longe de pregar ele mesmo uma cisão, Lênin estimava que as ações dos mencheviques revelavam claramente a diferença entre seu comportamento anarquista e a disciplina proletária dos bolcheviques. Os esforços dos bolcheviques em conduzir a luta contra os mencheviques no quadro de um partido único, culminaram na chamada pelo III Congresso do partido. Lênin o precisou da seguinte maneira: “Penso que, precisamente para esclarecer livremente os desacordos de princípio, é necessário por fim à crise; é necessário depurar a atmosfera de toda querela mesquinha, e para isso é indispensável convocar um Congresso. Não é para encerrar cedo a luta, mas para reconduzi-la a um quadro normal, que o III Congresso é necessário”. (33)
Lênin pensava que um novo Congresso, a solução alternativa à politica de boicotes e atos cisionistas dos mencheviques, era a única medida apta a salvaguardar a unidade do partido:
“Praticamente, nós vemos uma saída para a crise na convocação do III Congresso do Partido. Somente ele poderá esclarecer a situação, resolver prontamente os conflitos, reconduzir a luta ao quadro que deve ser o seu …” E mais: “Dizem-nos: o Congresso conduzirá à ruptura. Mas, por quê? Se a minoria permanecer intransigente em suas tendências anarquistas, se ela está pronta para a cisão ao invés de se submeter ao partido, quer dizer que ela já se desligou de fato… Mas nós não admitimos a possibilidade de uma ruptura. Frente à força efetiva do partido organizado, os elementos da tendência anarquista deverão e, pensamos, saberão, se inclinar”. (34)
Os mencheviques violam os estatutos
No começo de 1905, os bolcheviques ganharam o apoio da maioria dos Comitês locais do partido em favor da convocação do Congresso. Sobre a base dos estatutos do partido, os órgãos dirigentes, controlados pelos mencheviques, deveriam convocá-lo. Foi nesse preciso momento que os mencheviques decidiram violar os estatutos e se recusar a convocar o Congresso, apesar da obrigação estatutária de fazê-lo. Se tivesse havido o menor sectarismo organizativo na posição de Lênin, se ele tivesse sido o mínimo favorável à cisão, não há dúvida que no III Congresso, finalmente convocado na primavera de 1905, haveria rompido definitivamente com os mencheviques. Mas, longe de agir assim, ele se esforçou para convidar cada seção e fração do partido, incluindo os mencheviques, para participar do Congresso.
Mesmo quando os mencheviques realizaram sua própria conferência, paralelamente ao III Congresso, provocando assim uma cisão de fato, Lênin se pronunciou claramente em favor da reunificação. A única condição colocada para esta reunificação foi a aceitação do quadro organizativo e da disciplina do partido. O III Congresso realizou uma série de modificações nos estatutos do partido – notadamente garantindo explicitamente o direito da minoria em distribuir sua literatura a todos os membros do partido, aumentando o poder dos comitês locais, o que aumentava as garantias estatutárias para os mencheviques poderem defender plenamente suas posições.
Resumindo os resultados do Congresso, Lênin escrevia: “‘( … ) a despeito da ausência da minoria, o III Congresso tomou todas as medidas úteis a fim de que a minoria pudesse trabalhar com a maioria em um só partido. O III Congresso reconheceu que é errado voltar às tendências caducas e superadas do economismo que se delineava em nosso partido; mas ele garantiu também de uma forma precisa e definida, os direitos de toda minoria consagrados pelos estatutos do partido, obrigatórios para todos os membros. A minoria, daqui para diante, terá o direito absoluto, garantido pelos estatutos, de defender suas opiniões, defender suas idéias, contanto que as discussões e as divergências não se tornem causas de desorganização, não impeçam o trabalho positivo, não fragmentem nossas forças, não coloquem obstáculos à uma ação unânime contra a autocracia e os capitalistas”. (35)
Longe de completar uma cisão com os mencheviques, Lênin falava de um “inevitável retorno à unidade do partido no porvir”. (36) A obra que deveria desembocar na unidade do POSDR um ano mais tarde já fora preparada pelos bolcheviques no III Congresso. Longe de ser uma “manobra” por parte de Lênin, este restabelecimento da unidade era o ponto culminante de sua luta por um partido unido, combinada com a luta por suas convicções políticas, luta esta que ele havia levado a partir de 1903.O “inevitável retorno à unidade” pelo qual Lênin se batia em abril de 1905, foi realizado pelo IV Congresso de abril de 1906. Lênin aplaudiu esta unificação, que havia sido a base da orientação bolchevique desde 1903, como um imenso sucesso!
“Tanto no III Congresso como na Conferência, nós estabelecemos a ‘teoria cinza’ de unificação do Partido. Camaradas operários! Ajudem-nos a transformar esta teoria cinza em prática viva! Reagrupem em massa as organizações do Partido. Transformem nosso IV Congresso e II Conferência menchevique em impressionante e grandioso Congresso de Operários Socialdemocratas! Ocupem-se vocês, conosco e na prática, com a questão da unificação, questão que teve excepcionalmente, um décimo de teoria e nove décimos de prática (que seja uma dessas exceções que confirmam as regras opostas)! Na verdade, semelhante desejo é legítimo, historicamente necessário e psicologicamente compreensível… Unifiquemo-nos para fazer esta revolução”. (37)
Lênin e a unidade do partido
Lênin atacou violentamente todos que afirmavam que a unificação com os mencheviques num mesmo partido não foi mais do que uma manobra. Ele proclamou durante o próprio Congresso:
“Não é verdade que eu apoiei o camarada Vorobjev, que disse que bolcheviques e mencheviques não poderiam trabalhar em comum num só partido. Não apoio em nada uma afirmação deste gênero e não partilho de semelhante opinião.” (38) Uma vez mais, a relação dialética entre a luta de Lênin para a clarificação política e sua luta pela unidade organizativa foi posta em evidência. Ele colocava a luta política em seus termos mais agudos, mas defendia simultaneamente o mais estrito respeito à disciplina do Partido por parte dos bolcheviques, mesmo estando eles agora em minoria.
O primeiro teste real da “unidade do partido” deveria se produzir bem cedo, após o Congresso de Unificação de abril de 1906, quando o POSDR teve que tomar posição a respeito das eleições para a Duma. Os mencheviques, convencidos do papel dirigente da burguesia na revolução, pronunciaram-se a favor de um acordo eleitoral com o partido burguês dos Cadetes. Lênin afirmava a respeito: “Tolerando blocos com os Cadetes, os mencheviques nos demonstraram definitivamente sua verdadeira visão: eles são a ala oportunista do partido operário”. (39)
Mas Lênin deduziu disto que era necessário agora trabalhar para a cisão com os mencheviques? De modo algum! Ele colocava a necessidade de uma luta fracional de princípio, no decorrer da qual reclamava dos bolcheviques um estrito respeito à disciplina, mesmo quando em minoria:
“Nós levaremos a luta ideológica, a mais larga, a mais implacável e devemos ainda ampliá-la, contra os blocos com os Cadetes. Uma questão se coloca: como combinar esta luta ideológica implacável com a disciplina do partido do proletariado?… No que se refere ao princípio, nós já definimos mais de uma vez nosso ponto de vista sobre a importância da disciplina em um partido operário. Unidade na ação, liberdade de discussão e de crítica, eis nossa definição. Esta disciplina é a única digna do partido democrático da classe de vanguarda… Após a decisão dos órgãos competentes, todos nós, membros do partido, agimos como um só homem. Um bolchevique, em Odessa, deverá talvez colocar dentro da urna uma cédula portando o nome de um Cadete, apesar disso ser repugnante para um bolchevique… “. (40).
Não se poderia definir melhor os princípios de organização leninista. Lênin não encorajava em nada cisões por um sim ou não revisionista, ou sobre a base de “inevitáveis” resultados futuros de posições adotadas por tais correntes hoje. O que era necessário, a seus olhos, era combater posições manifestamente falsas no seio do partido, até o momento onde os camaradas culpados por tais erros ou os teriam corrigido – ou a lógica de suas posições os teria colocado irrevogavelmente, na ação, no campo do inimigo de classe – fora do campo do proletariado, por ocasião de acontecimentos históricos como o ocorrido em 1914. É exatamente a mesma atitude que Trotsky adotou em sua luta no Comintern entre 1923 e 1933. Isso implica numa luta prática no seio do partido, ao mesmo tempo que a aceitação de uma absoluta disciplina na ação para conservar a unidade do partido.
A politica proletária disciplinada triunfou. No V Congresso do Partido, em 1907, os bolcheviques conquistaram a maioria às custas dos mencheviques. Desde que aquilo ficou claro, os mencheviques se apressaram de novo em romper. Como antes de 1903, Lênin opõe a disciplina proletária dos bolcheviques e a aceitação, de sua parte, da unidade do partido, às atividades cisionistas dos mencheviques. As divergências sobre as eleições que eclodiram em 1905 eram o prelúdio da grande luta final entre as duas frações que iria atingir seu ponto culminante em uma verdadeira cisão dos bolcheviques e mencheviques em dois partidos separados. O pano de fundo desta luta foi o terrível período de reação na Rússia iniciado pelo golpe de estado de Stolypin em 1907: dissolução da Duma, prisão dos deputados socialdemocratas sob a acusação de “conspiração”, e introdução de uma nova lei eleitoral absolutamente reacionária. As organizações operárias foram dispersadas. Os pogroms* anti-semitas foram desencadeados, a imprensa foi abafada. Uma campanha de repressão e torturas foi posta em andamento. Uma vaga de desmoralização massiva se abateu sobre a classe operária e sobre os revolucionários.
Que atitude tomar face a esta nova situação? A questão foi inicialmente debatida no V Congresso do POSDR, em julho de 1907. Os bolcheviques gozavam então de uma maioria no partido quanto a suas posições fundamentais – análise do papel dirigente da classe operária na revolução, rejeição de todo bloco eleitoral com os Cadetes, chamamento em favor de um governo provisório revolucionário, etc. No entanto, uma divergência tática importante surgiu em suas próprias fileiras a respeito da questão da participação ou boicote nas eleições para a nova terceira Duma. O Congresso votou a favor da participação. Mas esta maioria foi o resultado de um bloco de mencheviques, do Bund judeu, dos poloneses (o partido de Rosa de Luxemburgo) de um só voto do partido Letão e de um só voto bolchevique – o de Lênin.
Após o Congresso do partido, tornou-se cada vez mais claro que a divisão entre os bolcheviques não representava uma divergência tática menor, que pudesse ter sido contida no seio de uma só fração sobre princípios, mas que ela implicava numa análise totalmente diferente da situação na Rússia e situação do Partido. Se bem que tais divergências fossem compatíveis com militância num mesmo partido, elas eram incompatíveis no seio de uma mesma fração. No curso da luta, Lênin formulou com uma precisão clássica a diferença entre um partido e uma fração:
“Entre nós, o bolchevismo está representado pela fração bolchevique do partido. Mas uma fração não é um partido. No interior de um partido pode-se encontrar toda uma gama de opiniões diversas cujos extremos podem ser contraditórios… Mas dentro de uma fração, as coisas são diferentes. Uma fração é um grupo fundado sobre a unidade de pensamento cujo objetivo primeiro é influenciar o partido em uma direção bem determinada e fazer adotar seus princípios, sob a forma mais pura, pelo partido. Para isso, uma verdadeira unidade de pensamento é indispensável. Qualquer um que queira compreender como se coloca o problema das divergências internas no seio da fração bolchevique, deve levar em conta que a unidade da fração e a do partido não relevam para nós das mesmas exigências”. (41)
O resultado foi claro. Bogdanov, partidário do boicote, foi excluído da fração bolchevique. Mas a exclusão ilustra claramente a diferença entre um partido e uma fração. Ela ilustra também o fato de que não havia mesmo, naquele momento, um partido bolchevique. Pois os bolcheviques afirmaram sem equívoco que Bogdanov continuava membro, de pleno direito, do POSDR: “Ninguém pretende atentar contra as suas responsabilidades no Partido, e elas não foram evocadas aqui. Nós fizemos uma cisão da fração, não do Partido. Nossa assembléia não é competente para decidir responsabilidades de partido”. (42)
Edificar o partido
Através de toda luta, os bolcheviques, longe de procurar dividir o partido, reclamavam que se pusesse fim a toda tentativa irresponsável desse tipo. De fato, uma das acusações lançadas contra Bogdanov foi precisamente a de que ele procura efetivamente uma cisão no partido. Lênin lembra a longa história de luta dos bolcheviques contra uma cisão desde 1903: “Não se trata de modo algum de abolir as divergências táticas que nos opõem aos mencheviques. Nós levamos e continuaremos a levar uma luta sem trégua contra os desvios dos mencheviques em relação à linha socialdemocrata revolucionária… Também não se trata, de modo algum, de dissolver a fração bolchevique dentro do partido… A fração bolchevique, enquanto corrente ideológica bem determinada existindo no interior do partido, deve continuar como no passado… enquanto defensora consequente e firme dos princípios do partido; os bolcheviques têm agora uma tarefa extremamente importante a cumprir: fazer participar da edificação do partido todos os elementos que são capazes… a salvaguarda e o reforço do POSDR, tal é a tarefa fundamental a qual tudo deve estar subordinado”. (43)
Longe de favorecer uma cisão com os mencheviques, Lênin militava em favor de um bloco com todos os mencheviques dispostos a apoiar o partido. Ele chamou os membros do partido a dar sustentação a uma “reaproximação dos elementos pró-partido, de todas as frações e de todos os grupos do Partido, e antes de tudo dos bolcheviques e mencheviques pró-partido”. (44) Esta posição foi o eixo dos bolcheviques na luta dentro do POSDR até 1912.
A luta contra os partidários do boicote foi relativamente limitada na amplitude e no tempo. Na primavera de 1908. Eles já haviam se tornado uma minoria em Moscou e Petrogrado e se desenrolava uma luta bem mais importante, contra tendências no seio dos mencheviques. Sem abandonar suas posições políticas de princípio – concernentes ao papel dirigente da burguesia no seio da revolução e ao apoio prestado à alianças eleitorais com os Cadetes – os mencheviques se dividiram sobre a questão da manutenção de um partido ilegal. Os “mencheviques pró-partido” dirigidos por Plekhanov, estavam a favor da manutenção do POSDR. Os “mencheviques liquidadores” eram por terminar com o POSDR, buscando a legalidade a qualquer preço. Confrontado com esta decisão concernente à própria existência do partido, Lênin agiu de novo aplicando sua concepção sobre a diferença entre um partido e uma fração. Ele não poderia se reaproximar politicamente com uma fração qualquer de mencheviques. Mas, organizativamente os “mencheviques pró-partido” permaneceram no seio do partido.
Contra a ameaça que os liquidadores faziam pesar sobre a própria existência do partido, Lênin milita a favor de um bloco de princípios com os primeiros: “Plekhanov nunca foi um bolchevique. Não pensamos que ele seja um bolchevique e jamais nós o consideraremos como tal. Pelo contrário, nós o consideramos um menchevique pró-partido… Pensamos que é dever de todos os bolcheviques fazer o possível para se reaproximar de semelhantes socialdemocratas”. (45)
Lênin resumiu a situação quando afirmou que o ano de 1910 foi caracterizado por um “trabalho levado em boa harmonia por mencheviques pró-partido e por bolcheviques”. (46) A tarefa dos bolcheviques e mencheviques pró-partido para reconsolidar o POSDR ilegal estava terminada em fins de 1911. Ela foi formalmente concluída pela realização do VI Congresso do PSODR, em Praga, janeiro de 1912. Por ocasião deste Congresso, não houve cisão política com os mencheviques enquanto tais, – ao contrário, como vimos, Lênin trabalhou para que este Congresso reunisse bolcheviques lado a lado com uma seção dos mencheviques. A cisão não se referia àqueles que defenderam as posições políticas do menchevismo mas àqueles que se recusaram a aceitar a existência ilegal do POSDR.
As conclusões de Trotsky
Se bem que as condições de construção de partidos revolucionários tenham mudado consideravelmente após a revolução russa de 1917, o estudo da historia do bolchevismo não diminui sua importância como laboratório clássico desta construção, de onde todas as tendências tentaram tirar conclusões desde então. A questão de se saber se o bolchevismo apareceu enquanto partido desde 1903 por ocasião do II Congresso do POSDR – ou se, ao contrário, ele era uma fração dentro do POSDR até 1912, ocupa um papel importante na luta entre Trotsky e a burocracia stalinista ascendente.
Para poder levar sua campanha contra o “trotskysmo”, a burocracia devia apresentar Trotsky como o adversário mais resoluto de Lênin. Além de publicar inúmeras vezes as criticas feitas por Lênin a Trotsky antes de 1917, a burocracia inventou o mito de que após 1903, Lênin e Trotsky não somente haviam sido membros de diferentes frações, mas membros de dois partidos diferentes. Partindo das deformações já contidas na História do Partido Bolchevique, de Zinoviev, até as falsificações delirantes da História do PCUS, de Stalin, foi repetido o mito de que os bolcheviques constituíam-se em partido à parte desde 1903. Para criar este mito, toda a história do bolchevismo teve que ser deformada e falsificada na campanha contra Trotsky. É paradoxal e triste constatar que autodenominados “trotskystas” sectários, baseiem hoje seus argumentos nestas mesmas fontes antitrotskystas da burocracia soviética.
Quanto a Trotsky, ele se apoiou, igualmente, sobre o estudo da história do bolchevismo com um duplo objetivo. Em primeiro lugar, para desmascarar as falsificações stalinistas da História, notadamente na Revolução Traída e em seu testemunho frente à Comissão Dewey. Em segundo lugar, o mais importante, ele utiliza a experiência do bolchevismo a fim de determinar sua própria posição no curso da luta contra o stalinismo no seio da Internacional Comunista e depois na construção da IV Internacional. Adotou inteiramente a posição de Lênin, de combinar a luta intransigente por suas posições políticas com o combate pela unidade da Internacional, enquanto esta não tivesse passado definitivamente para posições hostis ao proletariado, em acontecimentos de amplitude histórica comparáveis ao 4 de agosto de 1914.
O documento adotado por ocasião da primeira Conferência da Oposição de Esquerda Internacional afirma: “A Oposição de Esquerda Internacional se considera como fração da Internacional Comunista, como suas diversas seções se consideram frações dos PCs nacionais. Isso significa que a Oposição de Esquerda não considera como definitivo o regime organizativo criado pela burocracia stalinista… Que uma tal política seja a única justa nas condições atuais, é confirmado tanto pela análise teórica como pela experiência histórica”. “Se bem que as condições particulares da Rússia tenham levado o bolchevismo à ruptura definitivamente com os mencheviques, em 1912, o Partido bolchevique continuou a fazer parte da II Internacional até o fim de 1914. Foi necessária a lição da I Guerra Mundial para colocar a questão de uma nova Internacional, foi necessária a Revolução de Outubro para construir esta nova Internacional”.
“Uma catástrofe histórica tal como o esmagamento do Estado Soviético carregaria evidentemente com ela a Internacional. Igualmente, a vitória do fascismo na Alemanha e o esmagamento do proletariado alemão dificilmente permitiriam que a Internacional Comunista sobrevivesse aos resultados de sua política desastrosa. Mas quem, dentro do campo da revolução, ousa afirmar atualmente que não se pode evitar nem prevenir o desmoronamento do poder soviético ou a vitória… Permanecendo sobre o terreno da Revolução de Outubro e da III Internacional, a Oposição de Esquerda rejeita a idéia de partidos comunistas paralelos”. (47)
Quando, em 1933, a Internacional Comunista traiu efetivamente a causa do proletariado alemão e internacional, Trotsky, de novo seguindo o exemplo de Lênin, desta vez o de 1914, se pronunciou a favor de uma ruptura definitiva com o Comintern e da formação de uma nova Internacional. O método que ele utilizou para, ao mesmo tempo, rejeitar a ruptura com a Internacional Comunista antes de semelhante traição, e se pronunciar firmemente a favor de uma tal ruptura depois que tal traição tenha se produzido, demonstra até que ponto ele havia assimilado completamente as lições históricas do bolchevismo. Nós defendemos hoje os mesmos princípios de organização.
É sem dúvida impossível ampliar mecanicamente as posições e conclusões de uma situação histórica em outra. Mas, a análise histórica traz, contudo, um dos elementos essenciais da matéria prima sobre a qual se fundam a teoria e a prática revolucionárias. A análise concreta de uma situação concreta se efetua com ajuda de conceitos que se forjam, em grande parte, à luz da experiência histórica. Demonstrar que as divergências que separam hoje os revolucionários são qualitativamente inferiores àqueles que Lênin e Trotsky consideraram como compatíveis em um único partido, significa que as divisões organizativas que se fundam ou que são justificadas por tais divergências não refletem uma “firmeza teórica bolchevique” qualquer, mas ao contrário, uma fraqueza organizativa sectária. O estudo da história do bolchevismo é parte integrante da luta para que os revolucionários superem seu sectarismo organizativo infantil e coloquem sua prática em conformidade com a realidade política da luta de classe e da teoria marxista.
Notas:
(26) Leon Trotsky – As frações e a IV Internacional… in Oeuvres, tome 6, pg. 271.
(27) Lênin – Collected Works, vol. 6, pg 177
(28) Lênin – Collected Works, vol. 7, pg 320.
(29) Lênin afirma: “O crescimento e a extensão do movimento revolucionário, sua penetração em profundezas cada vez maiores no seio das diversas classes e camadas sociais, fazem necessário o nascimento incessante (e isto é o melhor) de novas tendências e nuances (Oeuvres, tome 8, p. 161). A compreensão do fato de que as tendências e frações não são necessariamente representantes de classes distintas do proletariado foi sublinhada por Trotsky: “O surgimento de frações é inevitável mesmo no partido mais maduro e harmônico, a partir do momento em que ele estende sua influência a novas camadas; devido ao aparecimento de novas questões; às viradas bruscas que se produzem na situação; à que a direção possa cometer erros, etc. etc” (Leon Trotsky – Trotskysmo e o PSOP” in Writings of Leon Trotsky 1938/39, 1ª ed. pg 129).
Lênin constata em uma passagem, de maneira mais geral: “….que a tendência ao sectarismo organizativo, à realização de cisões precipitadas e irresponsáveis, é o produto evidente do “espirito de círculos”. As tradições do espírito de círculos nos legou cisões extraordinariamente fáceis e uma aplicação extraordinariamente zelosa desta regra”.
(25A) SSL/WRP: Socialist Labour League, depois Workers Revolutionary Party, organizações conduziadas por Healy.
(25) Leon Trotsky, Nós necessitamos de um honesto acordo partidário interno.
(26) Leon Trotsky – As frações e a IV Internacional… in Oeuvres, tome 6, pg. 271.
(27) Lênin – Collected Works, vol. 6, pg 177
(28) Lênin – Collected Works, vol. 7, pg 320.
(29) Lênin afirma: "O crescimento e a extensão do movimento revolucionário, sua penetração em profundezas cada vez maiores no seio das diversas classes e camadas sociais, fazem necessário o nascimento incessante (e isto é o melhor) de novas tendências e nuances (Oeuvres, tome 8, p. 161). A compreensão do fato de que as tendências e frações não são necessariamente representantes de classes distintas do proletariado foi sublinhada por Trotsky: “0 surgimento de frações é inevitável mesmo no partido mais maduro e harmônico, a partir do momento em que ele estende sua influência a novas camadas; devido ao aparecimento de novas questões; às viradas bruscas que se produzem na situação; à que a direção possa cometer erros, etc. etc” (Leon Trotsky,Trotskysmo e o PSOP” in Writings of Leon Trotsky,1938/39, 1ª ed. pg 129).
Lênin constata em uma passagem, de maneira mais geral: “….que a tendência ao sectarismo organizativo, à realização de cisões precipitadas e irresponsáveis, é o produto evidente do “espirito de círculos”. As tradições do espírito de círculos nos legou cisões extraordinariamente fáceis e uma aplicação extraordinariamente zelosa desta regra”.
(30) Lênin, Oeuvres, t. 8 p.
(31) Lênin, Oeuvres, t. 8, p. 127.
(32) Lênin, Oeuvres, t. 7, p. 434.
(33) Lênin, Oeuvres, t. 7, p. 185.
(34) Lênin, Oeuvres, t. 7, p. 477.
(35) Lênin, Oeuvres, t. 8, p. 439/40.
(36) Lênin, Oeuvres, t. 8, p. 447.
(*) Perseguições abertas contra os judeus na Rússia.
(37) Lênin, Werke, Band 10, p. 23 (nossa própria tradução).
(38) Lênin, Werke, Band 10, p. 310.
(39) Lênin, Oeuvres, t. 11 – p. 329.
(40) Lênin, Oeuvres, t. 11 – pp. 329/30, 332/3.
(41) Lênin, Oeuvres, t. 15 – pp. 460.
(42) Lênin, Oeuvres, t. 41 – p.420.
(43) I.ênin, Oeuvres, t. 15 – p. 464, 466.
(44) Lênin, Obras, t. 16, p. 102.
(45) Lênin, Obras, t. 16, p. 272.
(46) Lênin, Obras, t. 17, p. 29.
(47) Os Congressos da IV Internacional – O Nascimento da IV Internacional 1930/1940 – pp. 63-64, Paris, Editions Le Brèche, 1978.
aqui.