José Luís Fiori, A terra é redonda, 19 de julho de 2021
Foi logo depois da conquista da Flórida, em 1819. Os Estados Unidos só tinham 40 anos de idade, e seu território não ia além do Rio Mississipi. James Monroe era o presidente dos Estados Unidos, mas foi seu secretário de Estado, John Quincy Adams, quem falou pela primeira vez da atração norte-americana por Cuba. Quando disse, numa reunião ministerial do governo Monroe, que “existem leis na vida política que são iguais às da física gravitacional: por isso, se uma maçã for cortada de sua árvore nativa – pela tempestade – não terá outra escolha senão cair no chão; da mesma forma que Cuba, quando se separar da Espanha, não terá outra alternativa senão gravitar na direção da União Norte-Americana. E por esta mesma lei da natureza, os americanos não poderão afastá-la do seu peito”[1]. Naquele momento, o desejo de Quincy Adams ainda não era conquistar a ilha, era preservá-la, e por isso deu ordem ao seu embaixador em Madrid que comunicasse ao governo espanhol a “repugnância americana à qualquer tipo de transferência de Cuba para as mãos de outra potência”.
Em 1819, a capacidade americana de projetar seu poder para fora de suas fronteiras nacionais, ainda era muito pequena, mas a declaração de Quincy Adams explicitou um desejo e antecipou um projeto, que se realizaria plenamente, a partir de 1890. Logo no início da década, o almirante Alfred Thayer Mahan, publicou um livro clássico[2], que exerceu imensa influência sobre a elite dirigente norte-americana. Sobre a importância do poder naval, e das ilhas do Caribe e do Pacífico, para o controle dos oceanos e a expansão das grandes potências. Logo em seguida, os Estados Unidos anexaram o Hawaii, em 1897, e venceram a Guerra Hispano-Americana, em 1898, conquistando Cuba, Filipinas e algumas outras ilhas caribenhas, nas quais estabeleceram um sistema de “protetorados”, como forma de governo compartido daqueles territórios. Logo depois da sua vitória contra a Espanha, o presidente William McKinley repetiu, frente ao Congresso americano, em dezembro de 1898, a velha tese de Quincy Adams: “A nova Cuba precisa estar ligada a nós americanos, por laços de particular intimidade e força, para assegurar de forma duradoura o seu bem estar”[3].
E foi isto que aconteceu: os cubanos aprovaram sua primeira Constituição independente, em 1902, mas tiveram que anexar ao seu texto, uma lei aprovada pelo Congresso estadunidense e imposta aos cubanos, em 1901 – The Platt Amendement – que definia os limites e as condições de exercício da independência pelos islenhos. Os Estados Unidos mantinham sob seu controle a política externa e a política econômica de Cuba, e ficava assegurado o direito de intervenção dos norte-americanos na ilha, em “caso de ameaça à vida, a propriedade e à liberdade individual dos cubanos”[4] Em 1934, a Emenda Platt foi abolida, e foi substituída por um novo tratado entre os dois países, que assegurou o controle americano da Base Naval de Guantánamo e garantiu a tutela dos Estados Unidos sobre o longo período de poder de Fulgêncio Batista, que assumiu o governo de Cuba, em 1933, a bordo de um cruzador norte-americano, e depois governou Cuba, de forma direta ou indireta, até 1959.
Depois da Revolução Cubana de 1959, entretanto, a ilha deixou de ser a “maçã” de Quincy Adams, sem deixar de ser o “objeto do desejo” dos norte-americanos. O novo governo revolucionário assumiu o comando da sua economia e da sua política externa, e provocou a reação imediata e violenta dos Estados Unidos. Primeiro foi o “embargo econômico”, imposto pela administração Eisenhower, em 1960, e logo depois, a ruptura das relações diplomáticas, em 1961. Em seguida, foi a administração Kennedy, que promoveu e apoiou a frustrada invasão da Bahia dos Porcos, a expulsão cubana da Organização dos Estados Americanos (OEA), e vários atentados contra dirigentes cubanos. No início, os Estados Unidos justificaram sua reação, como defesa das propriedades norte-americanas expropriadas pelo governo cubano em 1960, e como contenção da ameaça comunista, situada a 145 quilômetros do seu território. Mas depois de 1991, e do fim da URSS e da Guerra Fria, os Estados Unidos mantiveram e ampliaram sua ofensiva contra Cuba, só que agora em nome da democracia, apesar de que mantêm relações amistosas com o Vietnã e a China. No auge da crise econômica provocada pelo fim de suas relações preferenciais com a economia soviética, entre 1989 e 1993, os governos de George Bush e Bill Clinton tentaram um xeque-mate contra Cuba, proibindo as empresas transacionais norte-americanas, instaladas no exterior, de negociarem com os cubanos, e depois impondo penalidades às empresas estrangeiras que tivessem negócios com a ilha, através da Lei Helms-Burton, de 1996.
Esta atração precoce e obsessão permanente dos Estados Unidos não autorizam grandes ilusões, neste momento, de mudanças nos dois países. Do ponto de vista americano, Cuba lhes pertence, e está incluída na sua “zona de segurança”. Além disso, aos seus olhos, a posição soberana dos cubanos transforma a ilha num aliado potencial dos países que se propõem exercer influência no continente americano, de forma competitiva com os Estados Unidos. Por fim, Cuba já se transformou num símbolo de resistência que é intolerável por si mesmo, para os seus vizinhos norte-americanos. Por isto, o objetivo principal dos Estados Unidos, em qualquer negociação futura, será sempre o de fragilizar e destruir o núcleo duro do poder cubano.
Por sua vez, Cuba não tem como abrir mão do poder que acumulou a partir de sua posição defensiva, e de sua resistência vitoriosa. A hipótese de uma “saída chinesa” para Cuba, é improvável, porque se trata de um país pequeno, com baixa densidade demográfica, e com uma economia que não dispõe da massa crítica indispensável para uma relação complementar e competitiva, com os norte-americanos. Por isso, apesar da mobilização internacional a favor de mudanças nas relações entre os dois países, o mais provável é que os Estados Unidos mantenham sua obsessão de punir e enquadrar Cuba; e que Cuba se mantenha na defensiva e lutando contra a lei da “gravidade caribenha”, formulada por John Quincy Adams, em 1819.
José Luís Fiori é professor do Programa de Pós-graduação em Economia Política Internacional da UFRJ. Autor, entre outros livros, de O Poder global e a nova geopolítica das nações (Boitempo).
Originalmente publicado no jornal Valor Econômico em fevereiro de 2008.
Notas
[1] W.C. Ford (ed), The Writings of John Quincy Adams. Mac Millan, New York , vol VII, P: 372-373.
[2] Mahan, A.T. The Influence of Sea Power upon History 1660-1873, Dover Publication, New York(1890/1987).
[3] Pratt, J. A (1955) History of United States Foreign Policy. The University of Buffalo, p:414.
[4] Idem, p: 415.