A emergência climática clama por uma rápida negociação, na qual é vital a advertência de Boff: enquanto houver pobres, especialmente na medida em que seu número aumenta, mais é necessária uma teologia da libertação
John Saxe-Fernández, La Jornada, 22 de abril de 2021. A tradução é do Cepat.
Toda filosofia, ciência social ou teologia da libertação requerem, como disse Leonardo Boff, um diálogo profundo com a nova visão do mundo, das ciências da vida, da Terra, do cosmos. Foi como se manifestou em uma esclarecedora entrevista com Annachiara Sacchi, do Corriere della Sera. A reflexão de Boff é de alta relevância. Chegou até nós quando a ONU entregou ao público mundial um relatório sobre o clima em 2020, detectado por seus especialistas, pela comunidade científica e por uma crescente população atingida e expulsa por fortes furacões e imensos incêndios florestais na América Central e na Califórnia. São catástrofes cada vez mais intensas, frequentes e mortais à biosfera e a humanidade.
Junto com a covid-19, mal administrada por supremacistas brancos, Trump e Jair Bolsonaro, abundam as críticas por ser inadmissível a inação climática dos Estados diante dos riscos existenciais de enorme proporção. Um fenômeno nefasto vinculado a pressões dos grandes interesses fáticos, também promotores do negacionismo climático e da postergação a qualquer regulamentação e contenção das emissões de gases do efeito estufa (GEE), dióxido de carbono e metano.
No orbe, existem mais de 1,5 bilhões de motores de combustão interna entre automóveis, caminhões, navios, aviação civil e militar, massacres, guerras e sanções econômicas ilegais realizadas pelos Estados Unidos contra o Iraque, Cuba, Venezuela, Irã, Afeganistão, Líbia, Síria, etc. Em meio a esta arruaça, enfrentamos um Colapso Climático Capitalogênico (CCC). Não é assunto para neomalthusianos. A população não é o problema. É o capitalismo realmente existente.
Abastecer este grande parque veicular, terrestre, marítimo, aéreo, civil e militar é o negócio e o Pentágono lidera no consumo de combustíveis fósseis.
No relatório da ONU sobre o clima em 2020 e em outros estudos, adverte-se que “foi um dos três anos mais quentes já registrados, marcado por incêndios florestais, secas, inundações e derretimento de geleiras da Groenlândia, Ártico e Antártida, o que levou António Guterres, secretário-geral da ONU, a alertar que o mundo está à beira do abismo. Ninguém o qualificaria de alarmista, como outrora, dada a dimensão catastrófica de eventos que anunciam mudanças abruptas e irreversíveis.
A emergência climática clama por uma rápida negociação, na qual é vital a advertência de Boff: enquanto houver pobres, especialmente na medida em que seu número aumenta, mais é necessária uma teologia da libertação. Marx nunca foi o pai ou padrinho da teologia da libertação.
A observação merece atenção pelo abissal aumento da pobreza mundial frente à pandemia e, além disso, pelo aumento da dívida global da covid-19, acentuando em ambos os casos a pobreza, a desigualdade e o caráter de classe do CCC.
Em uma amostra do Instituto Internacional de Finanças de 61 países, a covid-19 acrescentou 24 trilhões de dólares à dívida mundial (Nos Estados Unidos, seria de 24 trilhões, um valor imenso, um pouco superior ao seu PIB), chegando a dívida aos 281 trilhões. Dado o peso do ultraliberalismo, contemplam-se aumentos colossais e brutais na desigualdade, tanto na renda por pessoa, como em emissões de GEE.
No caso da negociação planetária sobre as emissões de carbono, a abordagem de Boff sobre a pobreza diz respeito a qualquer tratado vinculante sobre o clima que, diz a Oxfam (2015): “[...] deve antepor os interesses das pessoas mais pobres, vulneráveis e que geram menos emissões de carbono”. Seus dados: a metade mais pobre da população mundial gera apenas cerca de 10% das emissões em nível mundial e, no entanto, sua maioria vive nos países mais vulneráveis à mudança climática, ao passo que os 10% mais ricos da população são responsáveis por cerca de 50% das emissões globais. Além disso, a pegada média de carbono de uma pessoa que faz parte do 1% da população mundial mais rica pode ser até 175 vezes superior à de alguém que esteja nos 10% mais pobres.
Quando foi perguntado a Boff se era otimista, respondeu: “Na verdade, estou preocupado. A situação no Brasil é trágica: o ultraliberalismo de Jair Bolsonaro, a extrema direita política que faz apologia à violência e aos regimes ditatoriais, que exalta os torturadores como heróis nacionais... Nunca vivemos nada semelhante”.
Qual é a explicação? Respondeu que “por trás disso, está o projeto de recolonizar a América Latina e a obrigar a ser somente exportadora de commodities (carne, alimentos, minerais...). Nessa estratégia perversa, o Brasil é central”.
Por quê? Porque é um país riquíssimo, uma reserva de bens naturais que faltam no mundo. Como disse várias vezes o prêmio Nobel Joseph Stiglitz, nos próximos anos, toda a economia dependerá da ecologia. E o Brasil terá um papel primordial nesse jogo.
John Saxe-Fernández é coordenador do Programa O Mundo no Século XXI, do Centro de Pesquisas Interdisciplinares em Ciências e Humanidades, da Universidade Nacional Autônoma do México.