STF julga o “marco temporal” ruralista, que ameaça os territórios ancestrais. Momento é decisivo para o futuro das demarcações de terras. Representantes de povos originários de todo o país estão na capital para pressionar Corte – e evitar tragédia.
Instituto Socioambiental (ISA), 18 de junho de 2021
Um governo que é mais perigoso que a Covid-19. Pelo menos para os povos indígenas do Brasil que, desde o início da gestão de Bolsonaro, têm enfrentado ataques constantes a seus territórios e suas vidas. Com a pandemia e a mudança nas cúpulas do Congresso no início do ano, agora alinhadas com o governo, o cenário só piorou e delegações de todo o país decidiram ir à Brasília para exigir que seus direitos sejam respeitados. Desde o começo da semana, indígenas se concentram na capital federal. As delegações estão vacinadas e respeitando os protocolos sanitários. A estimativa é que hoje estejam na capital 850 pessoas, de 43 povos diferentes, de todas as regiões do país.
A mobilização tem dois alvos principais: um deles é retirar da pauta o PL 490/2007, que está tramitando na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara Federal. O Projeto permite medidas inconstitucionais, como inviabilizar as demarcações, anular terras indígenas, e escancarar esses territórios para empreendimentos predatórios. Na última sessão da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, a deputada Joênia Wapichana (Rede-RR) pediu vistas do projeto, cuja votação deve ser retomada na próxima quarta-feira.
Outro ponto importante da pauta da mobilização é a retomada do julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) que pode definir o destino das demarcações de terras indígenas em todo o Brasil. Dessa vez, quem pediu vistas foi o ministro Alexandre de Moraes. Os indígenas querem que o julgamento seja retomado e que os ministros rejeitem a tese do Marco Temporal, que diz que apenas os povos que estavam em suas terras em 1988 têm direito aos seus territórios originários, ignorando séculos de perseguições e expulsões que obrigaram os povos indígenas a viverem marginalizados, distantes dos seus territórios originais. Entenda mais aqui e aqui.
Estão em Brasília representantes dos povos Avá Guarani, Canoe, Cinta Larga, Guajajára, Guarani Mbya, Guarani Nhandeva, Imboré, Juruna, Kaingang, Kamakã, Karipuna, karitiana, Kayapó, Krenak, Macurap, Macuxi, Matupi , Munduruku, Paiter suruí, Panará, Pankará, Pataxó , Pataxó Hã-Hã-Hãe, Sarapá, Tapajó, Terena, Tiriyó, Tukano, Tupari, Tupi Guarani, Tupinambá, Tuxá, Uru eu wau wau, Wapichana, Xarrui, Xokleng e Yanomami.
Na segunda-feira, eles marcharam em direção ao STF, pedindo a retomada do julgamento do STF. E na quarta-feira, os indígenas foram até a sede da Funai. Ali, foram recebidos por bombas de gás de pimenta e gás lacrimogêneo. Um símbolo do que o órgão se transformou nos últimos anos. De noite, os indígenas, ainda mobilizados em frente ao órgão, pediram forças aos ancestrais na luta contra o genocídios dos povos indígenas.
Em frente a Funai, indígenas pediram forças aos ancestrais na luta contra o genocídios dos povos indígenas
Outro ponto importante foi a Audiência Pública na Câmara para discutir a ameaça da mineração e do garimpo no território dos Kayapó na última terça-feira. Mais de 100 lideranças Kayapó participaram da audiência, que discutiu as ameaças trazidas pela Instrução Normativa 01/2021 conjunta da Funai e Ibama, que dispõe sobre o licenciamento ambiental de empreendimentos em Terras Indígenas. E ainda o PL 191/2020, que regulamenta a mineração em Terras Indígenas e está numa lista de 35 prioridades do governo federal enviadas ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira.
“Como o governo quer acabar com nossos direitos, estamos aqui para defender e para não deixar. Para defender o nosso futuro e as novas gerações,” resumiu Doto Takak-Ire, Relações Públicas do Instituto Kabu.
Parentes que não puderam ir à Brasília apoiaram a mobilização de suas aldeias. Foi o caso dos Panará, que fizeram vídeos e fotos com cartazes contrários aos projetos em tramitação:
Parentes que não puderam ir à Brasília apoiaram a mobilização de suas aldeias. Foi o caso dos Panará e dos Ikpeng, que fizeram vídeos e fotos com cartazes contrários aos projetos em tramitação:
Cobertura dos comunicadores indígenas
A cobertura da mobilização está sendo feita em tempo real por vários comunicadores indígenas. Nos canais da APIB, Coiab, Mídia Índia, entre outros, é possível acompanhar os protestos, reuniões e audiências por meio de transmissões ao vivo, fotos e vídeos.
Os Xinguanos também estão presentes e, com eles, a Rede de Comunicadores do Xingu. Quatro comunicadores da rede estão em Brasília: Yre Karopi, Oe Paiakan, Mitã Xipaya e Bemok Txucarramae. Nesta quarta-feira (16/6), eles lançaram o primeiro episódio do Podcast Comunicadores da Rede Xingu+, com informações sobre os riscos do PL 490 e relatos do que aconteceu na terça-feira (ouça aqui o áudio informativo).
Os conteúdos são feitos em parceria: os comunicadores em Brasília enviam o material para finalização para os parceiros que estão nas aldeias, que editam, finalizam e distribuem em suas comunidades.
O primeiro episódio contou com a produção e locução de Pho Yre Karopi, Kokoyamaratxi Renan Suya, Mitã Xipaya e Kujaesãge Kaiabi, edição e mixagem de Kokoyamaratxi Renan Suya e roteirização de Kamikia Kisedje. A foto do card é de Bemok Txucarramae. O áudio foi publicado no soundcloud da Rede Xingu+ e distribuído via WhatsApp pela linha de transmissão do Xingu+.
“É muito bom a gente se informar através dos comunicadores que estão lá do lado das lideranças mandando notícias pras bases! Os comunicadores indígenas e ribeirinhos da Rede Xingu+ são os nossos olhos e ouvidos. A gente conta muito com a cobertura das comunicadores da Rede Xingu+ que estão em Brasília nesse momento”, conta Kamikia Kisedje, articulador da Rede de Comunicadores Xingu+ e comunicador do povo Kisedje.
É por meio de áudios, fotos, vídeos e informações compartilhadas pelos comunicadores da Rede Xingu+ que os comunicadores que estão em suas aldeias e Resex ficam sabendo o que está acontecendo na mobilização indígena, como relata Kamikia: “a gente não está lá presente, mas com todos os materiais que os comunicadores compartilham no grupo de WhatsApp a gente acompanha o que está acontecendo, como as marchas, audiências e reuniões”.
A comunicadora e cineasta Kujaesãge Kaibi, do povo Kawaiwete, está na aldeia Guarujá, no Leste Xingu, e segue engajada na produção de materiais informativos para os parentes Kawaiwete sobre a mobilização Levante pela Terra, compartilhando as informações enviadas pelos comunicadores da Rede Xingu+ que estão em Brasília. É pela radiofonia que a comunicadora leva o primeiro episódio do podcast da Rede de Comunicadores Xingu+ para as comunidades Kawaiete do TIX.
“Criamos esse grupo para fortalecer o nosso trabalho na comunicação e passar informação para as aldeias. Estamos nos reunindo online agora neste momento da pandemia, nos organizando somente através da internet. Estamos mobilizados, cada um na sua aldeia, mas estamos juntos na produção e envio de informações importantes para a proteção dos nossos territórios”.
Acesse o soundcloud da Rede Xingu+ para conferir a cobertura dos Comunicadores do Xingu+ sobre a mobilização nacional indígena Levante pela Terra.