O presidente mexicano atribui as críticas a uma “campanha de difamação” enquanto cresce a rejeição à cerca em volta do Palácio Nacional, coberta com nomes de vítimas de feminicídio.
Francesco Manetto, El País Brasil, 8 de março de 2021
“Por ocasião do novo aniversário do Dia da Mulher, toda uma campanha de difamação foi desencadeada contra o Governo e contra mim”, afirmou López Obrador em um vídeo em que tenta igualar todos os seus oponentes, sem meios termos. Em primeiro lugar, ele se refere à direita. “Está muito ofuscada, incomodada, irritada, e se tornam ambientalistas ou feministas ... o objetivo é atacar o Governo”, disse. O presidente insiste em que a cerca não foi colocada “por medo das mulheres”, mas “por precaução”. “As forças conservadoras são muito retrógradas, muito autoritárias, infiltram gente para provocar violência, para prejudicar. Imaginem, permitir que vandalizem o Palácio Nacional, porque é isso que querem, um escândalo, uma grande notícia nacional e internacional”, declarou.
Em segundo lugar, o presidente reitera que as forças de segurança garantirão o protesto pacífico e em nenhum caso reprimirão as manifestações. “É melhor colocar uma cerca do que pôr a tropa de choque diante das mulheres que vão protestar, como faziam antes. [...] Podem até chegar a insultar a autoridade, isso é permitido.” E em terceiro lugar, ele recorre a uma grande generalização quando se refere àqueles que chama de “os provocadores”. “São muito autoritários os conservadores, e eu vou dizer, fascistoides. É Hitler, é Franco, é Pinochet. É assim que pensam... E o que isso tem a ver com o feminismo? Pelo contrário, isso é o oposto do movimento feminista”, continuou.
Depois de mencionar três ditadores e se referir aos regimes nazistas e fascistas em um discurso sobre o feminismo, López Obrador enfatiza: “E também que fique claro: eu não sou machista, sou a favor do direito das mulheres, sou a favor da igualdade, sempre fui”. Lembrou que pela primeira vez, em seu mandato de seis anos, há uma secretária de Governo e uma secretária de Segurança Pública. E se atribui o mérito de a paridade nas instituições ter melhorado — “é por causa da nossa luta” — e insiste: “Eu sou um humanista e não sou contra o feminismo. Sou contra a corrupção, a manipulação, sou contra o autoritarismo, a hipocrisia. E agora os conservadores viraram feministas? É o cúmulo”.
Na realidade, o profundo desconforto com essa atitude também se espalhou nas fileiras do partido Morena. O escândalo Salgado Macedonio, que marcou o início da campanha para as eleições federais e legislativas de 6 de junho, alimentou o protesto, mais ou menos indireto, de dirigentes partidários. O político, porém, tem recebido respaldo contundente do presidente e da máquina da legenda. Uma comissão partidária de avaliação dos quesitos legais obrigou à repetição da pesquisa que determinará o candidato e o resultado ainda não foi divulgado, apesar de Salgado Macedonio já estar inscrito na autoridade eleitoral do Estado de Guerrero.
Os nomes das vítimas inscritos na cerca do Palácio Nacional são apenas uma pequena amostra de uma violência estrutural esquecida. No México ocorrem mais de 3.000 assassinatos sexistas todos os anos, de acordo com dados oficiais, e 99% dos crimes de violência sexual permanecem impunes. Uma pesquisa da SIMO Consulting divulgada neste domingo por EL PAÍS indica que 68% das mexicanas acham que a violência de gênero cresceu muito no último ano, enquanto 62% consideram que o comportamento do presidente em relação aos movimentos feministas é inadequado. Em termos gerais, porém, López Obrador mantém uma aceitação popular que chega a 65%, segundo levantamento da SIMO Consulting para EL PAÍS.