Os resultados da Alphabet reduziram-se em 13% em 10 anos, os da Apple em 10% desde o seu auge, em 2012. O risco é que o mercado. Todas as empresas tentam crescer em todas as direções.
Francisco Louçã, Esquerda.net, 13 de março de 2021
Tirem o espião do meu computador
O pretexto imediato para a guerra é a decisão da Apple de perguntar aos utilizadores do iPhone se aceitam que as aplicações descarregadas registem os seus dados, o que atinge as que usavam essa técnica para vender publicidade personalizada. É a guerra pela privacidade, precisamente quando a mudança das regras do WhatsApp suscitou uma tempestade de críticas quanto à sua partilha de informação pessoal, levando muitos utilizadores a migrarem para outras redes. A resposta de Zuckerberg tem sido que a mineração de dados é importante para as empresas gerarem publicidade dirigida e que os pequenos negócios seriam prejudicados se os clientes barrarem a sua intrusão (98% das receitas do Facebook são de publicidade). A questão revela tanto como se banalizou a captação de dados pessoais quanto a estratégia empresarial baseada na manipulação dos consumidores, mas a posição do Facebook, dono do WhatsApp, contraria a cultura de muitos internautas. Sabendo que um terço do mundo está nesta rede social, percebe-se a dimensão da disputa.
A Apple também não tem um passado virtuoso neste domínio: foi um dos precursores desse método em 2000, com os unique device identifiers, que seguiam os utilizadores em qualquer iPhone ou iPad, só os tendo banido em 2012, e o seu motor de busca, Safari, só há quatro anos é que deixou de rastrear os passos dos seus utilizadores. Talvez se diga que mais vale tarde do que nunca.
Em guerra não se limpam as espingardas
Um artigo recente da “Economist” analisa o que está por detrás desta tensão entre estes gigantes, sugerindo que a sua motivação seria menos o cuidado pelos direitos dos usuários do que o controle do mercado. É o caso da disputa entre as duas empresas que dominam a Ásia, a Alibaba e a Tencent, mas é ainda mais evidente no caso dos cinco gigantes ocidentais, Alphabet (Google), Apple, Microsoft, Amazon e Facebook, cujo valor na Bolsa é de 7,6 triliões de dólares e que são os principais pilares da euforia especulativa: uma destas empresas pode hoje valer 82 vezes o total dos seus resultados anuais, aliás inflacionados pela pandemia. O problema é que 40% dos negócios destas empresas são realizados em competição direta com os outros gigantes, o dobro do que ocorria em 2015.
Por isso tiraram as luvas e procuram ganhar nas atividades dominadas pelos concorrentes. A Amazon está a crescer em publicidade online, que era o domínio do Facebook e da Alphabet (80% das suas vendas), a Microsoft e a Alphabet aumentam a sua quota em serviços de nuvem, que era o exclusivo da Amazon, que, por sua vez, começa a ter nas vendas online a concorrência da Walmart, a maior empresa de distribuição do mundo. Entretanto, a Microsoft tem tentado comprar duas redes sociais, a Tik Tok (partilha de vídeos) e a Pinterest (fotos), e a Huawei quer criar um novo sistema operativo para não depender da Google. Todas as empresas tentam crescer em todas as direções.
Monopólios de pés de barro
Há duas razões para estas estratégias agressivas. A primeira é a fome de lucros, quando os resultados operacionais diminuem mas as capitalizações bolsistas disparam: os resultados da Alphabet reduziram-se em 13% em 10 anos, os da Apple em 10% desde o seu auge, em 2012. O risco é que o mercado perceba.
A segunda razão é mesmo a concorrência: em muitos destes negócios, a segunda e a terceira empresas estão alcançando o patamar da primeira, e um oligopólio é a guerra permanente. As vendas online representavam 87% dos lucros da Amazon em 2015 e são 72% agora; o Netflix, que tinha 50% do streaming em 2015, já só controla metade desse mercado; a Disney, que entrou no fim de 2019 nesse negócio, cresceu 10 vezes mais depressa; a quota do Visa já é menos de metade do sistema de pagamentos. Ora, em concorrência, cada empresa usa o seu poder. A Apple tem uma posição dominante, porque controla os equipamentos (os smartphones) e pode ampliar a sua quota em serviços suportados pela sua máquina. É o que está a fazer. Então, a tendência destas empresas será organizar cadeias produtivas completas ou inventar outras (os automóveis autodirigidos parecem ser o mais forte candidato). Não vão voltar a colocar as luvas.