Michael Lowy, A terra é redonda, 8 de outubro de 2020
Exilado permanente, marxista dissidente, antifascista lúcido, Walter Benjamin morreu em Port-Bou há 80 anos, em setembro de 1940, depois de uma tentativa de fuga da França de Vichy pela Espanha. Como milhares de outros refugiados alemães judeus e/ou antifascistas, ele foi internado num campo no verão de 1939, no início da II Guerra Mundial, como “nacional de um país inimigo”. Este foi um dos capítulos mais infames da história pouco gloriosa da III República.
Libertado do campo graças à intervenção de escritores e intelectuais franceses, ele tentará “desaparecer” em Marseille. Mas, depois do armistício, e do estabelecimento do “Estado francês” de Vichy, ele se sente preso numa ratoeira: as batidas contra os “estrangeiros indesejáveis” sucedem-se, e a Gestapo, sob o doce título de “Comissão de Armistício”, rondam por toda parte. É neste momento que ele vai bater na porta de Lisa Fittko, uma refugiada alemã (judia) antifascista, que estava organizando uma rota de saída pela Espanha para as pessoas mais ameaçadas, através da “rota Lister”, um estreito caminho nos Pireneus. Com a ajuda de Fittko, Benjamin alcançará, com muita dificuldade, devido a seu estado de saúde, a fronteira e a vila espanhola de Port-Bou.
Preso em Port-Bou pela polícia (franquista), que, sob pretexto da ausência de um visto de saída francês, decide entregá-lo à polícia de Vichy – isto é, à Gestapo –, ele escolheu o suicídio. Era “meia-noite no século”, o Terceiro Reich hitlerista tinha ocupado a metade da Europa, com a cumplicidade da União Soviética stalinista. Tanto quanto um ato de desespero foi um ato final de protesto e resistência antifascista.
Nas breves notas que seguem, em homenagem a sua memória, algumas reflexões sobre a contribuição de Walter Benjamin à Teoria Crítica marxista.
1. Walter Benjamin pertence à Teoria Crítica no sentido amplo, isto é, esta corrente de pensamento inspirada em Marx que, a partir ou ao redor da Escola de Frankfurt, questiona não apenas o poder da burguesia, mas também os fundamentos da racionalidade e da civilização ocidentais. Amigo próximo de Theodor Adorno e Max Horkheimer, ele sem dúvida influenciou seus escritos, sobretudo a obra principal que é Dialética do Esclarecimento, onde encontramos várias de suas ideias e mesmo, por vezes, “citações” sem referência à fonte. Ele também era, por sua vez, sensível aos principais temas da Escola de Frankfurt, mas se distingue dela por certos tratamentos que lhe são singulares, e que constituem sua contribuição específica à Teoria Crítica.
Benjamin nunca obteve um posto universitário; a recusa de sua habilitação – a tese sobre o drama barroco alemão – condenou-o a uma existência precária de ensaísta, “homem de letras” e jornalista franco-atirador, que, com certeza, se agravou consideravelmente durante os anos do exílio parisiense (1933-40). Exemplo ideal-típico da freischwebende Intelligenz de que falava Mannheim, ele era, no mais alto grau, um Aussenseiter, um outsider, um marginal. Essa situação existencial talvez contribuiu para a acuidade subversiva de seu olhar.
2. Benjamim é, neste grupo de pensadores, o primeiro a questionar a ideologia do progresso, esta filosofia “incoerente, imprecisa, sem rigor”, que percebe no processo histórico apenas “o ritmo mais ou menos rápido segundo o qual homens e épocas avançam sobre a via do progresso” (A vida dos estudantes, 1915). Ele também foi mais longe que os outros na tentativa de livrar o marxismo, de uma vez por todas, da influência das doutrinas burguesas “progressistas”; assim, no livro das Passagens, ele se propunha o seguinte objetivo: “Podemos considerar também como objetivo metodologicamente buscado nesse trabalho a possibilidade de um materialismo histórico que tenha anulado nele mesmo a ideia de progresso. É justamente opondo-se aos hábitos do pensamento burguês que o materialismo histórico encontra suas fontes”.
Benjamin estava convencido de que as ilusões “progressistas”, especialmente a convicção de “nadar na corrente da história”, e uma visão acrítica da técnica e do sistema produtivo existentes, contribuíram para a derrota do movimento operário alemão diante do fascismo. Ele enumerava dentre estas ilusões nefastas o espanto de que o fascismo possa existir em nossa época, numa Europa tão moderna, produto de dois séculos de “processo civilizatório” (no sentido que Norbert Elias dava a este termo): como se o Terceiro Reich não fosse, precisamente, uma manifestação patológica desta mesma modernidade civilizada.
3. Se a maior parte dos pensadores da Teoria Crítica partilhava o objetivo de Adorno de colocar a crítica romântica conservadora da civilização burguesa a serviço dos objetivos emancipadores do Iluminismo, Benjamin é talvez aquele que mostrou o maior interesse pela apropriação crítica dos temas e ideias do romantismo anticapitalista. Nas Passagens ele refere-se a Korsch por colocar em evidência a dívida de Marx, via Hegel, com os românticos alemães e franceses, mesmo os mais contrarrevolucionários. Ele não hesitou em utilizar os argumentos de Johannes von Baader, Bachofen ou Nietzsche para demolir os mitos da civilização capitalista. Encontramos nele, como em todos os românticos revolucionários, uma surpreendente dialética entre o passado mais distante e o futuro emancipado; daí seu interesse pela tese de Bachofen – na qual se inspiraram tanto Engels quanto o geógrafo anarquista Elisée Réclus – sobre a existência de uma sociedade sem classes, sem poderes autoritários e sem patriarcado na aurora da história.
Esta sensibilidade também permitiu a Benjamin compreender, bem melhor que seus amigos da Escola de Frankfurt, o significado e o alcance de um movimento romântico/libertário como o surrealismo, ao qual ele atribuía, em seu artigo de 1929, a tarefa de captar as forças da embriaguez (Rausch) pela causa da revolução. Marcuse perceberá, ele também, a importância do surrealismo como tentativa de associar a arte e a revolução, mas isso será quarenta anos mais tarde.
4. Como seus amigos frankfurtianos, Benjamin era partidário de uma espécie de “pessimismo crítico”, que assumiu, nele, uma forma revolucionária. Em seu artigo de 1929 sobre o surrealismo, ele afirma inclusive que ser revolucionário é agir para “organizar o pessimismo”. Ele manifesta sua desconfiança quanto ao destino da liberdade na Europa e acrescenta, numa conclusão irônica: “Confiança ilimitada apenas na IG Farben e no aperfeiçoamento pacífico da Luftwaffe”. É claro que até ele, o pessimista por excelência, não poderia prever as atrocidades que a Luftwaffe infligiria às cidades e às populações civis europeias; ou que a IG Farben se destacaria, anos mais tarde, pela fabricação do gás Ziklon B, utilizado para “racionalizar” o genocídio de judeus e ciganos. Entretanto, ele foi o único pensador marxista destes anos a ter uma intuição dos desastres monstruosos que a civilização burguesa em crise poderia provocar.
5. Mais do que os outros pensadores da Teoria Crítica, Benjamin soube mobilizar, de forma produtiva, os temas do messianismo judaico para o combate revolucionário dos oprimidos. Motivos messiânicos não estão ausentes de certos textos de Adorno – especialmente Minima Moralia – ou Horkheimer, mas é em Benjamin, e principalmente em suas Teses “Sobre o conceito de história”, que o messianismo se torna um vetor central de uma refundação do materialismo histórico, para evitar-lhe o destino de um boneco autômato, tal como tornara-se pelas mãos do marxismo vulgar (social-democrata ou stalinista). Há em Benjamin uma espécie de correspondência (no sentido baudelairiano da palavra) entre a irrupção messiânica e a revolução como interrupção da continuidade histórica – a continuidade da dominação.
Para o messianismo, como ele o compreende – ou melhor, inventa –, não se trata de esperar a salvação de um indivíduo excepcional, de um profeta enviado pelos deuses: o “Messias” é coletivo, pois, para cada geração, foi dada “uma fraca força messiânica”, que se trata de exercer, da melhor forma possível.
6. De todos os autores da Teoria Crítica, Benjamin era o mais ligado à luta de classes como princípio de compreensão da história e de transformação do mundo. Como escrevia nas Teses de 1940, a luta de classes “não cessa de estar presente para o historiador formado pelo pensamento de Marx”; com efeito, ela não cessa de estar presente em seus escritos, como lugar essencial entre o passado, o presente e o futuro, e como lugar da unidade dialética entre teoria e prática. A história não aparece, para Benjamin, como um processo de desenvolvimento das forças produtivas, mas como um combate de morte entre opressores e oprimidos; recusando a visão evolucionista do marxismo vulgar, que percebe o movimento da história como acúmulo de “aquisições”, ele insiste nas vitórias catastróficas das classes reinantes.
Contrariamente à maior parte dos outros membros da Escola de Frankfurt, Benjamin apostou, até seu último suspiro, nas classes oprimidas como força emancipadora da humanidade. Profundamente pessimista, mas jamais resignado, ele não para de ver na “última classe subjugada” – o proletariado – aquela que “realiza a obra de libertação em nome das gerações vencidas” (Tese XII). Se ele não compartilha de modo algum o otimismo míope dos partidos do movimento operário sobre sua “base de massa”, tampouco deixa de ver nas classes dominadas a única força capaz de inverter o sistema de dominação.
Benjamin era também o mais obstinadamente fiel à ideia marxiana de revolução. É verdade que, contra Marx, ele não a define como “locomotiva da história”, mas como interrupção de seu curso catastrófico, como ação salvadora da humanidade que aciona os freios de urgência. Mas a revolução social permanece o horizonte de sua reflexão, o ponto de fuga messiânico de sua filosofia da história, espinha dorsal de sua reinterpretação do materialismo histórico.
Apesar dos fracassos do passado – depois da revolta dos escravos dirigida por Spartacus na Roma antiga, até a insurreição do Spartakusbund de Rosa Luxemburgo em janeiro de 1919 –, “a revolução como concebida Marx”, este “salto dialético”, resta sempre possível (Tese XIV). Sua dialética consiste em operar, graças a “um salto de tigre em direção ao passado”, uma irrupção no presente, no “tempo de hoje” (Jetztzeit).
7. Ao contrário de seus amigos da Escola de Frankfurt, ciosos de sua independência, Benjamin tentou aproximar-se do movimento comunista. Seu amor pela artista bolchevique letã Asja Lacis teve sem dúvida um papel nesta tentativa… Num dado momento, por volta de 1926, ele até considerou, como escreveu para seu amigo Gershom Scholem, aderir ao Partido Comunista Alemão – o que não fará… Em 1928-29, ele visita a União Soviética: no seu Diário desta estada, encontramos observações críticas, que sugerem uma certa simpatia pela oposição de esquerda. Se, no decorrer dos anos 1933-1935, ele parece, em alguns de seus escritos, aproximar-se do marxismo soviético, a partir de 1936, ele começa a tomar distância; por exemplo, numa carta de março de 1938, ele denuncia “o compromisso, na Espanha, da ideia revolucionária com o maquiavelismo dos dirigentes russos”. Entretanto, ele ainda acredita, como testemunha sua correspondência, que a URSS, apesar de seu caráter despótico, é a única aliada dos antifascistas. Esta crença desmorona em 1939, com o Pacto Molotov-Ribbentrop: em suas Teses Sobre o conceito de história (1940), ele denuncia a “traição em causa própria” dos comunistas stalinistas.
8. Walter Benjamin não era “trotskista”, mas manifestou, inúmeras vezes, um grande interesse pelas ideias do fundador do Exército Vermelho. Em uma carta a Gretel Adorno, da primavera de 1932 – momento em que Trotsky foi denunciado como “traidor” pelos stalinistas –, ele escreve: “Eu li A história da revolução de fevereiro de Trotsky e estou quase terminando sua Autobiografia. Durante anos não assimilei nada com tamanha tensão, de tirar o fôlego. Vocês devem ler sem hesitação os dois livros”. E numa outra carta a uma amiga de 1º de maio de 1933, ele está ansioso para ler o segundo volume da História da Revolução Russa de Trotsky. Estas duas cartas foram enviadas da ilha de Ibiza (Baleares), onde esteve Benjamim naquele tempo. O escritor e crítico de arte Jean Selz, que o visitou em Ibiza em 1932-33, o descreve, num testemunho posterior, como partidário “de um marxismo abertamente anti-stalinista: ele manifestava uma grande admiração por Trotsky”. Este julgamento pode parecer um pouco exagerado, mas está de acordo com o que sugerem estas duas cartas.
9. O pensamento de Benjamin é profundamente enraizado na tradição romântica alemã e na cultura judaica da Europa central; ele responde a uma conjuntura histórica precisa, que é aquela da época das guerras e revoluções, entre 1914 e 1940. E, no entanto, os temas principais de sua reflexão, e em particular suas teses “Sobre o conceito de história”, são de uma impressionante universalidade: eles nos dão as ferramentas para compreender as realidades culturais, os fenômenos históricos, os movimentos sociais em outros contextos, outros períodos, outros continentes.
*Michael Löwy é diretor de pesquisas no Centre National de la Recherche Scientifique (França). Autor, entre outros livros de Walter Benjamin: aviso de incêndio (Boitempo),
Tradução: Fernando Lima das Neves