São Paulo, 30 de outubro. Por Carlos N. *
Hoje, 30 de outubro de 2022, aos quarenta e cinco minutos do segundo tempo, Luís Inácio Lula da Silva (PT) foi eleito novamente Presidente da República do Brasil. Depois de semanas de tensão política e ansiedade após o primeiro turno - como não poderia deixar de ser, porque, desde o golpe jurídico-parlamentar de 2016, o que temos visto é uma sucessão de derrotas para o campo progressista.
A vitória foi amarga, porque a extrema-direita cresceu institucionalmente, elegendo parlamentares e governadores, além de Bolsonaro (PL) consolidado como a liderança de oposição a nível nacional. Agora, devemos lutar pela garantia da posse de Lula, a despeito da sanha golpista bolsonarista. Abrir-se-á, então, uma avenida de desafios e oportunidades, de tamanho e qualidade inéditos desde as Jornadas de Junho de 2013.
O maior desses desafios será enfrentar a oposição, composta pelos políticos profissionais do Centrão e por setores de extrema-direita, empoderados e armados, em um nível de provocação nunca visto na história da Nova República. Portanto, o primeiro desafio para a esquerda será garantir a Presidência de Lula ao longo dos próximos anos, de modo que ele não seja impedido por golpe jurídico-parlamentar, como Dilma Rousseff (PT) em 2016, ou vítima de um golpe de estado, ou até de um atentado físico.
A realização desse desafio está atrelada ao espaço político que conseguiremos arrancar de Lula ao longo de seu governo, e que, dialeticamente, fará energizar uma base social que está faminta, cansada, desiludida e desempregada. Por onde poderá seguir um movimento de massas antissistema à esquerda?
Em 2019 houve o levante estudantil contra as políticas educacionais de Bolsonaro, e as mobilizações contra a destruição da Amazônia. Em 2020, em plena pandemia de Covid-19, as jornadas antifascistas do movimento negro brasileiro, das torcidas organizadas, e dos trabalhadores de aplicativos resultaram em campanhas eleitorais relativamente vitoriosas para o campo progressista. Agora, em 2022, tivemos uma campanha eleitoral difusa, mas que possibilitou levantar pautas na carreira do bom índice de votação de Lula nos primeiro e segundo turnos – nesta última etapa, possibilitando a construção de núcleos de base, diante da urgência de barrar Bolsonaro, e eleger Lula.
A mobilização de segundo turno, no estilo “tudo ou nada”, pôde oferecer à esquerda reorganizar-se a partir de setores desmobilizados, mas que enxergaram na campanha para Lula momento de reagrupar-se, mesmo que temporariamente. Desses grupos amplos formados em apoio ao Presidente eleito, apenas uma parte continuará ativa, mas, caso proponhamos trabalho concreto dentro da realidade dos territórios, será possível organizar essas pessoas. Coletivos que podem ligar as propostas mais progressistas de Lula às reivindicações locais,
discutidas durante a campanha, e fazer oposição aos governos de direita e extrema-direita que pululam Brasil afora.
Então, o novo Presidente precisará da mobilização de rua para permanecer no cargo. Todavia, Lula é, acima de tudo, um gestor do capitalismo brasileiro. O quanto estará disposto a entrar em embates com a burguesia que apoia Bolsonaro - ou, não fez oposição aberta ao seu governo - é um dos pontos nevrálgicos da conjuntura de curto e médio prazo.
Enquanto isso, a conjuntura internacional joga de dois lados. Na América Latina, por meio da eleição dos governos de Gustavo Petro, na Colômbia, e de Gabriel Boric, no Chile, a esquerda acena com uma maior compreensão da discussão em torno à emergência climática, com destaque para o discurso do primeiro, na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas de setembro de 2022. Isso pode empurrar Lula para uma defesa mais enfática da Amazônia, e questionar não apenas o desmatamento ilegal, mas também aquele em tese legal, a despeito da proximidade do ponto de não retorno, ou seja, do ponto em que a Amazônia entrará numa espiral de destruição que culminará com danos irreversíveis para a vida humana na Terra.
De outro lado, mesmo antes da posse de Lula, ao final do presente ano de 2022, a Europa vai conhecer a possível falta de combustível para aquecimento doméstico no inverno, no caso, o gás, de origem russa, no contexto do ataque russo à Ucrânia, o que pode acirrar os ânimos e impulsionar as extremas-direitas fortalecidas com o ascenso ao poder do chamado “pós-fascismo” na Itália nas últimas eleições.
No Brasil, então, há um novo fôlego para a esquerda brasileira, que vai correr atrás do tempo perdido, porque não haverá segunda chance. Precisamos nos inspirar nas melhores experiências da organização de base do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), e também das campanhas de solidariedade em relação à fome durante e depois da pandemia de Covid-19 na América Latina, dos movimentos ligados à agroecologia e da comida sem veneno, das juventudes pelo clima, dos núcleos de base partidários e suprapartidários que se organizam em torno a territórios – como, por exemplo, experiências da Frente Povo Sem Medo na cidade de São Paulo.
Não nos iludamos: nosso espaço não será oferecido de bandeja. Eventuais resistências de Lula e seu governo às discussões em torno às lutas antirracista, anti-LGBTQIA+fóbica, contra a emergência climática, e do movimento feminista, e às propostas econômicas que confrontem a organização histórica do Brasil, serão decisivas. O Centrão garante votos no parlamento, mas não mobiliza amplos setores - a extrema-direita o faz, e nós podemos voltar a fazê-lo. De qualquer modo, esta noite é de comemorar o governo Lula III, de uma nova esperança para a esquerda brasileira.
*Militante socio ambientalista da Insurgência São Paulo