Caíque Azael, Luciana Boiteux e Maria Clara Delmonte
RIO DE JANEIRO - Há três semanas, um incêndio atingiu o prédio da Reitoria da UFRJ. Nos últimos 10 anos, incêndios de diferentes proporções já atingiram o Palácio Universitário (2011); a Faculdade de Letras (2012); o prédio do Centro de Ciências da Saúde (2014); o Prédio da Reitoria (2016); o prédio da Residência Estudantil (2017); o Museu Nacional (2018) e outros espaços da Universidade. É, no mínimo, doloroso contar as nossas histórias pensando no curso dessas tragédias. É verdade que o processo de sucateamento da Educação no Brasil não é algo novo. Mas também não podemos desconsiderar que os ataques feitos por Bolsonaro e sua quadrilha podem inviabilizar a existência das Instituições de Ensino Superior, atacando sua autonomia e reduzindo os repasses até tornar as instituições inviáveis.
Os ataques à autonomia universitária são muitos. Desde a escalada contra os servidores públicos até as intervenções em reitorias que o presidente tem feito Brasil afora. É a nossa autonomia que nos garante liberdade didática, científica, administrativa, de gestão financeira e patrimonial, assegurada pela Constituição Federal. Vimos o governo solicitar, por meio da AGU, autorização para a presença de policiais nas universidades. Sofremos com dezenas de intervenções nas escolhas da comunidade para os cargos e MPs tentando cercear a democracia nos processos de consulta. Os ataques não são por acaso: a cruzada autoritária encontra nas Universidades grandes resistências - não podemos esquecer que, depois dos atos do #EleNão, foram os Tsunami da Educação as maiores mobilizações populares de rua contra o genocida autoritário.
No que diz respeito à asfixia orçamentária, como pontua artigo publicado no Jornal O Globo pela Reitora e Vice Reitor da Universidade: “o orçamento discricionário aprovado pela Lei Orçamentária para a UFRJ em 2021 é 38% daquele empenhado em 2012. Quando se soma o bloqueio de 18,4% do orçamento aprovado, como anunciado pelo governo, seu funcionamento ficará inviabilizado a partir de julho”. Estamos falando de milhares de trabalhadores que não terão condições de receber seus salários, estudantes que não terão suas bolsas pagas em dia e pesquisas que serão paralisadas em meio a uma pandemia. Não podemos desconsiderar que a crise da UFRJ é a crise de todas as instituições de ensino no país. O Brasil investe menos na educação do que é determinado pelo Plano Nacional de Educação. Com a expansão das Universidades, há mais que o dobro de matrículas hoje do que havia no começo dos anos 2000. Apesar disso, o orçamento previsto para o ano de 2021 está no mesmo nível do orçamento de 2007, quando havia metade dos estudantes matriculados. É impraticável dar conta das obrigações das universidades dessa forma. Olhar para as contas das IES é olhar para o abismo que Bolsonaro nos meteu.
A educação é uma das pastas que mais trocou ministros desde o começo do governo (até o momento são 05) e segue feito um trem desgovernado. O chamado apagão da Educação e da Ciência é uma realidade. O CNPq segue um desmonte desenfreado e a CAPES com novas orientações de distribuição de bolsa pode fortalecer as desigualdades regionais e prejudicar programas de pós-graduação em desenvolvimento. São as universidades públicas as principais responsáveis pela produção científica no Brasil. Estudo recente da USP indica que 15 Universidades Públicas concentram 60% da produção científica nacional, entre elas as UFRJ. Aliás, essa mesma universidade, ameaçada de fechar as portas por falta de verba, está entre as melhores universidades do mundo, sendo considerada em algumas pesquisas como a melhor do Brasil. Na pandemia, temos observado como o potencial das pesquisas pode ajudar a resolver problemas urgentes: da vacina à fabricação de respiradores, passando por planos emergenciais de combate ao Covid em diferentes territórios, e com importantes contribuições em diferentes campos disciplinares. A UFRJ colaborou incansavelmente com a sociedade brasileira. E quer seguir colaborando.
Sobre o perfil social dos alunos da UFRJ e das universidades públicas em geral, devemos entender que as Universidades não são espaços das elites. Pelo contrário: em estudo da ANDIFES de 2017, indica-se que a maioria dos estudantes são de baixa renda e negros. As políticas de ação afirmativa foram essenciais para mudar esse cenário (ainda que Bolsonaro as despreze, tendo inclusive manifestado intenção de reduzir os percentuais de vagas destinadas às ações afirmativas durante sua pré campanha em 2018, já que “não escravizou ninguém”). Ainda há muito o que ser feito para a efetiva inclusão da maioria e garantia de sua permanência, mas é inegável que a defesa da educação pública de qualidade é uma luta para todos nós que combatemos a desigualdade social no Brasil. Defender o sucateamento das universidades é, sem dúvidas, defender a expulsão destes novos sujeitos do espaço universitário.
Não podemos esquecer que a UFRJ é palco de históricas lutas pela popularização da educação superior, especialmente no que diz respeito às políticas de assistência estudantil. Durante a pandemia, os estudantes aprovaram pacotes importantes de medidas para evitar a evasão e garantir condições mínimas para o acompanhamento das aulas remotas (como ampliação do acesso à internet pela distribuição de chips; auxílio para compra de equipamentos; mais bolsas) e também construíram ações de solidariedade para levar comida às famílias que diante da pandemia viram a fome ainda mais presente em suas vidas. Sem o movimento estudantil aguerrido da UFRJ, sem os CAs, DAs e o DCE, talvez a educação pública já tivesse sido destruída há tempos.
Em tempo: nos últimos dias, enquanto nossos prédios pegavam fogo, mais um escândalo do presidente vazou: 3 bilhões destinados à compra de votos no Congresso Federal. O que se corta da educação vai direto para as mãos da máfia que tomou conta do Congresso Nacional. Precisamos barrar Bolsonaro, cessar incêndios e construir um futuro possível para a educação pública, livre da censura, dos cortes de verba e das ameaças a sua autonomia. As tarefas que estão colocadas são urgentes e convocamos todos e todas para essa grande batalha em defesa da UFRJ e de todas as Universidades públicas do Brasil!
- Caíque Azael, militante da Insurgência no RJ e mestrando em Psicologia na UFRJ;
- Luciana Boiteux, 1a suplente de vereadora do PSOL Carioca e Professora Associada de Direito Penal na FND/UFRJ;
- Maria Clara Delmonte, militante da Insurgência no RJ e estudante de Gestão Pública na UFRJ; Diretora Executiva da UNE.