O bolsonarismo é cada vez mais exitoso como movimento e cada vez menos bem-sucedido como forma de governo. Exploramos as diferenças no livro Governo Bolsonaro: retrocesso democrático e degradação política (Ed. Autêntica, 2021).
Leonardo Avritzer, A cara da democracia / UOL, 7 de maio de 2021
Entre os políticos com maior rejeição, o capitão assume a dianteira na frente de Lula, Sergio Moro, Ciro Gomes e João Doria - 44,5% dos brasileiros “não gostam de jeito nenhum” do presidente. No entanto, quando analisamos o crescimento da direita e o apoio às questões que supõem uma visão conspirativa da política, ecoando algumas opiniões insistentemente propagadas pelo círculo mais íntimo do presidente, percebemos o crescimento do bolsonarismo como movimento.
Esses são os resultados de Pesquisa do Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação aplicada entre os dias 20 e 27 de abril (2031 entrevistas, margem de erro 2,2%), denominada "A Cara da Democracia".
A pesquisa chegou aos seguintes dados: 22,2% dos brasileiros acreditam que a terra é plana; 50,7% acreditam que o coronavírus foi criado pelo governo chinês; 56,4% acreditam que os hospitais são pagos para aumentar o número de pacientes mortos pela Covid-19. Os dados expressam um retrato de desinformação, ou da formação distorcida da opinião pública, que afeta decisivamente o debate público e a democracia no Brasil. Ou seja, quando os brasileiros se posicionam sobre questões relacionadas à pandemia eles o fazem com um nível de informação muito baixo sobre as questões discutidas, formado muito provavelmente nas redes sociais, em especial no Instagram, no WhatsApp e no Youtube, que aparecem com destaque como meios de informação, logo depois do Facebook.
Claro que estas questões influenciam o apoio à própria democracia. Aliás, brasileiros têm oscilado na sua visão sobre situações nas quais um golpe de estado seria justificado. Na primeira bateria da pesquisa “A Cara da Democracia” em 2018, 47,8% dos brasileiros afirmavam ser favoráveis a um golpe de estado em uma situação de muita corrupção. Esse contingente caiu para 39,2% em 2019 e para 29,2% no ano passado, 2020, mas voltou a subir neste ano, alcançando a marca de 50,6%, tal como mostra o gráfico abaixo.
Vale a pena entender como se posicionam os apoiadores do presidente em relação a esse conjunto de questões. Quando pensamos em teorias conspiratórias em geral, existem algumas questões que os eleitores de Bolsonaro se posicionam em ainda maior volume do que o restante do eleitorado. Assim, tal como mostra o gráfico 2 abaixo, 57,6% do eleitorado do capitão acredita que foi o governo chinês que criou o coronavírus e em relação aos que acreditam na eficácia da hidroxicloroquina, os bolsonaristas são quase o dobro do que os demais eleitores. Não por acaso esses foram temas insistentemente repetidos pelo presidente e pelos seus filhos nas suas redes sociais.
Assim, é possível pensar em uma explicação para a desinformação do brasileiro que afeta decisivamente as políticas de combate à pandemia. Elas estão ligadas a uma diminuição da influência da mídia tradicional na formação da opinião pública: 62,6% dizem não confiar na Rede Globo e 41,7% dizem não confiar na Rede Record. Ainda mais surpreendente é que o número de pessoas que confiam na Record, 11,2% é quase o dobro daquelas que confiam na Globo.
Esse é o quadro no qual a eleição de 2022 ocorrerá. De um lado, um forte desgaste do presidente no seu desempenho enquanto governante. Bolsonaro tem baixo desempenho não apenas no enfrentamento à Covid-19, mas também no que diz respeito ao bem-estar dos brasileiros. Cerca de 43% dos brasileiros afirmaram que sua condição de vida piorou em relação a um ano atrás. Ou seja, Bolsonaro será vulnerável em relação à pandemia e à economia, mas terá criado um movimento na sua direção no que diz respeito a questões morais e concepções de antipolítica. É nesse campo que se dará a disputa. Ainda que Bolsonaro seja derrotado, as ideias do movimento que ele capitaneou continuarão conosco por algum tempo.
Leonardo Avritzer é professor do Departamento de Ciência Política da UFMG, coordenador do INCT - Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação e autor de diversos livros, entre eles o recente Política e antipolítica: a crise do governo Bolsonaro, Pêndulo da Democracia e Participatory Institutions in Democratic Brazil.