Ernest Mandel e John Ross, Perspectiva Internacional, maio-junho de 1982
6. A construção da IV Internacional, a única organização operária mundial que funciona como tal
Eis aí a razão pela qual os partidários da III Internacional, depois de Trotsky e seus camaradas, desde o primeiro dia em que se convenceram da necessidade de uma nova Internacional, aplicaram obstinadamente a ideia de que esta Internacional deveria imediatamente funcionar como uma verdadeira organização, baseada desde o começo numa disciplina comum livremente aceita, independentemente de sua força ou de sua fraqueza relativas.
Sabemos perfeitamente que a IV Internacional é ainda muito fraca, se bem que seja muito mais forte do que quando foi criada em 1938 ou ao final da II Guerra Mundial, quando de seu 11 Congresso mundial em 1948. Nós não somos senão o primeiro núcleo da futura Internacional Comunista de massa, que será o real estado-maior geral da revolução mundial, coordenando de fato todas as lutas revolucionárias importantes no mundo. Da mesma forma, nossas seções nacionais ainda não são partidos revolucionários de massa, dirigindo de fato as lutas cotidianas de camadas importantes dos trabalhadores de seus respectivos países.
Estes núcleos deverão passar por muitas fusões com forças revolucionárias emergentes, muitos reagrupamentos com tendências oposicionistas que rompam com os partidos social-democratas ou os PCs de massa nos períodos pré-revolucionários e revolucionários, antes que eles atinjam o status de partidos de massa revolucionários plenamente desenvolvidos, capazes de dirigir o proletariado e os camponeses pobres rumo à vitória da revolução socialista.
Mas esses núcleos levam à construção de futuros partidos revolucionários de massa e da futura Internacional revolucionária de massas um programa que resume as lições de 150 anos de lutas da classe proletária em todo o mundo, assim como um conjunto crucial de quadros educados, por este programa e experimentados em sua aplicação aos mais variados problemas táticos concretos da luta de classe, em todas as partes do mundo. Eles levam a esses futuros partidos e a essa futura Internacional revolucionária de massa uma capacidade de educação sem par em uma verdadeira prática internacionalista, aplicada todos os dias, todos os meses, todos os anos.
A experiência confirma mais uma vez que é absolutamente impossível atingir mesmo um nível elementar de coordenação e de ação internacionais como uma base puramente espontânea. Seria uma utopia total acreditar que o grau de internacionalismo na teoria e na ação que reclama a etapa presente da luta de classe e das lutas revolucionárias em escala mundial poderia ser atingido de uma maneira qualquer, sem uma preparação consciente e deliberada, neste sentido, de milhares e dezenas de milhares de quadros e militantes durante anos e anos antes que nasça a Internacional revolucionária de massas de amanhã.
Que a IV Internacional apesar de sua fraqueza, seja a única tendência do movimento operário internacional que funciona de fato como uma organização internacional em cerca de sessenta países, não é portanto, nada fortuito. É o produto de uma educação sistemática no internacionalismo prático integral, oposto ao conceito stalinista do "nacional-comunismo". Desde o próprio início do movimento trotskysta, na tradição da Internacional Comunista e de todos os internacionalistas da época da I Guerra Mundial, como Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecnt.
A IV Internacional não é nem um fetiche nem uma pura bandeira. Ela permite multiplicar a força de suas seções na luta cotidiana. Ela já é um pólo de atração para elementos revolucionários de todo o mundo. De fato, a existência hoje da IV Internacional no dobro do número de países em que ela existia quando Trotsky foi assassinado, ou ao fim da II Guerra Mundial, se explica ao mesmo tempo pelo fato de que, através de suas próprias experiências de luta, revolucionários de um número crescente de países chegaram a conclusões programáticas idênticas às do programa da IV Internacional, e pelo fato de que eles compreenderam, igualmente pela própria experiência, a necessidade de começar a criar sem demora uma organização internacional, além de sua organização nacional.
7. As relações entre a Internacional e as seções nacionais
Também é útil refutar um outro mito. Por vezes, afirma-se que a existência de uma organização internacional entrava a elaboração de uma tática correta por parte dos partidos nacionais. É o que defendem, principalmente, os centristas, os eurocomunistas e mesmo os stalinistas do tipo tradicional em relação ao passado da Internacional Comunista. No entanto, é simplesmente falso que a existência da Internacional Comunista tenha entravado a elaboração de táticas corretas por parte de seções nacionais.
Ao contrário, foi a experiência da Internacional Comunista que ajudou de maneira decisiva a correção da linha ultra-esquerdista desastrosa do PC alemão, ilustrada, ao mesmo tempo, pelo Spartakusbund e por toda a dinâmica do PC unificado em seu primeiro período (ação de março de 1921). Foi a Internacional Comunista que contribuiu para eliminar toda a confusão feita de uma mistura de oportunismo, de individualismo e da linha de direita que reinava no seio do PC francês logo no seu nascimento. Foi ainda a Internacional Comunista que contribuiu para a elaboração de uma tática do PC britânico qualitativamente superior a tudo o que existia anteriormente naquele país, sobre questões tão vitais como a atitude a tomar frente às eleições, a atitude em relação ao Partido Trabalhista, a questão da frente única operária, a linha a adotar no seio dos sindicatos, etc. Em seu livro "Os Dez Primeiros Anos do Comunismo Americano", James P. Cannon faz um balanço notável das numerosas ocasiões em que a Internacional Comunista ajudou, a corrigir a tática do jovem PC americano e lhe permitiu vencer as dificuldades de um modo que jamais poderia ser feito apoiando-se apenas nas experiências políticas puramente nacionais. Toda a experiência dos debates no curso dos III.º e IV.º Congressos da Internacional Comunista sobre a questão da Frente Única operária constituiu uma ajuda decisiva para as seções nacionais em matéria de elaboração e de aplicação de suas táticas nacionais.
Uma organização internacional, funcionando de maneira democrática e não burocrática, não impede, mas pelo contrário, encoraja a criação de direções nacionais adequadas e a elaboração de uma tática nacional correta. Os erros cometidos pela III.ª Internacional na época de Zinoviev e de Boukharin, após seu IV.º Congresso, e mais tarde os crimes cometidos na época de Stálin, não eram o produto da existência de uma organização internacional forte, mas sim o produto da burocratização do Estado Soviético, do PCUS e da própria Internacional Comunista, bem como a adoção de métodos organizacionais decorrentes desta burocratização: destituição arbitraria de direções nacionais; não realização de congressos das seções nacionais antes do Congresso da Internacional Comunista; táticas nacionais impostas de maneira burocrática às seções nacionais pelo centro internacional, sem o apoio da maioria dos quadros e membros destas seções; criação de uma camada de funcionários internacionais e nacionais servis através de subsídios financeiros internacionais maciços, senão pela corrupção pura e simples, etc.
A IV.ª Internacional tirou todas as conclusões destes erros e integrou-as em seus estatutos e na sua prática cotidiana. Cada organização revolucionária nacional deve aprender por sua própria experiência como desenvolver quadros e uma direção capazes de incorporar, na elaboração de uma tática correta, as especificidades nacionais de seu próprio país, de sua própria classe operária e de seu próprio movimento operário, ao lado das lições gerais tiradas da luta de classe internacional. A Internacional, enquanto tal, assim como outras seções, podem dar conselhos e insistir para que sejam colocados em prática. Ela não tem o direito de decidir o que quer que seja na questão. Por razões decorrentes da experiência histórica, e não como uma concessão a qualquer concepção "federalista" de organização internacional, os estatutos da IV.ª Internacional proíbem explicitamente aos órgãos internacionais de mudar a composição das direções nacionais ou de determinar a tática das seções nacionais.
Mas a IV.ª Internacional compreende ao mesmo tempo, que, como a burguesia se recusa a limitar sua ação a nível nacional, o proletariado não pode agir de outra forma. A extensão da luta de classe à escala internacional reclama uma organização e, onde for preciso, uma disciplina internacionais. Para tomar um exemplo corrente: a maneira precisa de levar a prática nossa solidariedade às revoluções nicaraguense e salvadorenha é uma questão de tática nacional. Mas a necessidade de uma campanha de solidariedade internacional às revoluções nicaraguenses e salvadorenha decorre das necessidades internacionais da luta de classe. Sobre estas questões-chaves de estratégia e de política internacionais, a Internacional tem o direito de tomar as decisões. As seções devem aceitar esta disciplina após debate democrático e voto majoritário. Decisões internacionais deste gênero ligam todas as organizações que realmente procuram responder às necessidades da luta de classe internacional e que desejam realmente construir um partido mundial.
A única solução alternativa a tal organização internacional com disciplina internacional comum sobre as questões internacionais (que implica, evidentemente, o direito das minorias, de procurar modificar as decisões internacionais através de uma nova votação, após um período de aplicação da velha decisão em que a experiência permitiria convencer a maioria que ela estava enganada), é precisamente o "nacional-comunismo". Sua essência final foi correta e dramaticamente resumida por Rosa Luxemburgo, após a falência da II Internacional, no momento da eclosão da 1ª Guerra Mundial, na fórmula amarga: "Proletários de todos os países, uni-vos em tempo de paz. e matai-vos mutuamente em tempo de guerra!".
A fim de clarificar as relações entre a Internacional e as seções nacionais é preciso ainda responder a uma outra objeção. Alguns afirmam que uma "revolução internacional" enquanto tal não existe. Eles se apoiam, a este propósito, em uma citação de Lênin fora do contexto original:
"Não há senão uma forma de internacionalismo real. E a de trabalhar com todo o coração pelo desenvolvimento da luta revolucionária em seu próprio pais, e de apoiar... esta luta, ela e somente ela... em cada país. sem exceção".
Isto quer dizer que Lênin era o advogado de revoluções nacionais, opostas à revolução mundial, porque é manifestamente impossível haver uma revolução "mundial" instantânea, em todos os países simultaneamente? Nada disso. Lênin exprime aqui, simplesmente, embora de maneira paradoxal, uma compreensão mais profunda das relações entre a revolução em escala nacional e a revolução mundial.
Se entendermos a revolução mundial como uma revolução simultânea em todos os países, ao mesmo tempo, como a derrubada, no mesmo momento, das classes dominantes de todos os países, trata-se, evidentemente de uma pura utopia que desemboca, na prática, na passividade, a espera do "Grande Dia". A IVª Internacional, que se chama Partido Mundial da Revolução Socialista, defende em relação a isso um ponto de vista inteiramente oposto. Ela não concebe a revolução proletária mundial como um ato simultâneo, mas como um processo aberto pela vitória da revolução russa de Outubro de 1917.
As relações entre a revolução em escala nacional e a revolução internacional são dialéticas. Elas refletem as contradições entre os limites nacionais do Estado burguês e o enorme desenvolvimento das forças produtivas, que ultrapassaram há muito tempo esses limites. Este crescimento das forças produtivas internacionalizou a luta de classe. Por esta razão, há uma interdependência orgânica, não somente de todas as economias "nacionais", como também de todas as lutas de classe revolucionárias. O imperialismo é uma cadeia, e como todas as cadeias, ela se rompe primeiro nos elos mais fracos.
Evidentemente, seria preferível que todos os elos se rompessem no mesmo momento. Mas, lamentavelmente, isto está no campo dos sonhos, e não corresponde ao desenvolvimento real, determinado por certas leis objetivas. Por outro lado, não há revolução que se desenvolva no terreno "puramente" nacional. A revolução eclode no nível nacional, mas ela se estende e tem uma influência imediata em escala internacional. Eis aí o que queremos dizer quando falamos de revolução internacional ou mundial, um processo permanente em que a ruptura do elo nacional não é simplesmente um objetivo em si, não é um ato final, mas um ato inicial.
Em outras palavras, da mesma forma que não há revolução estritamente nacional, nem uma economia puramente nacional, não há burguesia que limite sua ação ao domínio puramente nacional. Nós vivemos na época do imperialismo. A burguesia se organiza internacionalmente para defender seus interesses. A fim de assegurar uma vitória revolucionária em escala nacional, é insuficiente confinar-se neste quadro nacional. No Vietnã, os revolucionários não precisavam apenas derrubar a classe dominante nacional. Eles deviam também bater-se contra o imperialismo francês e americano, e antes, contra o imperialismo japonês. Isso confirma até que ponto é utópico querer restringir-se a uma política puramente "nacional", mesmo para começar o primeiro ato de uma revolução.
É pois necessário evitar toda interpretação mecânica das relações entre a revolução em escala nacional e a revolução internacional. Lênin polemiza, com justiça, contra a "profissões de fé puramente declamatórias em favor do internacionalismo", que em sua época, foram similares ao "internacionalismo" abstrato e de palavras que os eurocomunistas, os social-democratas de esquerda e os stalinistas praticam em nossa época. Mas deduzir deste gênero de citação que seria suficiente preparar a primeira etapa da revolução em nível nacional, isto é, concentrar os esforços exclusivamente neste nível, seria não compreender em absoluto que a especificidade nacional de cada revolução é somente relativa e parcial, e de modo algum absoluta. Como o disse claramente Rosa Luxemburgo: "A luta de classe contra a classe dominante nos mites dos Estados burgueses, e a solidariedariedade internacional de todos os países, eis aqui as duas regras de ouro inerentes à classe operária em luta, e de importância histórica mundial pela sua emancipação ".
De fato, se quiséssemos avaliar o funcionamento da IV Internacional hoje, nós não diríamos que ela está preocupada demais com problemas e experiências de caráter internacional, ou que ela seja excessivamente centralizada. Nós diríamos, ao contrário, que ela ainda está marcada por uma experiência em comum insuficiente. As diferentes seções nacionais ainda não assimilaram suficientemente a experiência das outras seções e da Internacional em seu conjunto. Uma das tarefas mais importantes que a Internacional deve enfrentar hoje, e cuja solução ajudará na elaboração de táticas nacionais corretas, é precisamente a de assegurar, da maneira a mais ampla possível, a assimilação por todas as seções, da experiência comum de toda a Internacional. A discussão internacional, viagens ao estrangeiro de camaradas de diversas seções, o engajamento de um número maior de quadros de diferentes países no trabalho e nas discussões da Internacional, o reforço das publicações internacionais, e antes de tudo, a realização de tarefas internacionais comuns relacionadas com as lutas e os objetivos revolucionários vitais em escala mundial: eis aí do que precisam ao mesmo tempo a Internacional e suas seções nacionais.
Até aqui. tratamos da necessidade de uma Internacional do ponto de vista da homogeneidade programática e da necessidade de uma visão intemacionalista global da parte das direções nacionais, através da troca de experiências e de conclusões tiradas em comum a respeito das lutas internacionais — necessidade que tem suas raízes fincadas no caráter objetivamente mundial da luta de classe.
8. Campanhas e ações internacionais
A centralização internacional da experiência ajuda a reforçar a elaboração programática. Mas o programa não pode ser um simples comentário acadêmico da realidade mundial. Ele é a base de um esforço constante para mudar esta realidade. Neste sentido, ele só pode ser testado por uma prática em escala mundial. Seria uma caricatura de internacionalismo reduzi-lo a uma simples análise da situação mundial, abandonando a prática apenas às seções nacionais. Na realidade, há um outro aspecto do internacionalismo: é a dialética entre a construção da Internacional revolucionária e a criação de partidos revolucionários ao nível nacional. Novamente, não se trata de opor a construção de uma Internacional à construção de partidos revolucionários em escala nacional, mas, pelo contrário, de compreender que uma ajuda a outra. Isso pode ser demonstrado não somente ao nível da teoria, como por experiências revolucionárias concretas.
Ao final da I Guerra Mundial, era objetivamente inevitável que houvesse uma enorme fermentação e a aparição de correntes revolucionárias de diversos tipos, em quase todos os países. Mas não era nada inevitável que todas essas correntes se fundissem e amadurecessem a ponto de criar partidos revolucionários sérios. Isso não podia ser produzido "espontaneamente". Era preciso um esforço consciente para criar uma verdadeira Internacional revolucionária. Não foram as "condições alemãs", nem as "francesas", nem as "britânicas", nem as "italianas", nem as "americanas" ou as "chinesas", tomadas separadamente que permitiram a construção de PCs mais amplos e mais avançados, e em alguns casos-chave, de partidos revolucionários de massa. Era preciso a intervenção consciente, talvez um certo "voluntarismo" da Internacional Comunista, para criá-los (na realidade, não se tratava, evidentemente, de "voluntarismo" no sentido pejorativo do termo, mas simplesmente de compreender conscientemente as necessidades do processo objetivo). Isso implicava numa Internacional que não funcionasse apenas como um centro de discussões e de propaganda programática, mas também como uma verdadeira organização. A Internacional enviou quadros, publicações, conselhos e dinheiro para múltiplos países para contribuir para a criação de tais partidos. Já vimos que o emprego destes métodos, apesar dos erros cometidos às vezes não entravaram, mas ajudaram na construção de partidos revolucionários nacionais na época dos quatro primeiros congressos da Internacional Comunista. Repetimos: não foi uma organização internacional, mas sim a burocracia stalinista que destruiu, ao mesmo tempo, o PC e a IC. Mesmo após a tomada do poder por um ou vários partidos revolucionários, a existência de uma poderosa organização internacional independente desses partidos porque se apoia sobre o conjunto das forças revolucionárias de todo o mundo, constituirá um forte freio contra os perigos da deformação burocrática e da orientação insuficientemente intemacionalista por parte deste ou destes partidos.
Uma Internacional, isto é, o internacionalismo encarnado, não pode ser simplesmente uma idéia justa. Ela deve ser concreta, tomar a forma de uma organização que age internacionalmente. Uma Internacional forte representaria uma forca maior para a construção de partidos revolucionários nacionais. Podemos demonstrá-lo tanto através de considerações gerais como de exemplos práticos passados e presentes.
Tomemos questões internacionais candentes, como a guerra do Vietnã ontem, ou presentemente, a tendência à remilitarização acelerada por parte do imperialismo. Não podemos, evidentemente, considerá-las como questões puramente "nacionais" Elas exigem campanhas e ações internacionais, para que o proletariado possa se opor eficazmente a elas. Isto exige uma organização internacional.
Ou então, tomemos questões candentes da luta de classe imediata e a necessidade de influenciar e de ganhar correntes para a construção de uma Internacional revolucionária. Seria falso acreditar, por exemplo, que as revoluções nicaraguense ou salvadorenha sejam uma questão "reservada" aos camaradas norte e latino-americanos, ou que o ascenso operário na Polônia seja uma questão "reservada" aos camaradas europeus. Nem do ponto de vista das necessidades da solidariedade internacional, nem do ponto de vista de influenciar e ganhar correntes para que elas se organizem nestes países, como tampouco do ponto de vista de capitalizar as repercussões internacionais que esses acontecimentos provocam no seio do movimento operário mundial semelhante "divisão do trabalho" se justifica. O sucesso que obtenhamos no cumprimento de todas essas tarefas depende de maneira crucial do peso da IV Internacional em seu conjunto, e do peso que, enquanto organização internacional, ela já pode jogar para a realização destes objetivos.
A mesma constatação pode ser feita em relação às tarefas-chaves para a construção da IV Internacional, tal como o esforço para alargar sua implantação na classe operária industrial. As iniciativas neste sentido podem partir de países determinados. As formas, táticas e direções precisas devem ser decididas em escala nacional (como o precisam os estatutos da Internacional). Mas o giro e o esforço geral devem ser impulsionados por toda a Internacional enquanto organização. É o único meio de garantir que o processo avançará realmente e que sejam evitados erros custosos para as seções nacionais, como o de confundir traços locais com a tendência fundamental, ou de transpor mecanicamente formas particulares adotadas por outras seções em países em que as condições são diferentes, etc.
Toda uma série de exemplos poderia ser juntada a esta lista: o trabalho anti-nuclear, a campanha internacional pelo direito ao aborto, o trabalho de solidariedade à revolução iraniana, etc. Essas atividades organizadas pela Internacional de maneira correta não entravaram, mas favoreceram a construção de seções nacionais.
A Internacional deve determinar os desenvolvimentos chaves, os "elos fracos" na cadeia da reação internacional, do ponto de vista das necessidades objetivas da luta de classe e do ponto de vista da construção do partido (ela pode fazê-lo mais facilmente que as seções nacionais tomadas separadamente). Em última análise, trata-se de um reflexo dc processo de revolução permanente que se desenvolve de maneira desigual, com explosões violentas nos pontos mais fracos, com ramificações e tarefas de solidariedade internacionais, e com avanços na construção do partido que daí resultam. Isto coloca de novo a questão crucial da organização internacional, exprimindo-se através de campanhas e iniciativas internacionais reais. Mesmo no estágio atual de suas forças, em que ela está longe de contar com reais partidos revolucionários de massa em suas fileiras, a IV Internacional não pode, de modo nenhum, ser concebida como uma organização internacional que se limite a tarefas de elaboração política e programática, de propaganda e de educação internacionais. Compreendendo corretamente seu papel e suas possibilidades, e com um funcionamento correto, a IV Internacional já é capaz de organizar ações internacionais — ações que os partidos de massa existentes poderiam, evidentemente, organizar com muito mais eficácia, mas que eles se recusam a assumir, justamente porque eles deixaram de ser revolucionários há muito tempo. Alguns exemplos da história da IV Internacional fornecem a prova:
— Em fins dos anos 50, a pequena seção francesa da IV Internacional salvou a honrado movimento operário inteiro por ter sido a única organização em seu seio que exprimiu uma solidariedade e um apoio ativos à revolução argelina (diversos grupos de indivíduos externos ao movimento operário organizado agiram da mesma maneira). A IV Internacional que naquela época, era bem mais fraca que atualmente, conseguiu de fato construir a primeira fábrica de armas modernas leves para a revolução argelina, no momento em que ela estava praticamente sem nenhuma ajuda internacional material neste domínio.
— As forças da IV Internacional em todo o mundo, em meados e no fim dos anos 60, estavam ativamente engajadas — em não poucos países, a nível de direção — na organização e coordenação de ações de massa em solidariedade à revolução vietnamita. A esse propósito, é preciso, particularmente, destacar o papel desempenhado pelo Socialist Workers Party dos Estados Unidos, que a reacionária Lei Voorhis impede de ser membro da IV Internacional, mas que está em solidariedade política com ele. Desempenhando importante papel na organização de um forte movimento dc massa anti-bélico em seu pais, ele contribuiu amplamente para a vitória da revolução vietnamita, obrigando o imperialismo americano a retirar suas tropas do Vietnã.
— Em 1971, a IV Internacional foi a única organização a lançar um movimento de protesto mundial (inclusive através de sua seção local, no próprio Sri Lanka) contra o massacre da juventude revolucionária desta ilha pelo governo de Mme. Bandaranaike, apoiado por Washington, Moscou, Londres, Pequim, Nova Belhi, Islamabad, isto é, praticamente todos os Estados e poderes estabelecidos no mundo. A vida de Rohane Wijeweera, o jovem estudante J.V.P., foi praticamente salva como resultado desta campanha.
— Quando o dirigente camponês do Peru, nosso camarada Hugo Blanco, foi condenado à morte pelas autoridades de seu país, a IV Internacional organizou uma campanha mundial de defesa que lhe salvou a vida. Quando, mais tarde, ele foi exilado de seu país, pela ditadura militar, uma campanha similar foi organizada, novamente coroada de sucesso.
— Quando a ditadura franquista decadente condenou à morte seis militantes nacionalistas bascos no ignóbil processo de Burgos, em dezembro de 1970, a IV Internacional organizou poderosas ações e manifestações de massa através de toda a Europa para salvar-lhe a vida. Como resultado destas ações — e por aquelas conduzidas por outras forças — os condenados à morte não foram executados.
— Quando, após a derrubada da infame ditadura do Xá do Irá, as forças khomeinistas começaram, no verão de 1979, a reprimir a esquerda revolucionária e as minorias nacionais, a jovem organização trotskysta no Irã foi violentamente atacada porque ela teve a coragem de pronunciar publicamente sua solidariedade à nação kurda oprimida. Quatorze camaradas foram presos e condenados à morte. A IV Internacional conseguiu organizar a mais vasta campanha de solidariedade de sua história em favor destes camaradas, campanha que recebeu o apoio de muitas correntes e de organizações de massa do movimento operário europeu e do movimento sindical em outros países do mundo. Nossos camaradas iranianos não foram executados. Todos eles foram libertados posteriormente.
— A partir de 1979, a IV Internacional participou ativamente (e, em numerosos casos, tomou a iniciativa) por todo o mundo de campanhas de solidariedade às revoluções nicaraguense e salvadorenha. Estas campanhas ganharam amplitude, e trouxeram ganhos materiais para estas resoluções, em países tão diversos como o Canadá, França, Espanha, México. Colômbia, Estados Unidos, Suiça. Bélgica. Suécia e outros.
— A partir da ascensão operária no verão de 1980 na Polônia, as organizações de massa operárias social-democratas e "eurocomunis-tas" — para não falar das dirigidas pelos stalinistas inicialmente se recusaram a organizar a ajuda prática em favor dos sindicatos poloneses independentes Solidarnosc, ou foram muito reticentes em se engajar nesta via, apesar de todas as profissões de fé verbais em favor desses sindicatos. Em numerosos países, a IV Internacional foi capaz, sobretudo através de seus militantes e quadros operários e sindicais, de tomar as primeiras iniciativas para que delegações sindicais partissem para a Polônia, para estimular uma primeira ajuda material de origem operária para que fossem estabelecidas relações com o movimento operário independente renascente na Polônia, para que uma campanha se organizasse contra a ameaça de intervenção militar do Kremlin.
9. De uma organização de quadros a partidos e a uma Internacional de Massa
A última linha de resistência dos que se opõem à construção simultânea de uma Internacional revolucionária e de partidos revolucionários em escala nacional é, freqüentemente, a seguinte argumentação:
"Está certo que é preciso construir uma Internacional revolucionária. Não é suficiente haver partidos nacionais. Mas a Internacional não pode ser construída hoje. Seria prematuro agir desse modo. Seria eliminar a possibilidade de colaborar com outros revolucionários. É preciso esperar grandes acontecimentos, e a emergência de partidos revolucionários de massa em escala nacional, antes de poder criar uma nova Internacional revolucionária. É aliás, assim que surgiu a III Internacional".
Este argumento não é correto nem mesmo no que concerne aos fatos históricos. O Partido bolchevique se orientou para a construção da III Internacional antes da eclosão ou da vitória da revolução russa, desde a falência da II Internacional. Mas, mais grave ainda que este erro de analogia histórica é o fato que tal argumento está fundado na incompreensão de toda a dinâmica real através do qual verdadeiros partidos revolucionários e uma verdadeira Internacional revolucionária de massa podem surgir de fato. Em primeiro lugar, é preciso considerar que este argumento de "última instância" contra a construção de uma Internacional revolucionária antes que ela seja uma organização de massa é, na realidade, também um argumento contra a construção de organizações revolucionárias nacionais, antes que elas sejam partidos de massa. Hoje, na imensa maioria dos países, não é provável que partidos de massa revolucionários surjam imediatamente, ou em futuro muito próximo. O fato de que os adversários da construção simultânea de uma Internacional e de partidos revolucionários nacionais não apliquem, entretanto, seu argumento contra a construção imediata de uma organização revolucionária em seu próprio país demonstra a que ponto o fetichismo e o fardo das fronteiras nacionais — a tentação do "nacional-comunismo" — pesa ainda sobre eles, mesmo quando não se possa duvidar do sincero engajamento pela construção do partido revolucionário.
Na realidade, a lógica organizacional joga, com toda a certeza, no sentido oposto. Desde que se esteja de acordo com uma linha política fundamental, ela será tão melhor aplicada e terá tanto mais chances de ganhar novos aderentes se estiver melhor organizada, e se se agir de maneira coerente. É esse princípio de base que advoga em favor da organização separada dos revolucionários — tanto no plano nacional como no plano internacional. As ligações entre as diferentes seções nacionais, suas experiências comuns, o simples fato de poder se apoiar sobre muito mais lições tiradas da luta de classe viva, e sobre muitos mais cérebros capazes de tirar estas lições ao emprego de um método comum, pode e deve contribuir enormemente à elaboração e à aplicação eficaz desta linha política correta. Qualquer outra concepção substitui uma compreensão materialista da maneira como se elabora e se aplica uma linha política por uma visão idealista ingênua, partindo de "programas corretos acabados de uma vez por todas", fora do tempo e do espaço, de "líderes geniais", de "dirigentes inspirados", de "novos Lênins" e de outras frivolidades do mesmo gênero. Paradoxalmente, poder-se-ia mesmo afirmar que, justamente quando não existem ainda partidos nacionais de massa, é ainda mais importante construir simultaneamente organizações nacionais e uma Internacional revolucionárias. Porque as pressões que se exercem sobre as pequenas organizações no sentido de caírem vítimas de apreciações impressionistas, de visão curta, unilaterais, subjetivistas, etc, são colossais. Elas não podem ser neutralizadas até certo ponto senão pela integração dessas organizações em uma organização internacional. Isso não implica, evidentemente, que uma Internacional não seja mais necessária quando já existam partidos revolucionários de massa em escala nacional. Porque estes serão submetidos a outras formas de pressão, não menos perigosas. Mas tudo isso demonstra claramente até que ponto é falso todo argumento de que é preciso "esperar" antes de construir a Internacional.
E por esta razão que Trotsky estava tão resolvido a criar a IV Internacional antes que eclodisse a II Guerra Mundial — por entender que, ao final dela, as chances de construir organizações revolucionárias seriam bem mais importantes que em 1938. Ele tinha em conta o fato de que a amplitude dos acontecimentos e das pressões em escala nacional durante a guerra seriam incalculáveis. O resultado foi o que Trotsky havia previsto. As seções da IV Internacional sobreviveram à guerra e emergiram fortalecidas desta severa prova, mesmo que seu crescimento tenha sido mais lento do que Trotsky acreditara. As organizações revolucionárias "nacionais", como o PSOP francês, o SAP alemão, o POUM espanhol, o WP shachtmanista nos EUA, o RSAP holandês e muitos outros mais, foram dizimadas, dispersas e praticamente desapareceram no meio ou no fim da tormenta em consequência de confusão, de subjetivismos, de capitulações nacionais. Foi a preparação para esses grandes acontecimentos incluindo a tarefa de construir conscientemente uma organização internacional, que permitiu às organizações da IV Internacional, embora pequenas e muito isoladas no começo da guerra, vencer esta imensa prova e emergir reforçadas.
Uma experiência similar se produziu na Europa e nos EUA após o Maio de 68 na França e suas repercussões internacionais. Não foram apenas as forças da IV Internacional que saíram reforçadas desses acontecimentos e dos processos sociais subjacentes. Toda uma série de organizações que procuravam uma via revolucionária se desenvolveram na Europa e nos EUA, e, frequentemente, conheceram um crescimento mais rápido do que o das organizações marxistas-revolucionárias.
Mas a luta na Europa (sem falarmos dos EUA) é uma luta séria e de fôlego muito longo. As classes dominantes nos países imperialistas não serão derrubadas em uma ou duas grandes explosões, mas sobre a base de lutas severas e prolongadas, que exigirão muitas viradas e táticas políticas diferenciadas. As organizações que cresceram rapidamente após 68, mas que rejeitaram um programa revolucionário inteiramente coerente e uma Internacional revolucionária, na maior parte, atolaram-se em uma crise total. Na maioria dos casos, elas foram completamente fragmentadas ou foram formalmente dissolvidas (KPD na Alemanha, PT na Espanha. Lotta Continua na Itália, o MAS em Portugal, o SDS e o PL nos EUA, etc), quando se chocaram com os primeiros obstáculos sérios, antes de tudo. a contra-ofensiva burguesa na segunda metade dos anos 70.
As organizações da IV Internacional e o trotskysmo, pelo contrário, mesmo não podendo, naturalmente, escapar inteiramente aos efeitos da evolução da situação objetiva e sofrendo, consequentemente, alguns recuos, comparados aos rápidos ganhos realizados anteriormente, puderam, no essencial, conservar suas forças. Elas puderam preparar-se adequadamente para o novo ascenso das lutas, inclusive consolidando-se do ponto de vista organizacional, aumentando sua implantação na classe operária, apesar de certas perdas. Certamente, não é preciso afirmar que a diferença flagrante do resultado — crise de desintegração, senão desaparicão total, em um caso, manutenção das forças, em outro — seja devida exclusivamente à filiação internacional. Ela é devida igualmente à diferença programá-tica e política, se bem que não seja por acaso que os que puderam desenvolver a posição política mais correta para fazer face à nova situação foram, igualmente, os que compreenderam a necessidade de construir uma Internacional revolucionária.
Entretanto, o fato "organizacional" de construir uma Internacional simultaneamente com a construção de organizações nacionais, assim como todas as conclusões políticas que daí decorrem, era um fator importante para assegurar uma estabilidade política mais coerente e fundamental às nossas organizações, por permitir-lhes orientarem-se baseados nos traços principais do processo e não se perderem nos aspectos puramente conjunturais, o que foi uma das causas essenciais pelas quais os trotskystas geralmente emergiram deste período de realinhamento em melhores condições que as outras organizações de extrema-esquerda. Este aspecto "organizacional" de construção consciente de um núcleo de partidos e de uma Internacional revolucionários, mesmo quando ele ainda representa uma força muito limitada — e mais precisamente, a compreensão do fato de que todas as questões políticas têm implicações organizacionais — constitui um dos aspectos fundamentais do leninismo. A concepção segundo a qual uma organização-adequada emergirá "espontaneamente" de grandes lutas, que uma nova direção emergirá "espontaneamente", que uma estratégia adequada pode ser elaborada "espontaneamente", ou que elas poderão desenvolver-se durante uma breve período de crise revolucionária, é totalmente idealista.
É verdade que as amplas massas não poderão atingir uma consciência de ciasse revolucionária, isto é, romper fundamentalmente com o reformismo, senão em condições de explosões de lutas de massas revolucionárias, que são por natureza limitadas no tempo. Mas a organização e a direção capazes de se fundirem com essas lutas, e que, assim fazendo, também se transformam a si mesmas, devem ser preparadas com muito tempo de antecedência. Este é um dos fundamentos da dialética das revoluções e Lênin foi o primeiro a compreendê-lo e a colocá-lo na pratica: a dialética entre a criação de uma organização, de quadros e a emergência de um partido de massa revolucionário. O Partido Bolchevique de massa de 1917, com uma política revolucionária correta, era precisamente o produto de anos de trabalho de preparação de uma organização de quadros que não era ainda um partido de massa, organização que devia ser criada antes das explosões revolucionárias de 1905 e 1917. A idéia de que é preciso "esperar" grandes acontecimentos antes de começar a construir o partido e a internacional revolucionários está em ruptura total com este aspecto fundamental do leninismo e é uma recaída no espontaneísmo que ele havia combatido tão ardentemente.
Isto se depreende claramente de um exame dos erros cometidos antes de 1917 pelos grandes revolucionários que foram Trotsky, Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht, erros que não diminuem em nada seus enormes méritos e sua clarividência programática que algumas vezes ultrapassou a de Lênin antes de 1905 ou 1917. Não foi um gesto declamatório da parte de Trotsky afirmar que, sobre essa questão decisiva, Lênin teve razão, contra todos os seus adversários no movimento operário, e que era desta questão que dependia, em definitivo, o futuro da revolução.
Antes de 1914 e mesmo antes de 1917, Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht não foram confrontados, na Alemanha, com a perspectiva imediata de construir um partido revolucionário de massa. Foi preciso justamente a revolução de 1918, e as lutas explosivas que lhe seguiram, para que setores importantes do proletariado pudessem romper com o reformismo e o centrismo. Por nenhum ato "voluntarista". Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht teriam podido construir um partido revolucionário de massa antes de 1918. Mas o que era possível na Alemanha antes de 1914 era o reagrupamento em uma organização de quadros dos operários avançados, dos jovens e mulheres que já haviam rejeitado a orientação reformista da direção do SPD e dos sindicatos. Essa organização que já poderia contar com milhares de militantes educados e treinados, poderia fundir-se em partido revolucionário de massa sobre a base de uma direção sólida com dezenas de milhares de trabalhadores no inicio, e, em seguida, com centenas de milhares de trabalhadores que, entre novembro de 1918 e fins de 1920, estavam em vias de romper com o reformismo e o centrismo, e sem os quais toda possibilidade de uma vitória revolucionária na Alemanha teria, de qualquer modo, sido vazia de sentido.
A tragédia da revolução alemã é que, quando a guerra eclodiu, Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht tinham apenas algumas centenas de militantes em tomo deles, e que não eram nem mesmo politicamente homogêneos. Quando eclodiu a revolução de 1918, eles estavam impossibilitados de influenciar o ascenso do movimento de massa em profundidade. Rosa Luxemburgo foi até mesmo derrotada no seio de sua própria organização em sua luta contra um rumo fatalmente ultra-esquerdista entre novembro de 1918 e janeiro de 1919. Antes de 1917, Trotsky cometeu o mesmo erro desastroso. Não somente ele não se reuniu aos bolcheviques, o que foi o maior erro de sua vida, como ele não construiu uma organização de quadros sólida para defender sua própria linha. Em conseqüência, ele entrou na revolução russa de 1917 com um programa excelente e correto, um pequeno número de quadros brilhantes e alguns milhares de simpatizantes — o grupo dos "inter-distritais" Mezhrayonzniki — isto é, com forças organizadas tão reduzidas que não tinham nenhuma chance de construir uni partido revolucionário de massa que pudesse influenciar de maneira decisiva o curso dos acontecimentos. O que é impossível é justamente passar do nada ou de algumas centenas de militantes a um partido revolucionário de massa no sentido real do termo, mesmo na mais revolucionária das situações. Lênin, pelo contrário, antes da revolução, e mesmo nos períodos de pior reação, continuou com obstinação a construir e conservar uma organização de quadros que, em função das dimensões organizacionais que ela acabou por atingir progressivamente, pôde fundir-se com largas correntes de massa e tornar-se um partido revolucionário de massa entre fevereiro e outubro de 1917. Evidentemente, era necessário uma orientação política correta para fazê-lo, obtida graças às Teses de Abril. Mas, mesmo com a melhor orientação política do mundo, a revolução de outubro não poderia triunfar se este partido de massa não existisse. E este partido de massa não poderia ser construído sem a formação e a consolidação paciente dos quadros bolcheviques durante os 15 anos precedentes.
Contrariamente ao que pretende uma lenda que ainda persiste, os marxistas revolucionários cresceram, numericamente, de algumas dezenas antes do fim do século XIX a alguns milhares em 1905 e a aproximadamente 15 a 20.000 em fevereiro de 1917. É a partir desta base sólida que eles construíram um partido de massa de 240.000 membros em outubro de 1917. Portanto, é preciso evitar os erros espontaneístas de Rosa Luxemburgo e Trotsky no que se refere à construção de uma organização de quadros — seja no plano nacional, seja no internacional. A ausência de partidos revolucionários de massa não é, jamais, uma desculpa para não construir uma organização de quadros se há um programa comum e orientação política geral comum. Isto é verdade a nível nacional. Isto também se aplica a nível internacional. Tudo o mais é romper com a concepção leninista de organização, ou melhor é cair em ilusões espontaneístas grosseiras.
A IV Internacional hoje
É esta lição fundamental de prática política que a IV Internacional aplica hoje. Ela sabe que ainda não é uma Internacional revolucionária de massa e que esta surgirá de lutas de massa e de desenvolvimentos revolucionários de grande amplitude, que não se pode precipitar artificialmente. Mas ela sabe que é vital preparar tais partidos e tal Internacional desde agora. E isto só pode ser feito se construir-se desde agora organizações internacionais e uma organização internacional os mais fortes possíveis. As atividades e as campanhas da IV Internacional não refletem preocupações sectárias ou simples "gadgets", mas respondem às necessidades reais da luta de classe internacional. E por isto que elas ajudam o processo de construção simultâneo de organizações revolucionárias nacionais e de uma Internacional revolucionária. Os progressos realizados em escala nacional contribuem para a construção de outras seções e de toda a Internacional. Eis aqui alguns exemplos concretos que o demonstram:
— O importante papel da JCR (Juventude Comunista Revolucionária) na explosão do Maio de 68 na França, e a criação da LC (Liga Comunista) que se seguiu daí — com uma ajuda real da Internacional — representou um passo adiante importante para a construção do partido na França. Mas esse passo adiante ajudou enormemente a construção da IV Internacional em seu conjunto e a de numerosas organizações nacionais. Toda uma série de seções hoje — a seção espanhola, sueca, britânica, a seção das Antilhas, para tomar apenas os exemplos mais diretos — devem suas exigências, ou uma parte maior de -suas forças, ao fato de que elas resultam do sucesso obtido na França.
— A campanha para salvar a vida de Hugo Blanco era uma exigência de solidariedade internacional à luta das massas camponesas peruanas, independentemente de toda consideração sobre recrutamento ou construção do partido. Mas precisamente porque ela correspondia às necessidades objetivas da luta de classe, ela também permitiu um importante passo adiante na construção do partido. Hugo Blanco é hoje o líder mais conhecido entre as massas dentro toda a esquerda peruana, presidente da Confederação Nacional dos Camponeses e deputado à Assembléia Constituinte. Tudo isto foi adquirido graças ao apoio da Internacionai, e contribui ao mesmo tempo para a construção da seção peruana, para a construção de seções em outros países da América Latina, e para a construção da IV Internacional em seu conjunto.
— A campanha contra a guerra do Vietnã correspondia a considerações objetivas. Ela deveria ser levada mesmo se ela não tivesse conduzido ao recrutamento de um único militante. Mas era crucial, não-somente pelo resultado atingido pelo movimento anti-guerra nos EUA como pela construção de partidos em numerosos países e pela construção da IV Internacional, que houvesse nos EUA uma organização marxista revolucionária como o Socialist Workers Party, em solidariedade política com a IV Internacional, se bem que não filiada a ela. A existência desta organização e o papel que desempenhou no seio, do movimento anti-guerra contribuiu para a construção de seções como a da Austrália, Nova Zelândia, da Grã-Bretanha, e teve efeitos positivos para o conjunto da IV Internacional.
— A campanha da IV Internacional contra o processo de Burgos na Espanha, foi ditada por necessidades objetivas de solidariedade internacional. Mas seus resultados, refletindo precisamente este caráter correto da campanha, não apenas contribuiu para salvar a vida dos militantes como também para ganhar todo um setor dos revolucionários nacionalistas bascos para a seção espanhola da IV Internacional.
Tais atividades internacionais — e os ganhos organizacionais que resultam — não implicam, de forma alguma, em relações sectárias com outras correntes revolucionárias ou tendências em evolução para a esquerda no seio do movimento operário de massa. Ao contrário, elas ajudam a desenvolver relações fraternais com tais tendências. Revolucionários sérios não serão repelidos pelo aspecto "organizacional" de nossas atividades. Eles se posicionam em relação a nós em função de aproximações ou de desacordos políticos. As campanhas conduzidas pela IV Internacional em solidariedade à revolução argelina, vietnamita, nicaraguense, salvadorenha, com a luta em Granada ou com o ascenso impetuoso do proletariado polonês, não provocaram uma tensão em nossas relações com a FLN argelina, com os revolucionários nicaragüenses, salvadorenhos ou de Granada, com as forças que começam a agir pelo renascimento do marxismo revolucionário na Polônia, muito pelo contrario. Todas as pessoas que estão engajadas nestas lutas são pessoas muito práticas. Elas julgam as outras forças políticas em função do que elas fazem, e não do que elas dizem. A existência de uma organização internacional capaz de conduzir campanhas de solidariedade e outras atividades internacionais, é hoje um dos principais trunfos dos marxistas revolucionários, não-somente por seus resultados político-organizacionais, mas também com vistas a estabelecer contatos com outras correntes revolucionárias ou em evolução para a esquerda.
Em resumo, não é somente a teoria, ou a experiência de partidos de massa da Internacional Comunista, mas a prova concreta da luta de classe durante os últimos decênios que confirmam que a construção de organizações revolucionárias em escala nacional e a construção imediata de uma Internacional revolucionária não se opõem entre si, mas dependem uma da outra. São as duas tarefas organizacionais centrais e combinadas que todos os revolucionários, que compreendem a fundo a dinâmica da revolução permanente, devem resolver conjuntamente.