Esta guerra vai transformar a Ucrânia em ruínas e a Rússia numa grande prisão. Os meios de comunicação da oposição já estão fechados. As pessoas são enclausuradas atrás das grades por causa de panfletos, piquetes inofensivos, até mesmo por publicações nas redes sociais.
Esquerda.net, 23 de Março, 2022
Este poder dominante baseou-se nas promessas de paz e estabilidade e acabou por levar o país à guerra e à catástrofe económica.
Como qualquer outra guerra na história, a atual divide toda a gente em dos lados: pró e contra. A propaganda do Kremlin está a convencer-nos de que a nação inteira se mobilizou em torno do poder dominante. E que apenas miseráveis inveterados, liberais pró-ocidentais e mercenários do inimigo externo lutam pela paz. É uma mentira completamente insustentável. Desta vez, os anciãos do Kremlin estavam em minoria. A maioria dos russos não quer uma guerra fratricida, mesmo aqueles que ainda confiam nas autoridades russas. Fecham os olhos para não ver o mundo desenhado por propagandistas se desmoronar. Esperam ainda que o que está a acontecer não seja uma guerra, especialmente não agressiva, mas uma “operação especial” destinada a “libertar” o povo ucraniano. Imagens terríveis de bombardeamentos brutais e saques de cidades em breve destruirão estes mitos. E então até mesmo os eleitores mais leais de Putin dirão: não demos o nosso consentimento a esta guerra injusta!
Mas já no presente dezenas de milhões de pessoas em todo o país estão horrorizadas e indignadas com o que a administração de Putin está a fazer. Estas pessoas têm convicções diferentes. A maioria delas não são de todo liberais, como afirmam os propagandistas. Entre eles há muitas pessoas de esquerda, socialistas ou comunistas. E, é claro, estas pessoas – a maioria do nosso povo – são patriotas sinceros de nossa pátria.
Mentem-nos quando dizem que os opositores a esta guerra são hipócritas. Que não são contra a guerra, mas apenas apoiantes do Ocidente. É uma mentira. Nunca fomos partidários dos Estados Unidos e da sua política imperialista. Quando as tropas ucranianas bombardearam Donetsk e Lugansk, nós não ficámos em silêncio. Não fiquemos em silêncio agora enquanto Kharkiv, Kiev e Odessa são bombardeados sob as ordens de Putin e a sua camarilha.
Há muitas razões para lutar contra a guerra. Para nós, defensores da justiça social, da igualdade e da liberdade, várias delas são especialmente importantes.
- É uma guerra injusta de conquista. Não houve e não há uma ameaça tal ao Estado russo que tivesse tornado necessário enviar os nossos soldados para matar e morrer. Hoje, eles não “libertam” ninguém. Não ajudam nenhum movimento popular. É apenas o exército regular que esmaga cidades pacíficas da Ucrânia por ordem de um punhado de bilionários que sonham em manter o seu poder sobre a Rússia para sempre.
- Esta guerra leva a inúmeros desastres para os nossos povos. Tanto os ucranianos quanto os russos pagam caro por ela com o seu sangue. Mas mesmo muito longe na retaguarda, a pobreza, a inflação, o desemprego afetarão a todos. As contas serão pagas não pelos oligarcas e oficiais, mas pelos pobres professores, trabalhadores, aposentados e desempregados. Muitos de nós não teremos nada para alimentar as crianças.
- Esta guerra vai transformar a Ucrânia em ruínas e a Rússia numa grande prisão. Os meios de comunicação da oposição já estão fechados. As pessoas são enclausuradas atrás das grades por causa de panfletos, piquetes inofensivos, até mesmo por publicações nas redes sociais. Em breve os russos terão apenas uma opção: entre a prisão e o gabinete do alistamento militar. A guerra traz consigo uma ditadura que as gerações vivas ainda não viram.
- Esta guerra aumenta significativamente todos os riscos e ameaças ao nosso país. Mesmo aqueles ucranianos que simpatizavam com a Rússia há uma semana agora alistam-se nas milícias para combater as nossas tropas. Com a sua agressão, Putin anulou todos os crimes dos nacionalistas ucranianos, todas as intrigas dos falcões americanos e da Nato. Putin deu-lhes tantos argumentos que novos mísseis e bases militares quase certamente surgirão ao longo do perímetro das nossas fronteiras.
- Finalmente, a luta pela paz é um dever patriótico para cada russo. Não apenas porque somos os guardiões da memória da guerra mais terrível da história. Mas também porque esta guerra ameaça a integridade e a própria existência da Rússia.
Putin está a tentar vincular firmemente o seu próprio destino com o destino de nosso país. Se ele conseguir, a sua derrota inevitável será a derrota de toda a nação. E então pode verdadeiramente esperar-nos o destino da Alemanha do pós-guerra: ocupação, divisão territorial, culto da responsabilidade coletiva.
Só há uma maneira de evitar estes desastres. A guerra deve ser parada por nós mesmos – homens e mulheres da Rússia. Este país pertence-nos, não a um punhado de velhos loucos proprietários de palácios e iates. Chegou a hora de recuperá-lo. Os nossos inimigos não estão em Kiev e Odessa, mas em Moscovo. Está na hora de expulsá-los de lá. A guerra não é a Rússia. A guerra é Putin e o seu regime. Portanto, nós, os socialistas e comunistas russos, somos contra esta guerra criminosa. Queremos detê-la para salvar a Rússia.
Não à intervenção!
Não à ditadura!
Não à pobreza!
Texto publicado originalmente na página da Europe Solidaire Sans Frontières.