Estamos de novo numa encruzilhada. A COP-26 em Glasgow foi adiada devido à pandemia de Covid-19, mas o colapso do clima pode ter já chegado, com sinais de alerta vindos simultaneamente de todo o mundo: os incêndios florestais na Califórnia, na Amazónia e no Pantanal, as inundações no Bangladesh e no Afeganistão, o colapso nas superfícies de gelo da Gronelândia. São agora acontecimentos semanais. São os sintomas mais visíveis de um sistema condenado ao fracasso.
Instituições, ministérios, secretarias, departamentos, tratados, protocolos e acordos foram criados e assinados, mas os recordes de emissões de gases com efeito de estufa continuaram a ser batidos, como consequência do fracasso sistemático em abordar as causas profundas do problema a partir de uma perspetiva sistémica. A exigência do movimento pela justiça climática de unir os pontos entre crises sobrepostas (degradação ambiental, injustiça social, opressão racial, injustiça de género, desigualdades), que se mantêm há décadas, continua a ser ignorada.
Conseguir um mundo justo e igualitário, que respeite os limites planetários e, portanto, garanta um sistema climático seguro, implica abordar elementos intrínsecos como o colonialismo, o trabalho, o desequilíbrio de poder, a participação, ou a procura de benefícios para uns poucos à custa da maioria, só para referir alguns aspetos. Remendos e discursos vazios continuarão a não funcionar; haverá sempre uma justificação económica ou financeira para legitimar os poluidores que causaram o problema.
Dizer que as instituições não cumpriram a sua missão na luta contra as alterações climáticas pode ser o maior eufemismo da história humana. As emissões não só não diminuíram no nível necessário para nos impedir de chegar ao ponto de não retorno, como nem sequer diminuíram de todo. Desde o início das negociações climáticas, as emissões de combustíveis fósseis só diminuíram nos anos de 2008 e em 2020. Nenhum deles aconteceu devido a ações climáticas ou acordos institucionais, mas devido a crises capitalistas e sanitárias.
Mais de metade de todas as emissões de CO2 na história da humanidade aconteceram após 1994, com a criação da Organização Mundial do Comércio. Por causa disto, vivemos agora num mundo novo, com um novo clima, diferente de qualquer outro vivido pela espécie humana desde o início do Holoceno, há doze mil anos. Com a continuação destes padrões de emissões, e com um caminho de "recuperação económica" orientado pela expansão da produção e do crescimento, iremos colher os efeitos de um planeta cada vez mais inabitável, com mais áreas incapazes de sustentar os seres humanos e outras espécies.
A ciência climática dá-nos avisos fortes. No Relatório do IPCC de 2018 sobre 1,5ºC, os cientistas afirmaram, nos termos mais contundentes possíveis, que para evitar que as temperaturas globais atinjam 1,5ºC de aumento de temperatura até 2100, será necessário reduzir 50% das emissões globais de gases com efeito de estufa até 2030. Sabemos que esta será a maior revolução da história, pois mais do que desmontar um sistema energético, trata-se de uma remodelação completa dos sistemas de energia. É também por isso que existe uma resistência passiva dentro das instituições, sejam elas governos, partidos ou empresas privadas, e uma crescente resistência ativa contra qualquer ação climática, que agora lidera muitos governos em todo o mundo.
O desafio que temos pela frente implica assumir a responsabilidade com as nossas próprias mãos, e parar os poluidores, os poderosos, e a sede extrativista por mercadorias, para assegurar a sobrevivência da vida: uma vida que vale a pena viver, para todas as pessoas, não deixando ninguém para trás. A inação dos governos não nos deixa escolha.
Nós, enquanto ativistas do movimento global pela justiça climática, apelamos à ação sobre o clima e a justiça social. Não só apelamos a isso, como desenvolveremos planos territoriais para a forma como isso pode acontecer. Imaginamos e estamos a pôr em prática um acordo entre movimentos sociais e organizações não-governamentais para alcançar efetivamente os 50% de redução global das emissões de gases com efeito de estufa, sob a ótica da justiça climática. Chamamos-lhe o Acordo de Glasgow, o Compromisso dos Povos com o Clima.
O Acordo de Glasgow(link is external) baseia-se na enorme força das mobilizações globais dos últimos anos e nas experiências das últimas décadas no terreno e a nível das bases. Vamos construir inventários nacionais de emissões desagregadas, para identificar as infra-estruturas, as fábricas, as explorações agrícolas, os portos e aeroportos, os sectores económicos que precisam de ser encerrados, que precisam de ser redimensionados, que precisam de ser reconvertidos. As responsabilidades serão diferenciadas, uma vez que os países mais ricos terão de reduzir mais, de acordo com as suas responsabilidades históricas e a sua capacidade de transição, e aplicaremos a lógica das quotas justas para conseguir os justos cortes à escala global.
Este plano de ação do Acordo de Glasgow vai dar-nos a base para uma "Agenda Climática" a partir de baixo, que articule as lutas já no terreno, fornecendo um plano para alcançar a justiça climática nas suas múltiplas dimensões. Em vez de planos ditados a partir do topo, que provaram não só ser injustos e destrutivos, mas nem sequer atingir os necessários cortes de emissões, construiremos um plano próprio, a partir das bases e dos movimentos sociais, organizados nos territórios e nas diferentes regiões de todo o mundo, aplicando a lógica de transição justa para os trabalhadores e as sociedades. Reconhecemos as muitas dificuldades que irão surgir deste processo, que é de solidariedade internacional num mundo cada vez mais repressivo e egoísta. Não negamos as limitações que existem, mas afirmamos a necessidade de criar ferramentas para vencer.
A primeira assinatura do Acordo de Glasgow será em Novembro próximo, quando a COP-26 deveria estar a acontecer em Glasgow, na reunião "From the Ground Up" para a justiça climática. As instituições deixaram de funcionar, mas nós não. Nunca deixaremos de lutar por um futuro de justiça e solidariedade.
Apelamos a todos os grupos que veem a justiça climática como o coração da luta contra a catástrofe climática, todas as organizações sociais, movimentos de base, sindicatos, companheiros, camaradas, amigos, aliados, a aderirem ao Acordo de Glasgow. Transformemos o poder social a partir de baixo na roda positiva da história!
Subscritores:
Alejandra Jiménez, México
Anabela Lemos, Moçambique
Bas Breet, Países Baixos
Dib Hadra, Colômbia
Disha Ravi, Índia
Dominique Palmer, Inglaterra
Dorothy Guerrero, Reino Unido
Elijah McKenzie-Jackson, Inglaterra
Francesca Loughran, Irlanda
Ikal Angelei, Quénia
João Camargo, Portugal
Kjell Kühne, Alemanha / México
Makoma Lekalakala, África do Sul
Matilde Alvim, Portugal
Mitzi Tan, Filipinas
Nicole Becker, Argentina
Nicole Figueiredo, Brasil
Nirere Sadrach, Uganda
Nnimmo Bassey, Nigéria
Samuel Martin-Sosa, Espanha
Sherelee Odayar, África do Sul
Artigo publicado em Common Dreams(link is external). Traduzido por Luís Branco para o esquerda.net.