Lucas Zinet, 23 de setembro de 2023.
Os últimos dias foram marcados por uma sucessão de acontecimentos no campo da luta socioambiental que merecem um olhar mais detido.
No começo da semana, a chegada de uma onda de calor que atingiu quase todo o Brasil e elevou a temperatura a patamares bastante altos, representou um risco à saúde humana, à produção agrícola e à preservação ambiental.
Essa elevação da temperatura não é produto de oscilações corriqueiras do clima, é, ao contrário, indicativo e resultado de uma crise climática que não é mais um risco, mas uma realidade.
O enfrentamento dessa crise passa por uma gama vasta e complexa de desafios, um deles é nítido. A preservação de florestas tropicais é central para diminuir a elevação da temperatura na Terra.
Para encarar esse desafio, os povos indígenas deram uma imensa contribuição no último dia 21 quando o Supremo Tribunal Federal formou maioria (ainda virtual) contra a tese do marco temporal.
A tese, fruto de uma interpretação esdrúxula da constituição (típica da forma que as elites brasileiras costumam lidar com obstáculos mínimos que a legislação apresentada), visava praticamente inviabilizar a demarcação de terras indígenas no Brasil. Alegando que a proteção que a Constituição prevê para territórios indígenas só poderia ser aplicada à grupos e etnias que estivessem no território no momento de promulgação da Constituição.
Essas terras, para além de um direito etnico e cultural dos povos indígenas, são também importantes áreas de preservação de florestas tropicais.
Estudo da World Resources Institute (WRI) indica que nos diversos biomas brasileiros, as terras indígenas são as áreas de preservação ambiental mais eficiente.
Essa situação não é registrada apenas no Brasil. Conforme a ministra Sônia Guajajara vem destacando, estudo da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), aponta que cerca de 80% da biodiversidade mundial encontra-se em terras indígenas e comunidades locais.
Por isso, o debate sobre o Marco temporal é importante para toda sociedade, e não era apenas uma questão relacionada a pauta específica da preservação das terras indígenas. A onda de calor dessa semana, é simbólica para análise dos impactos das mudanças climáticas). E sobretudo, como suas consequências terão impactos maiores sobre os trabalhadores, mulheres e negros e negros e indígenas.
Conexões necessárias e lições possíveis.
Esse conflito entre elite ruralista brasileira, povos indígenas e proteção dos biomas brasileiros é bastante característico da formação social do Brasil e da crise civilizatória que tem definido as principais encruzilhadas que a humanidade enfrenta na contemporaneidade.
Em um país marcado pela intensa exploração do trabalho e apropriação da natureza, a crise climática é uma crise que acentua esses elementos da nossa formação. Desvelar a relação entre dilemas ambientais e as formas de acumulação no capitalismo, é estratégico para refutar defesas do meio ambiente que estão circunscritas à manutenção do capitalismo (capitalismo verde, eco fascismo e outras solução) e para que se busque soluções verdadeiramente ecológicas e que contribuam para os dilemas da luta social brasileira.
Rememorar que a vitória do marco temporal é também de um outro modelo de relação com meio ambiente é reforçar que na lida com a conjunção de crises que enfrentamos, a crise climática deve ser objeto de luta de todos os setores da classe trabalhadora.
É importante ressaltar que a derrota do marco temporal só foi possível pela forma como foi feita a luta dos povos indígenas nesse contexto.
A decisão do Supremo Tribunal Federal, que não consagra a formulação mais correta sobre o tema, já que indeniza invasores de terras indígenas, só foi obtida com muita luta dos povos indígenas que fizeram incontáveis marchas, acampamentos, manifestações e exigiram nas ruas a derrota da tese. Foi mantendo um elevado patamar de mobilização popular que o movimento conseguiu impor essa derrota aos grandes ruralistas brasileiros.
Além disso, o protagonismo das mulheres como lideranças dos povos indígenas é algo a ser observado pelo conjunto da esquerda
Se no capitalismo de forma geral (mas principalmente com suas características contemporâneas) a crise de um setor impacta e se expressa em todos os setores sociais, cabe à nós identificar e incidir nessa conexões nos mais diversos processos de luta. A crise climática é uma crise que precisa ser pensando pelos movimentos estudantis, pelos sindicatos, pelos movimentos da cultura e toda gama de lutas que a classe trabalhadora se envolve.
Fontes e referências
https://site-antigo.socioambiental.org/pt-br/noticias-socioambientais/terra-indigena-facilita-meta-climatica
https://www.gov.br/funai/pt-br/assuntos/noticias/2023/dia-internacional-da-biodiversidade-cerca-de-80-da-biodiversidade-mundial-encontra-se-em-terras-indigenas
Seferian, Gustavo - https://revistas.ufrj.br/index.php/rjur/article/view/24406
Lowy, Michael - https://www.scielo.br/j/ccrh/a/dZvstrPz9ncnrSQtYdsHb7D/abstract/?lang=pt