A onda marrom em escala mundial
Michael Lowy, A terra é redonda, 9 de dezembro de 2020
Jair M. Bolsonaro não é um caso único. Assistimos nos últimos anos a um espetacular ascenso, no mundo inteiro, de governos de extrema direita, autoritários e reacionários, em muitos casos com traços neofascistas: Shinzo Abe (Japão) – substituído recentemente por seu braço direito – Modi (Índia), Trump (USA) – perdeu a presidência mas continua sendo uma força política pesada – Orban (Hungria), Erdogan (Turquia) são os exemplos mais conhecidos. A isto devemos acrescentar os vários partidos neofascistas com base de massas, candidatos ao poder, sobretudo na Europa: o Rassemblement National da família Le Pen na França, a Lega de Salvini na Itália, o AfD na Alemanha, o FPÖ na Áustria, etc.
O neofascismo não é a repetição do fascismo dos anos 1930: é um fenômeno novo, com características do século 21. Por exemplo, não assume a forma de uma ditadura policial, mas respeita algumas formas democráticas: eleições, pluralismo partidário, liberdade de imprensa, existência de um Parlamento, etc. Naturalmente, trata, na medida do possível, de limitar ao máximo estas liberdades democráticas, com medidas autoritárias e repressivas. Tampouco se apoia em tropas de choque armadas, como eram as SA alemãs ou o Fascio italiano. Certo, se mobilizaram para apoiar Donald Trump vários grupos para-militares de caráter neofascista, mas nunca chegaram a tomar um caráter de massas. O mesmo vale para os grupos de milicianos que gravitam em torno de Bolsonaro e seus filhos.
Mas a diferença mais importante entre os anos 1930 e hoje se situa no terreno econômico: os governos neofascistas desenvolvem uma política econômica tipicamente neoliberal, longe do modelo nacionalista-corporatista dos fascismos clássicos.
A esquerda como um todo, com apenas algumas exceções, tem severamente subestimado esse perigo. Não viu a “onda marrom” vindo e, portanto, não viu a necessidade de tomar a iniciativa de uma mobilização antifascista. Para algumas correntes da esquerda que veem a extrema-direita como nada mais do que um efeito colateral da crise e do desemprego, são essas as causas que devem ser atacadas, e não o fenômeno fascista propriamente dito. Tal raciocínio tipicamente economicista desarmou a esquerda diante da ofensiva ideológica racista, xenofóbica e nacionalista do neofascismo.
Trata-se de um erro, partilhado por muitos na esquerda, supor que o neofascismo se fundamenta essencialmente na “classe média”. Nenhum grupo social é imune à praga marrom. As ideias neofascistas, em particular o racismo, contaminaram uma parte significativa não só da pequena burguesia e dos desempregados, mas também da classe trabalhadora. Isto é particularmente notável no caso dos Estados Unidos, onde Donald Trump conseguiu o apoio da grande maioria dos brancos no pais, de todas as classes sociais. Mas vale também para o nosso Trump tropical, Jair Bolsonaro.
O principal tema de agitação da maioria destes regimes ou partidos é o racismo, a xenofobia, o ódio ao imigrante: mexicano nos Estados Unidos, negro ou árabe na Europa, etc. Essas ideias não têm relação nenhuma com a realidade da imigração: o voto para Le Pen, por exemplo, foi particularmente alto em certas áreas rurais que nunca viram um único imigrante.
A análise “clássica” de esquerda sobre o fascismo o explica essencialmente como um instrumento do grande capital para esmagar a revolução e o movimento dos trabalhadores. Com base nessa premissa, algumas pessoas da esquerda argumentam que já que hoje o movimento dos trabalhadores está muito enfraquecido e a ameaça revolucionária não existe, o grande capital não teria interesse em apoiar movimentos da extrema-direita, de modo que o risco de uma ofensiva marrom não existiria. Esta é, uma vez mais, uma leitura economicista que não leva em conta a autonomia do fenômeno político. Os eleitores podem, na verdade, escolher um partido que não tem o apoio da grande burguesia. Além disso, esse estreito argumento econômico parece ignorar o fato de que o grande capital pode acomodar-se em todos os tipos de regimes políticos sem muito exame de consciência.
Os movimentos neofascistas na Europa
Na Europa atual (em 2021) existem atualmente poucos governos de tipo neofascista: a Hungria de Orban é o principal exemplo. Mas existe um grande numero de partidos com apoio de massas, que em alguns países são candidatos sérios ao poder.
Uma tentativa de tipologia da extrema-direita europeia atual teria de distinguir pelo menos três tipos diferentes:
(1) Partidos de caráter diretamente fascista e/ou neonazista: por exemplo, o Aurora Dourada, da Grécia (recentemente dissolvida) ; o Setor Direito, da Ucrânia; o Partido Nacional Democrata, na Alemanha; e várias outras forças menores e menos influentes.
(2) Partidos neofascistas, isto é, com raízes e fortes componentes fascistas, mas que não podem ser identificados com o padrão fascista clássico. É o caso, em diferentes formas, do Rassemblement Nacional, da França; do FPÖ, da Áustria; e do Vlaams Belang, da Bélgica, entre outros.
(3) Partidos de extrema-direita que não possuem origens fascistas mas compartilham do seu racismo, xenofobia, retórica anti-imigrante e islamofobia. Exemplos são a italiana Lega Nord, o suíço UDC (União Democrática do Centro), o britânico Ukip (Partido de Independência do Reino Unido), o holandês Partido da Liberdade, o norueguês Partido Progressista, o Partido dos Verdadeiros Finlandeses (True Finns) e o Partido do Povo Dinamarquês. Os Democratas Suecos são um caso intermediário, com origens claramente fascistas (e neonazistas), mas que têm feito grandes esforços, desde os anos 1990, para apresentar uma imagem mais “moderada”.
Como em todas as tipologias, a realidade é mais complexa, e algumas dessas formações políticas parecem tomar parte de vários tipos diferentes. É preciso também levar em conta que isso não é uma estrutura estática, mas sim em constante movimento. Alguns desses partidos parecem mover de um tipo a outro.
Os movimentos neofascistas na Europa Oriental – as antigas “Democracias Populares” – como o partido húngaro Jobbik, o Partido da Grande Romênia e o Atak, da Bulgária, assim como partidos similares nas Repúblicas Balcânicas, Ucrânia, ex-Iugoslávia etc., têm algumas características comuns que são, em certa medida, distintas dos seus equivalentes no Ocidente: (a) o bode expiatório é menos o imigrante estrangeiro do que as minorias nacionais tradicionais: judeus e ciganos; (b) diretamente conectado a esses partidos ou tolerado por eles, gangues racistas violentas atacam, e algumas vezes matam, o povo Roma [cigano]; (c) raivosamente anticomunistas, eles se consideram herdeiros dos movimentos nacionalista e/ou fascista dos anos 1930, que frequentemente colaboraram com o Terceiro Reich. O fracasso desastroso da assim chamada “transição” (para o capitalismo), sob a liderança de partidos liberais e/ou social-democratas, criaram condições favoráveis para o surgimento de tendências de extrema-direita.
Um conceito equivocado: “populismo”
O conceito de “populismo” (ou “populismo de direita”) empregado por certos cientistas políticos, mídia e até mesmo por parte da esquerda é totalmente inadequado para explicar a natureza dos movimentos neofascistas na Europa, servindo apenas para semear confusão.
Na América Latina dos anos 1930 até os anos 1960, o termo populismo correspondia a algo bem específico: governos nacionais-populares ou movimentos ao redor de figuras carismáticas – Vargas, Perón, Cárdenas –, com amplo apoio popular e uma retórica anti-imperialista. Entretanto, o seu uso francês (ou europeu) a partir dos anos 1990 é totalmente equivoco. Um dos primeiros a usar o termo para caracterizar o movimento de Le Pen foi o cientista político P.-A. Taguieff, que definiu populismo como “um estilo retórico que está diretamente ligado com o apelo ao povo"[1]. Outros cientistas sociais se referem ao populismo como “uma posição política que toma o lado do povo contra as elites” – uma caracterização que serve para quase todo partido político ou movimento! Quando aplicado ao Rassemblement Nacional ou outros partidos europeus da extrema-direita, esse pseudoconceito transforma-se em um eufemismo enganoso que ajuda – seja deliberadamente ou não – a legitimá-los, tornando-os mais aceitáveis ou mesmo atraentes – quem não é a favor do povo contra as elites? – enquanto cuidadosamente se evitam os termos perturbadores racismo, xenofobia, neofascismo.[2] “Populismo” também é usado deliberadamente de uma forma mistificadora por ideólogos neoliberais e pela mídia na Europa, a fim de fazer um amálgama entre a extrema-direita, por exemplo, na França, e Rassemblement National (RN) da família Le Pen, e a esquerda radical, a France Insoumise de Jean-Luc Melanchon, caracterizados como “populismo de direita” e “populismo de esquerda”.
Jean-Yves Camus, respeitado cientista político francês, explicava que partidos como o RN poderiam ser chamados de “populistas” enquanto eles “fingem substituir a democracia representante pela democracia direta” e opõem o “senso comum popular” contra as “elites naturalmente pervertidas”. Esse é um argumento muito equivocado, já que o apelo à democracia direta, a crítica da representação parlamentar e das elites políticas é muito mais presente entre os anarquistas e outras correntes políticas de extrema-esquerda do que entre a extrema-direita, cujo projeto político enfatiza o autoritarismo. Felizmente, Camus, que é um dos melhores especialistas sobre a extrema-direita francesa e europeia, recentemente corrigiu seu ponto de vista, argumentando, em 2014, que se deve evitar o emprego do termo “populismo”, que tem sido usado “a fim de desacreditar qualquer crítica do consenso ideológico neoliberal, qualquer questionamento sobre a bipolarização do debate político europeu entre os liberais conservadores, qualquer expressão nas urnas do sentimento popular de desafio do mau funcionamento da democracia representativa”.[3].
O caso brasileiro: o neofascismo de Bolsonaro
Jair Bolsonaro não é nem Hitler nem Mussolini, apesar de adotar algumas posturas mussolinianas. Certo, um de seus ministros teve a infeliz ideia de citar Göbbels, mas teve que se demitir…
Tampouco é uma nova versão de Plinio Salgado e seus «galinhas verdes» integralistas, admiradores do fascismo europeu. Se trata de um fenômeno novo, com características próprias.
O que Bolsonaro tem em comum com o fascismo clássico é o autoritarismo, a preferência por formas ditatoriais de governo, o culto do Chefe (“Mito”) Salvador da Pátria, o ódio à esquerda e ao movimento operário. Mas não dispõe de condições de estabelecer uma ditadura, um regime fascista. Seu desejo, abertamente evocado por seus filhos, seria de impor um novo AI-5, dissolvendo o Superior Tribunal Federal [STF] e colocando fora da lei sindicatos e partidos de oposição. Mas lhe falta para isto o apoio tanto das classes dominantes quanto das Forças Armadas, pouco interessadas, no momento, por uma nova aventura ditatorial.
O autoritarismo de Bolsonaro se manifesta, entre outras, no seu “tratamento” da epidemia, tentando impor, contra o Congresso, contra os governos dos estados, e contra seus próprios ministros, uma politica cega de recusa das medidas sanitárias mínimas, indispensáveis para tentar limitar as dramáticas consequências da crise (confinamento, vacinação, etc.). Sua atitude tem também traços de social-darwinismo (típico do fascismo): a sobrevivência dos mais fortes. Se milhares de pessoas vulneráveis – idosos, pessoas de saúde frágil – vierem a falecer, é o preço a pagar: “O Brasil não pode parar”!
Outro aspecto especifico do neofascismo bolsonarista é o obscurantismo, o desprezo pela ciência, em aliança com seus apoiadores incondicionais, os setores mais retrógrados do neopentecostalismo evangélico. Esta atitude, digna do terraplanismo, não tem equivalente em outros regimes autoritários, mesmo os que têm por ideologia o fundamentalismo religioso. Max Weber distinguia religião, baseada em princípios éticos, e magia, a crença nos poderes sobrenaturais do sacerdote. No caso de Bolsonaro e seus amigos pastores neopentecostais (Malafaia, Edir Macedo, etc.) se trata mesmo de magia ou de superstição: parar a epidemia com “orações” e “jejuns”…
Embora Bolsonaro não tenha conseguido impor o conjunto de seu programa mortífero, ele contribui de forma notável para fazer do Brasil o segundo país mais atingido (depois dos Estados Unidos de Trump), em número de mortes, em escala internacional.
Como se sabe, o grande modelo político para Bolsonaro é Donald Trump. Certo, Bolsonaro não representa uma potência imperialista como os Estados Unidos! Além disso ele não conta com o apoio de um grande partido conservador, como é o caso do Partido Republicano norte-americano, que controla metade do Congresso e do Senado. Mas eles têm vários elementos em comum, além do estilo grosseiro, vulgar, machista e provocador:
(I) O ódio à esquerda. Trump denuncia todos seus adversários, mesmo os mais moderados, como responsáveis de uma conspiração para impor o “socialismo” nos Estados Unidos. Para Bolsonaro o o anticomunismo é uma verdadeira obsessão, num clima de ódio exacerbado fora de qualquer contexto internacional (a Guerra Fria já acabou há trinta anos). Seu maior desejo seria “matar 30 mil comunistas” para “limpar o Brasil”, sendo que o termo “comunismo” se refere a qualquer força politica moderadamente progressista (como o PT).
(II) A ideologia repressiva, o culto da violência policial, a defesa da pena de morte, e o estimulo à difusão massiva das armas de fogo. A impunidade dos policiais responsáveis pela morte de inúmeros inocentes, geralmente de cor negra, é um princípio fundamental para ambos. Bolsonaro há anos era um dos líderes da “bancada da bala” no Congresso Nacional e sua relação com bandos paramilitares – entre os quais se recrutaram os assassinos de Marielle Franco – é conhecida. Quanto à Trump, o lobby das armas (National Rifle Association) é um de seus principais sustentáculos.
(III) A retórica nacionalista, “America First”, “O Brasil acima de tudo”, sem que se coloque em questão a globalização capitalista neoliberal. Uma característica essencial do neofascismo de Bolsonaro é que, apesar de seu discurso ultranacionalista e patrioteiro, é completamente subordinado ao imperialismo americano, do ponto de vista econômico, diplomático, político e militar. Isto se manifestou também na reação ao coronavírus, quando se viu Bolsonaro e seus ministros imitarem Donald Trump, culpando…os chineses pela epidemia.
(IV) O negacionismo climático. Enquanto Trump se retirava dos acordos de Paris e destruía todos os controles e obstáculos à desenfreada exploração do carvão, do petróleo e do gás, em aliança estreita com a oligarquia fóssil, Bolsonaro aproveitou a crise do Covid 19 para (nas palavras de seu Ministro do Meio Ambiente) “deixar passar a boiada” na Amazônia. Resultado: os maiores incêndios na Amazônia nas últimas décadas e uma feroz ofensiva do agronegócio contra a floresta e seus defensores indígenas – estes “inimigos do progresso” segundo Bolsonaro.
Com a derrota eleitoral de Trump, Bolsonaro perdeu seu principal apoio internacional, e suas veleidades autoritárias e ditatoriais se veem prejudicadas. É difícil imaginar um golpe tipo AI-5 no Brasil atual sem a luz verde do império americano, o que poderia ter sido o caso na época de Trump, mas não com a nova administração americana (que defende outras modalidades de política imperialista).
O governo de Jair Bolsonaro, embora tenha algumas semelhanças com os movimentos neofascistas da Europa, apresenta várias características específicas. Vejamos algumas das principais diferenças, que fazem do bolsonarismo um fenômeno sui-generis:
( 1) Enquanto na Europa existe, em vários países, uma continuidade política e ideológica entre movimentos neofascistas atuais e o fascismo clássico dos anos 1930, isso não ocorre no Brasil. O fascismo brasileiro, o integralismo, chegou a ter bastante peso nos anos 1930, inclusive influenciando o golpe do Estado Novo, em 1938. Mas o bolsonarismo tem pouca relação com essa matriz antiga; sua principal referência é bem mais a ditadura militar (1964-1985) brasileira, com seu clima de “caça aos comunistas”. Como se sabe, o ídolo politico de Bolsonaro é o Coronel Brilhante Ustra, responsável do DOI-CODI em São Paulo, onde foram torturados ou assassinados inúmeros militantes da resistência contra a ditadura.
(2) Não existem no Brasil, como na Europa, partidos de massas neofascistas. Bolsonaro, embora tenha uma base popular significativa, nunca foi capaz de organizar um grande partido; para se eleger, se afiliou ao pequeno PSL (Partido Social Liberal), com o qual acabou rompendo pouco depois.
(3) Contrariamente à Europa (e aos Estados Unidos, com Trump), o neofascismo no Brasil não fez do racismo sua principal bandeira. Temas racistas não estiveram ausentes da campanha eleitoral de Bolsonaro, mas de forma alguma era esse o seu assunto principal. Um partido brasileiro que tentasse fazer do racismo seu programa fundamental nunca teria 25% dos votos como em vários países da Europa, ou 45% como nos Estados Unidos…
(4) O tema da luta contra a corrupção está presente entre os neofascistas da Europa, mas de forma relativamente marginal. No Brasil é uma velha tradição, desde os anos 1940, dos conservadores: levanta-se a bandeira do combate à corrupção para justificar o poder das oligarquias tradicionais e, segundo o caso, legitimar golpes militares. Na campanha de Bolsonaro foi um tema essencial, falsamente apresentando o Partido dos Trabalhadores (PT) como o único responsável pela corrupção.
(5) A homofobia não é um tema de campanha frequente na extrema-direita europeia, como algumas exceções. O Brasil tem uma longa tradição de cultura homofóbica, mas isto nunca foi assunto de luta politica. Com o neofascismo de Bolsonaro, em aliança com as Igrejas neopentecostais, se tornou, pela primeira vez na história, um dos temas principais de sua campanha eleitoral, denunciando o PT, num verdadeiro diluvio de fake news, como instigador de um programa visando “a transformar as crianças brasileiras em gays”.
Enfraquecido pelo vários escândalos políticos e financeiros envolvendo sua família, pela catástrofe sanitária e pela derrota de seu protetor internacional (Trump), Bolsonaro consegue se manter no poder graças ao apoio das classes dominantes brasileiras – o agronegócio, a oligarquia industrial e financeira – e da classe política corrupta e oportunista que controla a Câmara dos deputados e o Senado. Para a burguesia brasileira, o essencial é o programa neoliberal – redução dos impostos, arrocho salarial, cortes dos gastos públicos, privatizações, etc. – representado pelo ministro Guedes. Além disso, ele ainda conta com o apoio de parcela importante da população brasileira, motivada pelo neopentecostalismo reacionário, ou pelo ódio ao PT.
O combate da esquerda e das forças populares brasileiras contra o neofascismo ainda esta no começo; será preciso mais do que algumas passeatas ou alguns simpáticos protestos de caçarolas para derrotar esta formação política teratológica. Certo, mais cedo ou mais tarde o povo brasileiro vai se libertar deste pesadelo neofascista. Mas qual será o preço a pagar até lá?
Não há nenhuma receita mágica para combater a extrema-direita neofascista. Devemos nos inspirar – com uma distância crítica apropriada – nas tradições antifascistas do passado, mas também devemos saber como inovar, a fim de responder às novas formas desse fenômeno. O movimento antifascista só será eficaz e crível se for motivado por forças situadas fora do consenso neoliberal dominante.
O sistema capitalista, sobretudo nos períodos de crise, produz e reproduz fenômenos como o fascismo, o racismo, os golpes de Estado e as ditaduras militares. A raiz desses fenômenos é sistêmica e a alternativa tem de ser radical, antissistêmica. Isto é, um socialismo libertário e ecológico que supere os limites dos movimentos socialistas do século passado – o compromisso socialdemocrata com o sistema e a degeneração burocrática do chamado “socialismo real” –, mas recupera as tradições revolucionárias brasileiras, de Zumbi dos Palmares e Tiradentes à Carlos Marighella e Chico Mendes.
*Michael Löwy é diretor de pesquisas do Centre National de la Recherche Scientifique (França). Autor, entre outros livros, de Marxismo contra positivismo (Cortez).
Notas
[1] P.-A. Taguieff, Le populisme et la science politique, Vingtième siècle, 1997. p. 8.
[2] Ver o interessante livro de Annie Collovald. Le “populisme du FN”, un dangereux contresens. Broissieux: Editions du Croquant, 2004. p. 53 e 113. (Col. Raisons d’agir.)
[3] Jean-Yves Camus. Extrêmes droites mutantes en Europe. Le Monde Diplomatique, p. 18-19, mar. 2014.