Cesar Calejon, UOL, 26 de novembro de 2021
Etimologicamente, o termo democracia tem origem em dois vocábulos gregos: "demos" significa "povo" ou "muitos" e "kracia" quer dizer "governo" ou "autoridade". Ou seja, em tese, trata-se do "governo do povo". A maior parte da população, contudo, acredita que o regime democrático se resume a, simplesmente, votar para eleger os seus candidatos a cada dois anos, o que representa uma redução grotesca do que de fato caracteriza um regime democrático.
A existência de uma imprensa livre, a soberania nacional, a representação dos interesses da nação junto à sociedade internacional, o respeito aos direitos políticos e às liberdades civis e a validade das instituições que garantem o cumprimento dos parâmetros consagrados na Carta Magna, por exemplo, são apenas alguns dos aspectos que precisam vigorar para a manutenção desse regime de governo, ainda que ele seja imperfeito e suscetível a críticas de todas as ordens. Nesse sentido, Sergio Moro representa o maior risco à democracia brasileira em 2022.
Todas essas dimensões, legitimamente democráticas, foram brutalmente atropeladas pelo ex-juiz e ex-ministro bolsonarista, que, fundamentalmente, rasgou a Constituição brasileira. Enquanto figura central da Operação Lava Jato, Moro agiu em conluio com membros do Ministério Público Federal, manipulou a imprensa, foi instruído e compactuou com forças estrangeiras que pretendiam (e conseguiram) desestabilizar a democracia brasileira e cerceou as liberdades individuais e os direitos políticos de cidadãos.
"Não dá para flertar com o autoritarismo", afirmou Moro na semana passada ao criticar o ex-presidente Lula — e superando os limites da desfaçatez —, considerando a posição do petista sobre regimes latino-americanos.
De certa forma, a fala não surpreende. Moro é uma contradição ambulante. Ele já disse que jamais entraria para a política e se vendeu, durante anos, como uma figura erudita capaz de conduzir com maestria os ritos do Poder Judiciário. Anos depois, passa a concorrer pela chefia do Executivo e chegou a escrever "imprecionante" com C e o famoso "conje" que o perseguirá até o fim de sua biografia.
Ou seja, na visão do lavajatismo e da parcela mais elitista da população brasileira, a ignorância e o autoritarismo até podem ser aplicados, contanto que sejam avançados por homens, brancos, trajando ternos caros e com pinta de super-herói para defender os seus próprios interesses — ou os estadunidenses.
Em recente entrevista concedida à advogada Sara Vivacqua, o ex-agente da CIA, John Kiriakou, detalhou extensivamente como as instituições dos Estados Unidos (CIA, FBI, Departamento de Estado, Departamento de Justiça, Departamento do Tesouro etc.) atuam, em outros continentes, para eleger governantes que lhes convenham, sobretudo, nas searas política e econômica.
"Essa não é uma teoria da conspiração. Esse é um excelente exemplo da interferência dos Estados Unidos nos assuntos internos de outro país. (...) Trata-se de um esforço concertado dos elementos mais importantes do governo americano para, essencialmente, instalar líderes no exterior de quem eles gostem e que apoiarão a agenda americana", garante Kiriakou, em ampla medida, confirmando o que a população brasileira veio conhecer a partir da chamada Vaza Jato.
Na prática, anos depois do atentado que foi capitaneado por Moro contra a democracia e a soberania do Brasil, o país vende petróleo cru para o exterior e compra gasolina por meio de um processo de paridade de preço com o mercado internacional, para satisfazer a parcela de acionistas privados da Petrobras, para os quais a empresa dobrou a remuneração, enquanto o brasileiro médio, que caiu na falácia do combate à corrupção, paga mais de R$ 6 o litro do combustível e enxerga o retorno do fantasma da inflação que nos assombrou por tanto tempo. Naturalmente, Moro também disse, recentemente, que não teria problema em privatizar completamente a Petrobras.
Ainda nessa entrevista à advogada Vivacqua, Kiriakou é categórico ao apontar a única saída para essa situação: "a única forma de fazer com que esse processo pare (a ingerência estadunidense) é por meio da educação e do desenvolvimento econômico".
Sem o esclarecimento da maior parte da população nesse sentido, a democracia e a soberania do Brasil estarão permanentemente em risco.
Cesar Calejon é jornalista, com especialização em Relações Internacionais pela FGV e mestrando em Mudança Social e Participação Política pela USP (EACH). É escritor, autor dos livros A Ascensão do Bolsonarismo no Brasil do Século XXI (Kotter) e Tempestade Perfeita: o bolsonarismo e a sindemia covid-19 no Brasil (Contracorrente).