Isolda Benício, 23 de fevereiro, para o insurgencia.org
Canos quebrando, gelo acima de um cm, pessoas congelando, e às vezes morrendo, dentro das suas próprias casas e na rua. Enormes cidades há dias sem energia elétrica, ou seja, nada de calefação. Desacostumados com frio e nevasca , vários habitantes do estado norte-americano do Texas escorregaram, bateram a cabeça e morreram. Esse é o cenário caótico que se encontra o Texas, conhecido por seu clima geralmente quente e seco e sua maioria conservadora, quando não diretamente trumpista. Nem o apoio de Beyoncé conseguiu evitar a derrota de Joe Biden para Donald Trump no estado. O senador texano Ted Cruz, que disputou as eleições internas do Partido Republicano, decidiu passar essa grande crise de seu estado em Cancún, em férias com a família.
Joe Biden, no seu segundo mês de Presidência, ainda em meio à tragédia pandêmica, já se vê obrigado a declarar estado de emergência no segundo maior estado do EUA.. A reunião do conselho que fiscaliza o fornecimento de energia na província é só dia 25 (quinta-feira). A energia utilizada na região Texas-Oklahoma é majoritariamente solar e eólica, com participação do gás natural. Com a chegada dessa frente fria polar que fez a temperatura ir de 6º positivos a 22º negativos, os equipamentos de geração congelaram e pararam de funcionar. O fornecimento de gás nos EUA é por encanamento, não muito comum no Brasil, e as turbinas de vento que geram eletricidade para abastecer as casas também congelaram.
Com a oscilação de temperatura a água congelou e descongelou rápido, fazendo os canos se expandirem e explodirem quando as pessoas tentaram ligar suas torneiras de novo. Resultado: milhares de casas alagadas com água congelante e pessoas morrendo de frio dentro de suas próprias residências. Em um estado onde há lugares que até ser sem-teto é ilegal, faltam abrigos para proteger tanta gente. As paredes das casas da região são bastante finas, podendo ser de gesso, papel-cartão e/ou madeira, completamente inapropriados para uma nevasca, pois ninguém esperava uma nevasca no Texas.
Mas a nevasca não era mesmo de se esperar? Esse acontecimento escancara que ter a maior quantidade de capital no planeta não assegura, nem de perto, riqueza e luxo para sua população. Muito pelo contrário, a deixa sem o básico. Em um país onde a competição é a regra e qualquer planejamento é considerado coisa da esquerda, a preparação e prevenção de desastres dá lugar a atos de solidariedade e tentativas de se reparar o que pode ser reparado.
Em meio a esse desastre claramente causado pelo aquecimento global, que provoca os chamados “eventos extremos”, mesmo de frio como esse, o governador texano Greg Abbott tenta colocar a culpa do desastre nas energias limpas utilizadas na região, solar e eólica. O que é fácil de refutar, pois água, energia e gás estão voltando em lugares onde estão instalando aquecedores nos geradores. Além do mais, a maioria dos motores nas estações de energia são movidos a combustível fóssil.
O que aconteceu foi falha da tão famosa gestão público-privada, que nos vendem como algo tão positivo no mundo inteiro e no Brasil em particular. E o que o Partido Republicano e ultraconservadores adoram fazer é colocar a culpa de tudo em ações ecoconscientes. É uma estratégia suja que protege a cultura da queima do combustível fóssil, que (des)regula a economia mundial com a cotação do barril de petróleo e inflação descontrolada. Tudo fica mais caro, e pra quem ganha dinheiro todo dia com seus investimentos globalizados, múltiplas empresas e exploração massiva de mão-de-obra, o preço do tomate é irrelevante. Mas pra quem não faz parte do 1% mais rico do planeta, é o fim do mundo.
O nível de crueldade é ver ex governador do Texas, Rick Perry, que incentiva recusa de fundos vindos do governo federal por parte do Texas. Biden já expressou que quer visitar o estado e oferece recursos federais, mas teme a recepção da população e figuras políticas locais, dando desculpas de “não querer ser um incômodo”. Diante de tanto desastre, podemos pelo menos comemorar que Biden continua afirmando que mudança climática é real, embora reconhecê-la seja muito pouco para quem está morrendo de frio e sede.
O secretário-geral das Nações Unidas, Antonio Guterres, comemorou a volta dos EUA, sob Joe Biden ao Acordo de Paris, que determina metas de redução de gases do efeito-estufa. O tratado foi abandonado pelos EUA na gestão de Donald Trump desde 2017. Essa atrocidade trumpista e a chegada de Bolsonaro à Presidência do Brasil em 2019 com sua boiada anti-ambiental, com certeza aceleraram a resposta da natureza diante tanta queima.
Enquanto isso, a mídia corporativa tenta vender como geniais as soluções propostas pelos bilionários “amigos do meio ambiente”. Bill Gates escreve sobre energia limpa e mudar o clima, mas poderia ter evitado muitos danos à natureza se tivesse feito o conglomerado Microsof focar em reciclagem na produção de hardware. De que adianta, por exemplo, fazer pesquisas sobre reciclagem e projetos mirabolantes sobre colonizar (sic!) outros planetas, quando você declara ao New York Times que nem você nem sua família vão tomar vacina contra a Covid-19? Esse é o comportamento de Elon Musk, que foi barrado pela NASA, por ter testado positivo de coronavírus, quando tentou acompanhar quatro astronautas da sua empresa SpaceX.
De um lado, temos a velha e obsoleta indústria petroleira e petroquímica lutando contra a extinção, do outro, temos as empresas e empresários que se pintam de ecoconscientes para iludir um público sedento por qualquer melhora. Assim, se vê que a única diferença entre a direita tradicional, defensora do fossilismo, e a direita “alternativa”, ou do “capitalismo verde”, é que essa última se aproveita de pautas ambientalistas para iludir o público. O que é necessário e se exige dos governos de forma desesperada é transformado por burgueses e políticos supostamente verdes em palanque eleitoral e produtos que prometem revolucionar, mas nunca numa só dose. A atual voz mais forte da esquerda estadunidense, Bernie Sanders, desistiu da disputa interna do Partido Democrata à Presidência. Logo, é difícil saber se veremos o Estado aplicar os impostos da união de forma responsável, construir instituições públicas transparentes e de qualidade, ou continuar entregando a vida do povo na mão de empresários. Democracia e cuidados ecossociais não combinam com comércio, pois não se coloca preço em nenhuma vida.
Isolda Benício é comunicadora popular, cantora/compositora e militante da Insurgência Piauí.