Morreu aos 73 anos de idade o antigo guerrilheiro Hugo Torres Jiménez, brigadeiro-general reformado e prisioneiro político por ordem de Daniel Ortega e Rosario Murillo desde junho de 2021.
Matthias Schindler, Esquerda.net, 15 de fevereiro de 2022
A 13 de Junho de 2021, durante uma caça a pessoas da oposição política pelo regime de Ortega-Murillo, a polícia prendeu o antigo guerrilheiro sandinista por volta das duas da tarde, depois de invadir a sua casa em Manágua.
“Tenho 73 anos de idade. Nunca pensei que, nesta fase da minha vida, estaria de novo a lutar [nesta vez] de forma civil e pacífica contra uma nova ditadura”, disse Torres num vídeo (ver abaixo) tirado pouco antes da sua detenção e acrescentou que “estes são ataques desesperados de um regime que acredita estar a morrer, que não tem base legal e que não tem justificação nenhuma para permanecer no poder.”
Uma declaração da polícia dizia que Torres tinha sido detido por “atos que minam a independência, soberania e autodeterminação” de Nicarágua. A base para isto, dizia, era a Lei 1055, também chamada Lei de Soberania, que o regime aprovou em dezembro de 2020 e sob a qual pessoas são declaradas traidores à pátria e ameaçadas com duras penas se apoiarem sanções externas contra o governo ou cidadãos da Nicarágua.
Em 1974, Torres, como um dos líderes de um comando, tinha libertado prisioneiros políticos – entre eles estava o atual governante Daniel Ortega – ao fazer reféns altos funcionários da ditadura de Somoza.
Três anos e meio depois, Torres, conhecido como Comandante Uno, também participou na tomada do Palácio Nacional por um comando da Frente Sandinista (FSLN) para libertar outra vez quase 60 prisoneiros políticos, entre eles altos dirigentes da FSLN. Esta tomada do Palácio anunciava o fim da ditadura de Somoza. Hugo Torres é a única pessoa que participou nestas duas ações mais emblemáticas da luta de libertação da FSLN.
No exército que foi construído durante a revolução sandinista, ascendeu à categoria de general brigadeiro e reformou-se em 1998. Como pessoa privada, tornou-se um dos mais duros críticos da liderança autoritária do seu ex-companheiro Ortega, que voltou a governar o país desde 2007.
Nas últimas semanas, começaram os julgamentos criminais de cerca de 170 prisioneiros políticos. A maioria deles é acusada de “traição contra a pátria” ou “interferência na soberania nacional”.
A 3 de fevereiro, Dora María Téllez, de 66 anos, outrora uma célebre comandante guerrilheira e também participante na invasão do Palácio Nacional em 1978 e posteriormente Ministra da Saúde, foi condenada a oito anos de prisão após oito meses de detenção preventiva por “incitar à ingerência estrangeira nos assuntos internos”. Ela tinha enviado tweets do ex-diretor da Human Rights Watch e uma carta para o Senado dos EUA a pedir sanções contra o regime de Ortega.
O estudante Lesther Alemán recebeu 13 anos de prisão ao abrigo do mesmo parágrafo. Ele tinha pedido num discurso impactante (ver abaixo) a demissão de Ortega num diálogo nacional em 2018. Na altura, metade do país estava numa revolta contra o regime, que foi então violentamente reprimida.
O jornalista Miguel Mora, cujo canal de televisão online 100% Noticias transmitiu em direto o protesto em 2018, também recebeu 13 anos de prisão. Os julgamentos decorrem à porta fechada na prisão conhecida como El Chipote. Os membros da oposição já lá estavam presos e torturados sob a égide de Somoza. Para Vilma Núñez, presidente do agora proibido Centro dos Direitos Humanos CENIDH, as condições são ilegais. Eram mais justos mesmo sob o regime de Somoza.
Os advogados foram agora interrompidos pelos juízes ou não foram de todo autorizados a falar. Para Núñez, os juízes e procuradores são “cúmplices dos crimes” cometidos contra os prisioneiros. Mais membros da oposição deverão ser condenados nas próximas semanas.
Em 1974, o antigo guerrilheiro arriscou a sua vida para libertar prisioneiros políticos da ditadura de Somoza, entre eles Ortega, que agora o mandou para a prisão e partiu para lá para morrer.