A guerra contra os Mapuches é uma guerra colonial de espoliação, emm linha com a conquista europeia e a mal denominada Pacificação da Araucanía, no século XIX
Raul Zilbech, IHU-Unisinos, 15 de agosto de 2020
Desde que o pinochetista Víctor Pérez assumiu o Ministério do Interior, a guerra contra o povo Mapuche ganhou intensidade e brutalidade. Com sua nomeação como chefe de gabinete, o presidente Sebastián Piñera guinou seu governo para a extrema direita que usa o racismo e a violência para intimidar os povos.
Um dos fatos mais graves ocorreu na noite de primeiro de agosto, quando civis armados apoiados pelos Carabineiros atacaram aos mapuche que ocupavam os municípios de Curacautín, Ercilla, Victoria e Traiguén, com violência e gritos racistas. As gangues armadas foram ativadas horas depois da visita do ministro Pérez a Wallmapu, onde proclamou o clássico discurso de ódio e repressão.
A atual ofensiva responde a duas situações: de um lado, a crise do governo chileno, enfraquecido pela revolta social iniciada em novembro e que nunca parou, apesar da pandemia, dos estados de emergência decretados e da militarização imposta. A base social e política de Piñera estava desmoronando, o que permitiu ao Parlamento que votasse uma medida na contramão da privatização dos fundos de pensão, que permite aos poupadores sacar 10% de seus fundos.
Para reconstruir seu apoio, Piñera decidiu fazer o que a publicação El Mostrador descreve como um aceno ao setor mais duro da direita para enfrentar a dupla revolta chilena e Mapuche e defender a Constituição pinochetista de 1980. O novo ministro se cercou de um “círculo de ferro” com personagens que têm fluídas relações com empresários agrícolas, cujas terras, usurpadas na chamada Guerra da Araucanía (1861-1883), estão em disputa com comunidades autônomas da região de Ercilla.
A segunda e decisiva é a ampla mobilização mapuche no sul, em apoio à greve de fome por tempo indeterminado do machi (autoridade religiosa) Celestino Córdova, condenado a 18 anos de prisão pela morte do casal Luchsinger Mackay, durante um incêndio em sua fazenda, em 2013. A greve de fome exige o cumprimento do disposto na Convenção 169 da OIT, que permite a ele continuar a pena em sua comunidade.
A solidariedade com Celestino está mobilizando dezenas de organizações e comunidades, desafiando a pandemia e a militarização. Durante a greve de 100 dias de Celestino, à qual se juntaram 27 reclusos das prisões de Temuco, Angol e Lebu, formou-se uma rede de apoio liderada principalmente por mulheres, que se tornaram as suas porta-vozes e promotoras das manifestações que sofreram ataques e violência dos Carabineiros.
O Estado, denuncia o editorial do meio de comunicação digital Mapuexpress, atuou com indolência diante da pandemia nas terras mapuches e frente à greve de fome. A repressão chegou a impedir, em maio, que os horticultores mapuches vendessem seus produtos, apesar de passarem por momentos de extrema necessidade.
Enquanto reprimia as vendedoras de hortaliças, por outro lado, o governo promoveu o ingresso massivo de projetos extrativistas no Serviço de Avaliação Ambiental, num momento em que a principal preocupação das comunidades e organizações mapuches é conter o avanço da Covid-19.
Age assim, como denunciou Mapuexpress, num momento em que os processos de participação cidadã estão suspensos e as Associações de Funcionários Públicos dos Serviços Estaduais de Meio Ambiente solicitaram a suspensão dos prazos das avaliações ambientais, devido à impossibilidade de avaliação dos megaprojetos e de socializá-los com as comunidades.
Em poucas palavras, aproveitam a pandemia para intensificar a desapropriação, algo que ocorre em toda a América Latina, como testemunha a aceleração das obras do Trem Maia e do Corredor Interoceânico no México.
Duas considerações a mais: a guerra contra o povo mapuche é uma guerra colonial de espoliação, em concordância com a conquista europeia e a mal denominada Pacificação da Araucanía, no século XIX, arrematada por Pinochet quando transferiu à iniciativa privada as seis florestas estatais, entre 1976 e 1979. O povo mapuche exige a devolução de 3 milhões de hectares, roubados durante este longo ciclo de espoliação, e hoje nas mãos de empresários e multinacionais. O racismo é um instrumento da neocolonização.
Em anos recentes, emergiu um conjunto de organizações com forte presença juvenil e feminina, que retomam e aprofundam a importante luta da Coordenação Arauco Malleko, dos anos 1990. Trata-se da Aliança Territorial Mapuche, Parlamento de Koz Koz, Identidade Territorial Lafkenche (povos costeiros), cooperativas, associações de mulheres, casas estudantis, comunidades autônomas e meios de comunicação que se reafirmam no caminho da autonomia e a autodeterminação.
Reproduzido de IHU-Unisinos. A tradução é do Cepat.