Marco Gonsales
O livro Uberização, Trabalho Digital e Indústria 4.0 é mais uma excelente obra organizada pelo sociólogo Ricardo Antunes [1] que nos brinda com a apresentação de importantes pesquisas desenvolvidas no âmbito do projeto Trabalho intermitente e Indústria 4.0: complexificando a nova morfologia do trabalho, uma parceria entre o Ministério Público do Trabalho (PRT 15ª Região) e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). São dezenove capítulos, divididos em duas partes, realizados por vinte e um pesquisadores e pesquisadoras, entre brasileiros e estrangeiros, que expõem os resultados das suas investigações e reflexões críticas sobre o avanço da Indústria 4.0 e suas consequências ao universo laborativo em diversos setores da cadeia produtiva.
O capítulo Trabalho intermitente e uberização do trabalho no limiar da Indústria 4.0, do próprio professor Ricardo Antunes, abre o livro com importantes indagações sobre a uberização do trabalho, as recentes reformas trabalhistas, o florescimento de uma nova morfologia das lutas sociais e como a pandemia causada pela COVID-19 atravessa as pragmáticas precarizante do trabalho no capitalismo financeiro informacional. O segundo capítulo é autoral de Jamie Woodcock, autor dos livros The Gig Economy (2019) e Marx no Fliperama (2020). O pesquisador inglês nos apresenta uma das suas recentes pesquisas sobre algoritmos e supervisão, realizada aos moldes da enquete operária de Karl Marx, com entregadores e entregadoras por aplicativos londrinos da empresa Deliveroo.
No terceiro capítulo, Mark Graham, professor da Universidade de Oxford, e Mohammad Amir Anwar, pesquisador da Universidade de Johannesburg, debatem o tema da geografia contemporânea do trabalho digital. O professor Vitor Filgueiras, da Universidade Federal da Bahia, e Ricardo Antunes, no quarto capítulo da obra, adentram no tema do controle, da organização e da regulação do trabalho intermediado por aplicativos e plataformas. Na mesma toada, Clarissa Ribeiro Schinestsck, procuradora do Trabalho na 15ª Região, analisa as possibilidades de melhorias nas condições do trabalho ofertado pelas plataformas digitais sob o intento do direito ambiental do trabalho.
No sexto capítulo, o professor de comunicação da Unisinos e responsável pelo site Digilabour, Rafael Grohmann, além de tratar do tema da plataformização do trabalho no contexto da financeirização, dataficação e da racionalidade neoliberal, nos oferece uma robusta agenda sobre o trabalho digital. Na sequência, a pesquisadora da Unicamp Ludmila C. Abílio, em um texto indispensável, avança no tema da uberização e conceitualiza o trabalhador just-in-time: um autogerente subordinado, que assume responsabilidades e que disponibiliza sua capacidade de trabalho intermitentemente ao capital. Faço a minha contribuição, no nono capítulo do livro, caracterizando as diferentes formas de trabalhos plataformizados e demonstro como o fenômeno não está restrito apenas ao universo das empresas aplicativos. Encerrando, primorosamente, a primeira parte do livro, o pesquisador e doutor pela Unicamp, Iuri Tonelo e o professor de sociologia da Universidade Federal de Brasília, Ricardo Festi, nessa ordem, abordam, conceitualmente temas fundantes do debate proposto pelo livro: o da reestruturação produtiva e o da automação.
A segunda parte do livro, além de também abordar o tema da uberização, põe luz aos novos saltos tecnológicos e seus impactos no universo laborativo em setores como o automotivo, o da mineração, da educação, dos bancos, do telemarketing e dos hipermercados. Vitor Filgueiras e o professor de sociologia da Unicamp, Sávio Cavalcante, inauguram esta segunda sessão, com um importante texto que contesta o novo adeus à classe trabalhadora promovido por diferentes autores no contexto dos negócios baseados nas novas tecnologias da informação. Em seguida, Luci Praun, professora da Universidade Federal do Acre, autora do livro Reestruturação Produtiva, Saúde e Degradação do Trabalho (2016) e Ricardo Antunes analisam as principais alterações na legislação trabalhista promovidas pela contrarreforma trabalhista, no contexto de radicalização do projeto neoliberal e de sua reorganização produtiva.
No décimo terceiro capítulo do livro, o professor da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Geraldo Augusto Pinto, desenvolve um detalhado panorama do setor automotivo no Brasil, debate as origens do termo Indústria 4.0 e traz um estudo de caso sobre a Mercedes-Benz de São Bernardo do Campo, uma subsidiária de alta capacidade tecnológica, onde a internet das coisas, a realidade aumentada e a robótica já se fazem presentes no processo produtivo. Na sequência, a professora da Universidade Federal de Uberlândia, Fabiane Santana Previtali e o professor da Universidade de Uberaba, Cílson César Fagiani, problematizam, minuciosamente, através dos dados disponibilizados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), os impactos da Indústria 4.0 para a docência da educação básica no Brasil.
O professor da USP e da PUC-SP, Arnaldo Mazzei Nogueira, no décimo quinto capítulo, discorre, com habitual competência, sobre a questão das tecnologias da informação, dos novos negócios financeiros, do trabalho digital e do prossumidor no contexto da permanente reestruturação produtiva dos bancos.. No próximo capítulo, Claudia Mazzei Nogueira, professora da Unifesp-BS, autora do livro O Trabalho Duplicado (2006), aborda também um seguimento onde as reestruturações são permanentes: o telemarketing. Em seu texto, a pesquisadora adentra ao urgente tema da saúde do trabalhador, em especial da trabalhadora de teleatendimento.
Em seguida, Patrícia Rocha Lemos, pesquisadora e doutora pela Unicamp, apresenta sua valorosa pesquisa sobre as novas tecnologias no setor do varejo, com destaque a walmartização do trabalho. A extração de minérios, fonte de importantes matérias-primas presentes na produção das mais diversas maquinarias, e suas consequências para o trabalho, para as comunidades e para o meio-ambiente é o tema da pesquisa, nos moldes de um estudo de caso, que o pesquisador e doutor pela USP, Thiago Trindade de Aguiar, no penúltimo capítulo do livro, primorosamente, nos apresenta. Por fim, para encerrar o livro, a pesquisadora e ativista social Isabel Roque, nos oferece a possibilidade de conhecer a sua robusta investigação, também aos moldes da enquete operária de Marx, sobre o trabalho, a organização e a luta dos trabalhadores e trabalhadoras do setor de telemarketing em Portugal.
Uma semana antes do lançamento deste livro, entregadores e entregadoras por aplicativos da Alemanha, Argentina, Brasil, Colômbia, Costa Rica, Equador, Espanha, Estados Unidos da América, França, Inglaterra, Itália, Japão, México, Nigéria e Peru realizarão, no dia 8 de outubro, o quarto paro internacional de repartidores (quarta paralisação internacional dos entregadores por aplicativos). O movimento, que começou com os entregadores e entregadoras da América Latina, se articulou, ampliou ainda mais a sua internacionalidade e, agora, com a participação de países europeus, asiáticos e africanos chega ao seu quarto evento paredista, em menos de um ano. São trabalhadores e trabalhadoras que buscam reinventar as suas formas de organização para a realização de ações coletivas em busca de melhores condições de trabalho. Após décadas de ataques às suas estruturas organizativas, com parte delas sendo realizadas por meio da adoção das novas tecnologias, por parte das empresas, os próprios trabalhadores e trabalhadoras aparentam assimilar tais tecnologias e através delas ampliam as dimensões das suas lutas.
Notas
[1] Professor titular de sociologia do trabalho no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (IFCH/Unicamp), autor dos recentes livros Coronavírus: O trabalho sob fogo cruzado (2020), O Privilégio da servidão: O Novo Proletariado de Serviços na Era Digital (2018) e organizador dos livros Riqueza e Miséria do Trabalho no Brasil I, II, III e IV.
(*) Marco Gonsales é, pesquisador pós-doc pela Unicamp, e um dos autores do livro Uberização, Trabalho Digital e Industria 4.0,