Nadja Carvalho, Deborah Cavalcante e Marcelo Ramos, membros titulares da Executiva Nacional do PSOL.
O Diretório Nacional do PSOL do último dia 15 aprovou, entre outros temas, uma posição crítica inicial à proposta de arcabouço fiscal apresentada por Haddad e Tebet à imprensa. O tema chegou formalmente ao Congresso Nacional na última terça-feira, mas pode sofrer alterações até o texto final. As primeiras informações confirmam a linha fiscalista do projeto e já preocuparam todo o partido e grande parte da sociedade brasileira.
A maioria dos dirigentes nacionais do PSOL entende que “até aqui, a proposta se mostra menos rígida que o Teto de Gastos”, mas também identifica a manutenção de uma “lógica de ajuste nas contas públicas” que legitima o discurso fiscalista de controle de gastos ao restringir o aumento do investimento. Em síntese, o aspecto mais negativo é estar na contramão do fortalecimento de um Estado de direitos. A nova proposta prevê que as despesas estão atreladas ao crescimento de 70% na receita e ainda limitadas ao avanço real (limitado pela inflação) fixado aos parâmetros de 0,6% a 2,5% ao ano - o piso e o teto para investimentos públicos, trabalhando com uma meta de superávit primário completamente desnecessária, quando a grande necessidade é retomar investimentos sociais por parte do Estado. Desta forma, cedendo às pressões do mercado financeiro.
Na prática, segundo projeções iniciais, caso esta regra estivesse valendo desde o início do primeiro governo Lula em 2003, cerca de R$ 8,8 trilhões não teriam sido investidos, desde então, em serviços públicos oferecidos ao povo brasileiro. Está em risco diminuir estruturalmente o crescimento da saúde e da educação em pelo menos 30%, sem margem de manobra para o trabalho do governo, subentendendo-se ainda que possa vir uma proposta de desconstitucionalização da Educação e da Saúde para caber o orçamento no novo arcabouço, algo que seria um ataque gravíssimos aos direitos sociais e constitucionais básicos. Até mesmo o orçamento do BNDES e os outros bancos públicos foram embutidos dentro deste novo teto proposto pela Fazenda. Essas medidas colocam em xeque a possibilidade do governo cumprir seu papel na construção de um Estado Social e da real democracia brasileira.
Em 100 dias, o governo Lula enfrentou uma tentativa de golpe e há um enorme peso da direita e da extrema direita na sociedade e no Congresso Nacional. Isso evidentemente é a primeira preocupação do PSOL, inclusive na hora de votar sobre o novo marco fiscal. Tudo que a oposição bolsonarista quer é um governo de mãos atadas e o PSOL, pelo contrário, quer ajudar a abrir espaço ao investimento em saúde, educação, obras de infraestrutura, programas sociais e políticas de reparação.
O problema do Brasil não é o “descontrole” do investimento, como devaneiam boa parte da imprensa e do mercado que hoje celebram a nova proposta. Pelo contrário, os problemas fundamentais são a fome, o desemprego e a precarização, a inflação e o custo do aluguel e dos alimentos, a destruição ambiental, o aquecimento global, a desindustrialização e uma possível crise econômica mundial. Por essa razão, o Teto de Gastos de Michel Temer foi furado sucessivamente por Bolsonaro, com apoio de parte daqueles que hoje defendem o novo Marco Fiscal e chantageiam Lula e Haddad por regras de ajuste fiscal. Pela mesma razão, o novo marco será um obstáculo para que o governo Lula cumpra com as promessas de campanha. Um obstáculo para realizarmos o Brasil que queremos e que o povo brasileiro precisa!
A grande diferença é que quando Bolsonaro furou o teto de gastos para oferecer o auxílio emergencial, não sofreu proposta de impeachment pelo descumprimento da responsabilidade fiscal. Isso não aconteceu nem mesmo quando o ex-presidente defendeu intervenção militar e cometeu severos crimes durante a condução da crise da pandemia (todos lembram da propina na compra da vacina, que atrasou meses para começar a ser distribuída e da falta de oxigênio nas UTIs de Manaus). Enquanto isso, Lula foi injustamente preso por um suposto triplex e pedalinhos no sítio de Atibaia em um processo comprovadamente político e arbitrário.
Não há dúvida que caso a economia brasileira passe por dificuldades e Lula tenha que furar o novo marco fiscal para livrar o país da crise, o “mercado” e a grande mídia não darão o mesmo afago que deram a Bolsonaro e irão questionar a legitimidade do novo governo eleito com 51% dos votos. Foi assim com a acusação de “pedaladas fiscais” de Dilma Rousseff. Faz muito pouco tempo, não esqueçamos!
Isso significa que caso a proposta não sofra alteração estrutural para desbloquear o caminho para os investimentos públicos, o mais correto é o PSOL votar contra a proposta de marco fiscal, que além do mais tende a ser aprovada pela amplíssima maioria do Congresso que conduziu Arthur Lira à reeleição. Afinal, o PSOL também fez seus compromissos políticos com a sociedade: defender o governo Lula dos ataques, combater a extrema direita e também defender os direitos constituídos da maioria do povo brasileiro, lutando no Congresso e nas ruas pela sua ampliação.