O artigo a seguir analisa o relatório conjunto IPBES-IPCC co-sponsored workshop report on biodiversity and climate change, da Plataforma Intergovernamental de Política Científica em Serviços Ecossistêmicos (IPBES) e do Painel Intergovernamental sobre Clima Mudança (IPCC), publicado no dia 10/06/2021. O documento, elaborado pelos 50 maiores especialistas mundiais em biodiversidade e mudanças climáticas, destaca as conexões da biodiversidade e do clima no bem-estar humano, visando justificar por que as políticas climáticas e as políticas de biodiversidade devem ser consideradas em conjunto para enfrentar o desafio de alcançar uma boa qualidade de vida para todos.
Danielly de Paiva e Magalhães Paulo M. Buss, Centro de Estudos Estratégicos da Fiocruz - CCE, 1 de julho de 2021
Proteger a biodiversidade, evitar mudanças climáticas perigosas e promover uma qualidade de vida aceitável e equitativa para todos são os desafios de três acordos globais: o Plano Estratégico para a Biodiversidade 2011-2020 da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB)[1]; o Acordo de Paris para a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC)[2]; e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas (ODS)[3], respectivamente. Embora cada uma dessas iniciativas tenha objetivos específicos, suas consequências e sucesso estão intimamente ligados – o fracasso em lidar conjuntamente com a dupla crise de mudança climática e declínio da biodiversidade pode comprometer a boa qualidade de vida das pessoas (IPBES, 2019).
A necessidade de considerar as inter-relações dessas três crises foi analisada no recém-lançado relatório conjunto da Plataforma Intergovernamental de Política Científica em Serviços Ecossistêmicos (IPBES) e do Painel Intergovernamental sobre Clima Mudança (IPCC), intitulado IPBES-IPCC co-sponsored workshop report on biodiversity and climate change[4], produzido pelos 50 maiores especialistas mundiais em biodiversidade e mudanças climáticas.
O relatório explora as conexões da biodiversidade e do clima para o bem-estar humano, visando justificar por que as políticas climáticas e as políticas de biodiversidade devem ser consideradas em conjunto para enfrentar o desafio de alcançar uma boa qualidade de vida para todos. O relatório reforça que a ação das atividades humanas, como alterações no uso da terra/mar e a combustão de combustíveis fósseis, são as principais causas diretas da perda de biodiversidade e mudanças climáticas, porque altera a superfície terrestre, a química atmosférica e dos oceanos. Como sabido, o constante aumento da concentração de gases de efeito estufa desde a revolução industrial não somente causa a elevação da temperatura média da Terra, mas também altera os regimes de chuva e aumenta a frequência de eventos climáticos extremos, como enchentes, furacões, tornados, ondas de calor e queimadas. Como exemplo, nos ambientes aquáticos, as altas temperaturas diminuem a concentração de oxigênio e promovem a acidificação do ambiente – essas alterações impactam negativamente a biodiversidade, devido às modificações nas condições ótimas de sobrevivência e perda de habitats. Reciprocamente, biodiversidade tem papel fundamental nos ciclos de carbono, nitrogênio e água, e sua perda exarceba os efeitos das mudanças climáticas e torna ainda mais difícil controlá-los.
Entre os esforços citados pelo relátorio para a preservação da biodiversidade e controle do aquecimento global estão: diminuiçao da queima de combustíveis fósseis e a substituição por energias renováveis, diminuição do desmatamento nos trópicos, conservação de ecossistemas ricos em carbono (ex: manguezais, turfeiras, savanas e pântanos), promoção de agricultura orgânica e silvicultura sustentáveis, e corte de subsídios às atividades económicas prejudiciais ao ambiente.
As mudanças climáticas e a perda de biodiversidade representam ameaças significativas à subsistência humana, afetando a segurança alimentar e a saúde pública. Esses impactos negativos são desproporcionalmente sentidos por populações marginalizadas socialmente, politicamente, geograficamente e/ou economicamente, e aquelas que dependem da exploração de recursos naturais.
Mas qual a relação da temperatura e da biodiversidade com a qualidade de vida humana? A sociedade humana depende dos serviços que a natureza oferece. Portanto, as mudanças climáticas e a perda de biodiversidade representam ameaças significativas à subsistência humana, afetando a segurança alimentar e a saúde pública. As mudanças climáticas também ameaçam os elementos básicos de que todos precisamos para uma boa saúde, como ar limpo, água potável, produção de alimentos e abrigo seguro, e minará décadas de progresso na saúde global. Esses impactos negativos são desproporcionalmente sentidos por populações marginalizadas socialmente, politicamente, geograficamente e/ou economicamente, e aquelas que dependem da exploração de recursos naturais.
A pandemia de Covid-19 nos trouxe evidências concretas sobre as inter-relações da biodiversidade e as mudanças climáticas na saúde humana. A degradação e alteração ambiental, juntamente com o crescimento do comércio de animais selvagens, aproximaram a vida selvagem de animais domésticos e seres humanos, como os morcegos que carregam vírus que podem cruzar as fronteiras das espécies[5]. A mudança climática gerou a perda de habitat que contribui para essa proximidade e também ampliou (por meio de enchentes, ondas de calor, incêndios florestais e insegurança alimentar) o sofrimento dos humanos durante a pandemia pela Covid-19[6].
O importante e inédito informe conjunto deixa claro que ignorar essas inter-relações e estabelecer metas e políticas separadas para cada crise (clima, biodiversidade e desenvolvimento sustentável), como vem sendo feito, não trará soluções adequadas para qualquer delas. As políticas que abordam simultaneamente as sinergias entre a mitigação da perda de biodiversidade e as mudanças climáticas, ao mesmo tempo em que consideram seus impactos sociais, oferecem a oportunidade de maximizar os cobenefícios e ajudar a atender às aspirações de desenvolvimento de todos. A implementação de soluções bem-sucedidas e transformadoras tem implicações específicas para sua governança conjunta.
Há uma certa urgência para enfrentar esses desafios conjuntamente. Nenhuma das vinte metas de Aichi[7] acordadas para 2020 foram totalmente alcançadas pelos países signatários – apenas 23% estavam alinhadas com as metas do plano. O Acordo de Paris tem a ambição de manter até 2030 o aumento de até 2° C dos níveis pré-industriais, com objetivo de ficar o mais próximo de 1,5° C. No entanto, a temperatura global já aumentou 1,2° C. Outras projeções sugerem que alcançaremos temporariamente 1,5° C, em um dos próximos cinco anos[8] (WMO, 2021). Eventos catastróficos são esperados, se o aumento da temperatura for 1,5° C acima dos níveis pré-industriais, como perda de biodiversidade e perda e degradação de habitat.[9]
Os próximos passos nesses fascinantes e desafiadores espaços globais da questão ambiental são a COP 15 da Biodiversidade (Kunming, China, 11-24 de outubro de 2021) e a COP 26 sobre Mudança Climática (Glasgow, Escócia, 1-12 de novembro de 2021).
De acordo com o último Relatório de Lacuna das Emissões (em inglês Emissions Gap Report 2020), publicado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente[10], as atuais Contribuições Nacionalmente Determinadas (em inglês Nationally Determined Contributions - NDCs) permanecem seriamente inadequadas para atingir os objetivos climáticos do Acordo de Paris e levariam a um aumento de temperatura de 3,2° C (3,0 - 3,5 ° C) pelo final do século, com probabilidade de 66%. No melhor cenário, se todos as NDCs forem implementados e os países alcançarem suas emissões líquidas zero, as projeções até o final do século são estimadas em 2,5–2,6° C. Essas projeções já são bastante preocupantes para a questão ambiental e, na área da saúde, as estimativas são de que, entre 2030 e 2050, as mudanças climáticas deverão causar aproximadamente 250 mil mortes adicionais por ano, de desnutrição, malária, dengue (e outras doenças transmitidas por vetores), diarreia e estresse por calor[11]. Os custos diretos de danos à saúde (ou seja, excluindo os custos em setores determinantes da saúde, como agricultura, água e saneamento) são estimados em US$ 2 a 4 bilhões/ano, até 2030. No entanto, essas projeções não consideram os efeitos da perda da biodiversidade.
Os próximos passos nesses fascinantes e desafiadores espaços globais da questão ambiental são a COP 15 da Biodiversidade (Kunming, China, 11-24 de outubro de 2021) e a COP 26 sobre Mudança Climática (Glasgow, Escócia, 1-12 de novembro de 2021). A décima quinta reunião da Conferência das Partes (COP 15) da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) vai revisar a implementação do Plano Estratégico da CDB para a Biodiversidade 2011-2020. Prevê-se também que será tomada a decisão final sobre a estrutura global de biodiversidade pós-2020[12], assim como decisões sobre tópicos relacionados, incluindo capacitação e mobilização de recursos. Já a COP 26[13], esperada com ansiedade pelos ativistas de todo o mundo, promete uma árdua batalha entre governos, empresas e sociedade civil sobre a ambição com que o mundo tratará de impedir a catástrofe ambiental.
Danielly de Paiva é bióloga e doutora em Química Ambiental e Magalhães Paulo M. Buss é doutor em Ciências e diretor do Centro de Relações Internacionais em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (Cris/Fiocruz).
Notas:
[3] Ver: https://brasil.un.org/pt-br/sdgs
[7] Buss, PM e Magalhães. DP. As estreitas relações entre a pandemia e a biodiversidade. Acesso: https://www.cee.fiocruz.br/?q=As-estreitas-relacoes-entre-a-pandemia-e-a-biodiversidade
[9] Ver: https://www.ipcc.ch/sr15/