O primeiro-ministro português António Costa convocou eleições gerais urgentes numa tentativa de acabar com sua dependência dos partidos menores de esquerda. A divisão se deve a sua recusa em reverter os ataques aos direitos trabalhistas impostos pela Troika nos anos em que a direita governou o país.
Brais Fernandez entrevista Jorge Costa
Nos últimos 6 anos, o Partido Socialista (PS) do primeiro-ministro António Costa foram o único partido do governo em Portugal. No entanto, embora o partido de Costa tenha obtido ganhos nas últimas eleições gerais em 2019, não obteve a maioria absoluta. Assim, foi forçada a negociar com forças menores de esquerda – um arranjo popularmente conhecido como geringonça, ou “engenhoca”.
Durante anos, esta experiência foi repleta de tensões e conflitos, num país que ainda se recupera das medidas de austeridade impostas pela TROIKA europeia no início da década de 2010. No final de outubro, a situação terminou em ruptura total, pois os socialistas se recusaram a chegar a um acordo sobre o orçamento com o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista (PCP). Novas eleições foram convocadas para 30 de janeiro.
A votação acontece em um cenário complicado, caracterizado não só pela pandemia, mas também pela ascensão da extrema direita, em um país que até então se manteve à margem desse fenômeno mundial. Brais Fernández, da Jacobin, falou com o deputado Jorge Costa, um líder do Bloco de Esquerda, sobre o colapso do governo, as próximas eleições e as preocupações da classe trabalhadora portuguesa.
Após anos de governo liderado pelo Partido Socialista, Portugal vai ter novas eleições: o que aconteceu? Conte-nos um pouco sobre o panorama político, social e econômico geral para quem não segue a política portuguesa no dia a dia.
As eleições de 2015, depois da intervenção da TROIKA, tiveram o resultado que criou uma nova situação. Apesar de ser a força isoladamente mais votada, a coligação da direita ficou em minoria no parlamento. Assim, o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista declararam-se prontos para impedir um governo da direita e procurar as bases de acordos políticos com o PS “na perspectiva da legislatura”, como então se escreveu. Esses acordos fixaram medidas e calendários de recuperação de rendimentos – melhores salários e 35 horas de trabalho para funcionários do Estado, aumento do salário mínimo, desagravamento fiscal do trabalho, descongelamento e recuperação das pensões mais baixas – além de bloquear mais privatizações. A estabilização deste quadro permitiu que, ao longo da legislatura, a esquerda alcançasse ainda alguns avanços adicionais em áreas importantes, como a regularização dos precários do Estado, a proteção social dos “autônomos”, a redução do valor das mensalidades universitárias, uma nova lei de saúde indo no sentido progressivo e o processo de despenalização da morte assistida – este último ainda em curso.
Este quadro político, batizado depreciativamente pela direita como “geringonça” (alcunha adotada pelos próprios apoiadores da solução), criou um cenário novo, de alívio social e disposição reivindicativa, sobretudo entre os trabalhadores do Estado e em setores precarizados que emergiram na cena pública. Foi também neste período que novos movimentos multitudinários surgiram, com as maiores manifestações feministas e antirracistas registadas em Portugal, além de importantes mobilizações juvenis por justiça climática, inseridas no movimento mundial que a pandemia viria a interromper.
Não tardou para que ficassem evidentes também as limitações deste cenário: o PS obedeceu às ordens de Bruxelas em decisões sobre questões como a aplicação das regras bancárias no caso do Banco Espírito Santo, na contenção do investimento público em patamares de anemia ou a falta de resposta de fundo na recuperação dos serviços públicos afetados pelos cortes da TROIKA. As leis trabalhistas mantiveram intactos os retrocessos do período em que a direita foi além das imposições do Memorando de Entendimento feito com a TROIKA.
Apesar desses bloqueios persistentes, a recuperação de rendimentos, aliada ao aumento da procura turística e à queda dos juros da dívida por força da política do BCE, permitiram uma rápida recuperação do crescimento e do emprego, com reflexo no crescimento das intenções de voto no PS.
Em 2018 e 2019, começaram a ficar evidentes as movimentações do PS para um confronto político que, as vésperas das eleições, permitisse dramatizar um apelo à maioria. O presidente do partido, Carlos César, chegou a referir-se então às forças de esquerda como “empecilhos” à boa governação dos socialistas. Mas o apelo falhou. Em outubro de 2019, os partidos de esquerda mantiveram a base de suas cadeiras (Bloco com 9,5%, o mesmo número de deputados, e PCP com 6,3%) e o PS elegeu 108 deputados, superando os partidos de direita, mas faltando ainda 7 cadeiras para ter maioria absoluta. De imediato, iniciaram-se novas negociações, mas agora sem aquele “estado de necessidade” em que o PS negociou em 2015.
Enquanto o PCP se dispôs apenas a negociações pontuais, mas sem base num acordo político inicial, o Bloco propôs negociar um acordo, mas com uma pré-condição: a eliminação dos retrocessos introduzidos pela TROIKA na legislação trabalhista (desvalorização do trabalho, redução do número de dias de férias, redução da base de cálculo da indemnização por demissão de 30 para 12 dias por cada ano de trabalho e outras medidas). No dia seguinte à reunião com o Bloco, António Costa reuniu-se com as confederações patronais. Na saída da reunião, declarou não ter qualquer intenção de alterar a legislação trabalhista e o acordo morreu antes de nascer. O governo minoritário passou a empacar, de orçamento a orçamento, enunciando cada vez mais abertamente a sua chantagem na crise política e nas eleições antecipadas, exibindo atitudes contrastantes perante os partidos da esquerda: hostilidade ao Bloco; condescendência e tentativa de subordinação do PCP.
Especificamente, quais são as demandas que o Bloco de Esquerda e o Partido Comunista colocam na mesa?
Semanas depois das eleições em 2019, o orçamento para 2020 foi viabilizado com a abstenção dos deputados do Bloco e do PCP (e dos três deputados do partido defensor dos direitos dos animais PAN) mediante um reforço significativo de investimento na saúde. Mas o orçamento para 2021 já teve o voto contrário do Bloco de Esquerda, depois de uma negociação em que voltamos a focar na retirada das normas da TROIKA da lei trabalhista e em outras políticas sociais estruturantes.
Das lições da pandemia, trouxemos ainda propostas de alteração às prestações extraordinárias criadas para a resposta de emergência e a preparação de uma nova prestação social contra a pobreza que agregasse o programa pré-existente com maior amplitude e sem exclusões arbitrárias.
Face à vulnerabilidade que a pandemia evidenciou no Serviço Nacional de Saúde (SNS), o Bloco propôs um regime de remuneração para a dedicação exclusiva dos profissionais da Saúde tendo em vista o combate a promiscuidade público/privado e para atrair e reter no SNS os profissionais que hoje são drenados pelos hospitais privados através de melhores ofertas (médicos e enfermeiros em particular).
Tudo isso o governo recusou e o orçamento para 2021 foi viabilizado apenas com as abstenções do PCP (cuja principal conquista foi a garantia do pagamento do salário-base a 100% aos trabalhadores em layoff extraordinário) e do PAN. Nesta fase, os comunistas continuaram a argumentar que as leis trabalhistas, não sendo questões estritamente orçamentárias, deveriam ser negociadas pelo governo com os sindicatos.
O PCP alterou esta posição na negociação do Orçamento para 2022, momento em que o partido passou a assumir na negociação a retirada da TROIKA das leis trabalhistas – tal como o Bloco já vinha fazendo de forma contundente, desde a proposta de acordo pós-eleitoral em 2019, pautando também aceleração do aumento do salário mínimo. E isso bastou para que passasse a votar contra.
Face à rejeição do orçamento, António Costa, que nunca desistiu de libertar-se da negociação com a esquerda, apressou-se a apelar, ainda durante o debate orçamentário, a novas eleições para tentar angariar a maioria absoluta.
O Partido Socialista ganhou força eleitoralmente – mas, segundo as pesquisas, não o suficiente para alcançar a maioria absoluta. Por que decidiu forçar as eleições?
As próximas eleições se tornaram um plebiscito para o primeiro-ministro. Costa enfrentará uma dura prova de sobrevivência. Se falhar, a maioria provocará eleições antecipadas. A sua aposta é na penalização dos partidos de esquerda pela rejeição do orçamento e no fracasso da direita – hoje, engalfinhada num disputa de liderança e assombrada pela pressão da extrema direita, sem a qual fica longe de conquistar uma maioria. Apesar de descontentes, muitos eleitores moderados poderão preferir a continuidade à alternância. Todos estes cálculos estão sendo feitos agora.
Como já disse, uma característica do governo do PS é a subordinação ao cânone europeu. Mesmo numa situação excepcional, em que estão suspensas as regras do tratado orçamentário, Portugal está entre os últimos países desenvolvidos em termos de investimento público para responder a crise. E isto apesar de dispor de margem no orçamento para maiores avanços. Esse alinhamento bloqueia também qualquer medida desfavorável ao grande capital – seja no imobiliário, no rentismo das elétricas ou da saúde privada.
A experiência portuguesa aponta para a complexidade da relação da esquerda com os partidos socialistas europeus. Por um lado, são partidos liberais ou neoliberais progressistas. Mas, no contexto de ascensão da extrema direita ou consolidação da direita tradicional, eles aparecem como uma opção para grande parte do eleitorado de esquerda, mesmo enquanto esses partidos permanecem imersos em uma crise histórica. Que tipo de relação você propõe com o Partido Socialista?
A relação do Bloco com o PS sempre foi marcada por intenso conflito político. O PS é, como PSD, o principal protagonista do modelo de modernização conservadora que explica os persistentes atrasos do país, da privatização de setores estratégicos da economia à autoria e consolidação das medidas amordaçantes para os trabalhadores na produção. Ao longo de duas décadas, esse conflito permitiu convergências importantes (despenalização do consumo de drogas, direitos LGBT), mas prolongou-se em áreas essenciais de políticas sociais e financeiras.
Se em 2015 o Bloco tivesse acreditado, erradamente, na existência de condições programáticas e de confiança suficientes para indicar ministros de um governo de coligação, o governo teria durado poucas semanas. Em dezembro de 2015, dois meses depois das eleições, o PS estava vendendo ao Santander um banco subsidiado pelo Estado, o Banif, com perdas de 3000 milhões de euros para o Estado português. Nenhum ministro de esquerda poderia aprovar tal decreto.
A experiência da “geringonça” (acordos 2015-2019) foi por vezes tratada no debate internacional como se tratasse de um “modelo”. Para nós, ela não representa um modelo pronto para ser aplicado, pois é fruto de muitas circunstâncias particulares nacionais. Tratou-se de um governo minoritário de um partido de centro, não foi um governo de esquerda. A sua base parlamentar resultou de compromissos importantes sobre uma virada política: o fim da austeridade e a recuperação de rendimentos da população. Depois de cumprida, essa plataforma esgotou-se e o PS recusou a exigência da esquerda de que, à sua sustentação do governo, correspondesse a recuperação de direitos trabalhistas perdidos (essenciais para corrigir a prolongada estagnação dos salários médios) e da criação de condições de continuidade do SNS (desmontada pela predileção do setor privado).
Portugal parecia ser um dos últimos países da Europa sem uma extrema direita significativa. Afinal, tratava-se de um país cuja Constituição foi fruto da derrubada de uma ditadura numa aliança entre setores do Exército e das classes populares. Mas agora existe o fenômeno chamado Chega (chega!). Como é a extrema direita portuguesa – e o que explica a sua ascensão?
Na recomposição que está em curso na direita portuguesa, destacam-se dois novos pólos, um de extrema direita e outro ultra-liberal, que aliás partilham o mesmo programa econômico, baseado no favor fiscal aos ricos e na privatização dos serviços públicos. A radicalização do conjunto da direita, herdeira da TROIKA, hostil ao Estado social e, no caso do partido Chega, abertamente racista, é um processo com relação internacional. O mandato de Trump nos Estados Unidos forneceu cultura e recursos à corrente que dinamiza esta radicalização. Foi acima de tudo essa dinâmica internacional que encorajou o lançamento do Chega.
Foi sob esse impulso que um punhado de militantes de grupos de extrema direita e outros desavindos do PSD (que se afastaram do partido depois do fim do mandato do ex-primeiro ministro Passos Coelho) se lançaram na constituição do novo partido. Segmentos conservadores dos partidos tradicionais (PSD e CDS) julgaram que chegou o tempo de afirmar um programa ultrarreacionário e ultra-liberal e conseguiram agregar ao seu redor o lumpen político, suficiente para ganhar em pouco tempo uma presença territorial significativa e absorver o eleitorado do moribundo CDS, alcançando relevantes resultados eleitorais nos municípios. Uma parte do eleitorado do Chega está em periferias desfavorecidas e vem da abstenção, mas outra parte é composta pelo antigo eleitorado ultraconservador ou salazarista que lhe acolheu ao longo dos anos sob as bandeiras da direita tradicional. Veremos como resistirá ao apelo ao voto útil no PSD, mas é uma força que já conquistou um espaço próprio.
A esmagadora maioria do eleitorado português não tem memória da ditadura e da guerra, terminadas há quase meio século. O Chega tem um eleitorado muito masculino e de idade avançada, ainda que a vertente saudosista do seu discurso seja muito menos assumida que a do Vox [partido de extrema direita na Espanha], por exemplo. É uma direita de agressivo machismo, que explora a tensão nas periferias, o ódio contra ciganos e muçulmanos e, em geral, aos pobres, a que chama os programas sociais para eles de “subsidiodependentes”.
Nos setores jovens, tem sido mais importante o crescimento da Iniciativa Liberal, uma direita de retórica brutalmente individualista e “meritocrática”, libertária nos costumes e anticomunista. Ela também veio de segmentos do PSD e do CDS. Em 2019, concorreu pela primeira vez e elegeu apenas um deputado, mas tem perspetivas de crescimento.
O Bloco confronta a direita fragmentada a partir do seu patrimônio comum – a política da TROIKA – e do seu furor privatista, que o quadro da pandemia revelou como uma ameaça ao bem-estar da maioria da população, quando o papel do Estado na saúde, na educação ou na sustentação do emprego remeteu ao silêncio a propaganda da direita.
Quanto ao combate ao Chega, além de expor as ligações do partido a setores da elite econômica muito pouco recomendável ou ao negacionismo mais fanático e perigoso, o Bloco vem mantendo na agenda as questões de migração, refugiados, racismo e memória histórica, se recusando a diminui-la sob a pressão de um senso comum emergente, violento e revisionista. É importante a presença social de um novo movimento negro, muito juvenil e inspirado no Black Lives Matter norte-americano, com o qual o Bloco mantém relações muito próximas.
Como está o PSD de centro-direita e o resto da direita se aproximando das eleições?
Hoje a direita atravessa um período de fragmentação, com disputa de liderança no PSD, desaparecimento do CDS, emergência de um novo partido ultra-liberal e o fortalecimento do Chega, liderado por uma desidratação do PSD e que terá no Vox como partido em que mais diretamente se inspira. É assim que, desde a intervenção da TROIKA, a direita não consegue ultrapassar o limiar de um terço dos votos.
Assim, as ambições de poder da direita continuam pouco verosímeis e a ascensão do Chega agrava ainda mais esse contexto, pois, por muito definitivas que sejam as garantias dadas pelos líderes da direita de que os racistas não integrariam os seus governos, uma parte do eleitorado “de centro”, oscilante entre PS e PSD, teme que um voto na direita tradicional acabe por levar a extrema direita ao poder. No momento, as perspetivas eleitorais da direita são fracas.
Portugal é um caso excepcional onde duas forças de esquerda – uma mais filo-soviética (Partido Comunista) e outra mais ligada às tradições radicais que ressurgiram no pós-1968 (Bloco de Esquerda) – conseguiram consolidar as suas forças mesmo no auge do neoliberalismo. Como são as relações entre esses partidos?
As relações entre o Bloco e o PCP são distantes. O PCP tem uma leitura profundamente “campista” da situação mundial, o que leva o partido à defesa de regimes que vão do PC chinês ao putinismo, da dinastia síria dos Al Assad àquela parte da oligarquia de Angola caída em desgraça. Em questões de direitos e liberdades, dou alguns exemplos de divergências: o PCP é contra a eutanásia ou a legalização da canábis, recusa a paridade de género nas listas eleitorais, nega a existência de um problema de racismo estrutural no país e só tardiamente adotou uma agenda extensiva nas questões LGBT.
Apesar destas diferenças, coincidimos na esmagadora maioria das votações parlamentares de natureza econômica ou social. Isso apontaria à possibilidade de uma articulação política ao longo dos últimos anos, mas infelizmente o PCP recusou sempre, não só reuniões tripartidárias com o PS durante a vigência dos acordos, mas mesmo formas de articulação bilateral regular que permitissem conjugar esforços e agendas comuns. Ao invés disso, os dirigentes confederais afetos ao PCP ocuparam-se nos últimos anos de excluir de responsabilidades os ativistas ligados ao Bloco e outras correntes sindicais, chegando ao cúmulo de recusar o agendamento de debates propostos pelas minorias na direção da CGTP.
Como está a mobilização social?
A pandemia teve um impacto fortíssimo nos movimentos e nas lutas sociais. Os sucessivos confinamentos e o isolamento social levaram a uma desmobilização generalizada e à quebra de laços ativistas.
Registaram-se lutas pontuais na saúde, serviços públicos ou em profissões vulneráveis como as da vigilância e da limpeza. Em particular, nos serviços públicos, um conjunto de greves previstas foram desmarcadas no contexto da antecipação das eleições. Ainda é cedo para avaliar a profundidade do efeito da pandemia no agravamento de um ciclo longo de desertificação sindical e fraca conflitualidade social, o que coloca questões difíceis a uma esquerda antagonista e que depende da organização de confrontos articulando os planos parlamentar e social propostas e com penetração majoritária na sociedade.
Nos últimos meses há alguns sinais de recuperação no movimento por justiça climática e na luta antirracista e dos afrodescendentes (que produziu a maior manifestação durante o período da pandemia, associada aos protestos mundiais contra o assassinato de George Floyd, a 6 de junho de 2020), mas o movimento feminista ainda não conseguiu retomar o ciclo ascendente que teve no período imediatamente anterior ao Covid-19, com uma expressão de rua sem precedentes.
Por fim, o debate sobre a questão da União Europeia ganhou uma nova face na pandemia. Como avalia a situação a nível europeu?
A crise pandêmica aprofunda as assimetrias entre os Estados de moeda única. Os fundos para a recuperação econômica foram anunciados tardiamente e foram insuficientes – e, em grande parte, geradores de nova dívida. É certo que o tabu alemão sobre a mutualização de dívida foi parcialmente quebrado. Mas enquanto a economia alemã se beneficia de enorme ajuda do Estado, os governos dos países mais endividados submetem-se voluntariamente ao estrangulamento orçamentário, por preverem que os déficits, agora autorizados, venham a desencadear pressões por mais austeridade no futuro próximo. Nem foi quebrado o tabu do financiamento direto do BCE aos Estados, nem estão discutindo as regras orçamentais que, crise após crise, se têm revelado contraproducentes. Com estas regras, os recursos financeiros agora mobilizados podem até agravar as assimetrias já existentes na União Europeia, como prova a disparidade entre planos nacionais de resposta à crise.
Nenhum programa de reconstrução terá alcance suficiente se não incluir a reestruturação das dívidas soberanas (em particular a dívida que é detida pelo Banco Central Europeu) e a ruptura com os tratados neoliberais que atacam serviços públicos e o investimento dos Estados.
deputado do Bloco de Esquerda de Portugal e Brais Fernandez é membro editorial da Viento Sur e um ativista no Anticapitalistas na Espanha.