A divulgação de dados e metadados na internet é algo comum e a utilização desse material por parte das grandes empresas de tecnologia se transformou em um grande negócio. Através da coleta dos nossos dados privados, elas nos vendem itens desejados, formulam novas tendências, atualizam o capitalismo e, principalmente, nos vigiam. A utilização massiva dos nossos próprios dados nos torna reféns em uma sociedade controlada pela inteligência artificial e por grandes corporações que dominam o mercado.
André Martins, IHU-Unisinos, 10 de dezembro de 2020
Esse cenário abre uma importante discussão sobre a recorrente ameaça que as empresas de tecnologia impõem à nossa privacidade e quais são os limites para os termos de contrato que acabamos aceitando quando entramos na rede.
Especialistas definem esse momento que vivemos como “colonialismo de dados”, onde os nossos dados são a peça-chave do controle. Empresas como Google, Amazon, Facebook e Microsoft coordenam os nossos dados com algoritmos que as informam sobre nossos desejos pessoais. “Precisamos pensar sobre a reprodução do capitalismo. Em geral, tudo que nós fazemos hoje e a divulgação de dados e metadados são insumos para a produção capitalista”, diz o Prof. Dr. Nick Couldry.
Couldry, professor da London School of Economics and Political Science, participou, na última quarta-feira, 02-12-2020, da palestra “Colonialismo de dados e esvaziamento da vida social antes e pós pandemia de Covid-19”, na qual explicou sobre o capitalismo de dados, sua interferência em nossas vidas sociais e como ele está esvaziando as relações humanas. O Prof. Dr. Norval Junior, da PUC-SP, também participou da palestra, debatendo sobre os assuntos abordados por Couldry. O evento faz parte do XIX Simpósio Internacional IHU Homo Digitalis. A escalada da algoritmização da vida, organizado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, e o video pode ser assistido aqui.
Para Couldry, o colonialismo de dados não é uma metáfora. Segundo ele, a utilização massiva dos nossos dados e o controle que está sendo produzido a partir deles para nos vigiar são reais e estão preparando o capitalismo para uma nova era, assim como foi o colonialismo há 500 anos. Ou seja, a forma como as grandes empresas estão utilizando nossos dados e como eles beneficiam o capitalismo terão impacto no nosso futuro e irão gerar uma nova versão do capitalismo. “Esse colonialismo se apropria de um tipo diferente de ativos. O antigo colonialismo se apropriava da terra, minérios e produtos agrícolas, mas o novo colonialismo de dados se apropria de nós, seres humanos, do fluxo da nossa vida cotidiana”, explica.
De acordo com o pesquisador, o novo colonialismo não tira de nós somente informações, mas também a nossa alma. “Estão esvaziando o nosso corpo, estão consumindo a nossa vida social e estão cuspindo o resto”, relata. Ou seja, as grandes empresas estão produzindo um novo colonialismo que rouba a nossa essência, utiliza o nosso esforço mental e prejudica nossa sanidade enquanto seres humanos.
Segundo Couldry, a nossa aceitação a termos de serviços, quando utilizamos alguma plataforma ou rede social, é uma oportunidade para as grandes corporações coletarem nossos dados e os utilizarem da forma que bem entenderem. “Os termos de serviços foram feitos para ninguém ler; nós não paramos para isso porque queremos agilidade nas nossas tarefas”, diz. Para Norval, quando aceitamos esses termos, aceitamos que sejam extraídas de nós a nossa vida social e privada. “Nós somos o que somos por sermos sociais. Não iremos sobreviver sem os vínculos sociais que construímos”, afirma.
Couldry questiona como conseguiremos sobreviver a uma colonização de dados tão profunda quanto essa. Para ele, a nova ordem econômica irá afetar de maneira diferente cada um de nós, mas o novo colonialismo irá replicar os vieses coloniais antigos, como o racismo. “Para sair disso e pensar em alternativas, precisamos pensar séria e coletivamente, reivindicar o tempo e o espaço de nossas vidas. Uma forma de sair disso é nomeando o que acontece com o colonialismo de dados e aprendendo com as lutas anteriores de descolonização”, pontua.
Norval também afirma que precisamos resistir a essa colonização de dados. “A aparente perda de dados tem um alto custo e, por isso, precisamos ser sedados. Os extratores dos nossos dados oferecem em troca mecanismos de sedação. Estamos sendo sedados e o corpo é a instância número um da resistência”, diz.