O teletrabalho não é para todos. No Brasil, apenas 34 milhões, de uma população de 209 milhões de habitantes, estão em isolamento. O bloqueio das atividades repercute sobre os trabalhadores sem garantias e sobre os países do Sul do mundo. O desafio aberto é o de um salário universal.
Francesco Gesualdi, Avvenire, 9 de outubro de 2020.
Quando a ciência se declara impotente, se redescobrem remédios antigos diante de um vírus desconhecido e altamente agressivo, por isso foi usado isolamento como principal forma de defesa. A China foi a primeira a experimentá-lo, depois foi a vez da Itália, Espanha, França e todas as outras nações do mundo. E se a princípio parecia que o maior inconveniente era a perda da liberdade de movimento, logo percebemos que as piores consequências estavam no plano econômico. Porque junto com as portas das casas, também se fecharam as portas dos escritórios, das lojas e das fábricas. E se os economistas se preocupavam com o PIB, nós nos preocupávamos com nossa sobrevivência: do que viveríamos se não pudéssemos mais trabalhar?
A tecnologia tentou nos tranquilizar dizendo que trabalharíamos remotamente com computadores. Uma forma de trabalho até mais confortável, sustentável e satisfatória, em uma palavra mais smart, para colocar isso em inglês. Mas o Fundo Monetário Internacional jogou água na fogueira: em um artigo recente, nos informou que o teletrabalho não é para todos. Não só porque requer equipamentos e uma conexão que nem todos têm, mas também porque não é viável para quem tem que produzir bens ou quem tem que prestar serviços diretos. Conclui-se que o teletrabalho tem boas chances de expansão em economias com alta incidência de serviços conceituais, muito menos naquelas baseadas na indústria, agricultura, construção. O que imediatamente põe fora de jogo a maioria dos países do Sul do mundo onde a maior parte das famílias ainda vive da agricultura ou de pequenos serviços prestados no ambiente urbano.
Entre as economias avançadas, aquelas com maior capacidade de teletrabalho são Noruega, Suécia, Cingapura, enquanto Itália e Grécia estão nos degraus mais baixos. De uma pesquisa realizada por Tito Boeri e outros, parece que apenas 23% dos trabalhos realizados na Itália podem ser executados remotamente, principalmente nas áreas administrativa, financeira e educacional.
No entanto, a CGIL afirma que na Itália o teletrabalho passou de 500.000 unidades antes da pandemia para 8 milhões durante o lockdown, 35% de todos os empregados. Mas apenas 3% dos teletrabalhadores possuem diploma do ensino médio, enquanto aqueles com diploma são 45%. Dado que as funções mais facilmente informatizadas são intelectuais e altamente qualificadas em termos de estudo, não é de admirar que o Fundo Monetário Internacional conclua que o teletrabalho não é para os pobres.
Durante o lockdown, os trabalhadores em todo o mundo se dividiram em três grupos:
- os que continuaram a trabalhar deslocando-se até o local de trabalho,
- os que recorreram ao teletrabalho e
- os que o suspenderam.
De acordo com a OCDE, as porcentagens dos três grupos para a Itália são 25, 41 e 34%, mas demorará algum tempo para saber se essas estimativas podem ser confirmadas. Em todo caso, parece certo que a Itália, junto com o Canadá e a Grã-Bretanha, está entre os países que registram o maior número de trabalhadores suspensos.
No total, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima que as horas trabalhadas globalmente no segundo trimestre de 2020 diminuíram 17,3% em relação ao quarto trimestre de 2019, algo que corresponde ao trabalho de quase meio bilhão de trabalhadores em tempo integral. Mas as consequências não foram as mesmas para todos. Menos ruim foi para os trabalhadores das economias avançadas com boas redes de segurança social. Caso típico na Itália que, desde 1945, conta com o fundo de complementação salarial, o fundo criado no INPS para ajudar os trabalhadores empregados em empresas que sofrem de dificuldades econômicas temporárias. O mesmo vale para a França que possui o programa denominado Activité partielle, para a Alemanha com o Kurzarbeit, para a Austrália com o Job Keeper Payment, para a Holanda com a Dutch Emergency Bridging Measure.
Estima-se que, no conjunto dos países da OCDE, os trabalhadores assistidos por programas governamentais na época do lockdown foram 60 milhões. Só na Itália, segundo o Uil, foram 8,4 milhões, operação que foi possível graças à decisão do governo de fortalecer o sistema de fundos de complementação para o exercício de 2020 com um montante que, segundo os cálculos do Gabinete de Orçamento do Parlamento, soma 22 bilhões de euros. E isso não é tudo. A isso soma-se mais 8 bilhões de euros destinados ao fornecimento de cheques, num montante que varia entre 500 e 1000 euros, a um público de outros milhões de pessoas constituído por trabalhadores domésticos, trabalhadores sazonais, remessas de IVA, pequenos profissionais, enfim, todo aquele mundo variegado de trabalhadores autônomos e subordinados que, apesar de usufruírem de um enquadramento jurídico, sofrem com um alto grau de precariedade.
Pior que eles, só os trabalhadores informais, os danados da economia informal, que somam a ilegalidade à precariedade. E justamente porque são ilegais é como se não existissem. Inexistentes, mas cada vez mais numerosos. De acordo com a Organização Internacional do Trabalho, os trabalhadores informais somam dois bilhões, 62% de todos empregados no mundo. Chegam inclusive a 90% em países de baixa renda, caindo para 67% em países de renda média e 18% em países de alta renda. Dependendo dos continentes, são encontrados em aterros, nos mercados em geral, nos campos, mas também em pequenas oficinas administradas por proprietários que também são ilegais. A redução da produção nas economias avançadas também repercutiu com um tsunami nas economias dos países mais pobres. A redução das exportações, o colapso dos preços das matérias-primas, também reduziram o consumo e as atividades internas com um efeito em cascata em toda a economia. E como se não bastasse, as remessas dos emigrantes também foram reduzidas, o dinheiro que os trabalhadores migrantes enviam às suas famílias que permanecem nos seus países de origem.
O Banco Mundial estima que neste ano, devido ao lockdown, o dinheiro enviado pelos migrantes aos países mais pobres sofrerá uma contração de 20%, de 554 a 445 bilhões de dólares. Cem bilhões a menos que não só piorarão as condições das famílias receptoras, mas de muitas outras devido ao aumento do desemprego que o menor consumo causará.
E a OIT alerta: a pobreza aumentará em todos os lugares se não forem tomadas medidas em favor dos trabalhadores da economia informal. Mas o único que aceitou o apelo foi o Papa Francisco que no dia da Páscoa enviou uma carta aos movimentos que organizam os trabalhadores informais do Sul, lançando um grande desafio:
“Talvez tenha chegado a hora de pensar um salário universal que dê dignidade ao trabalho insubstituível que vocês desempenham. Um salário garantido para que nenhum trabalhador seja privado de seus direitos”.
Utopia? Talvez, mas a Organização Internacional do Trabalho também sugere iniciativas de baixo custo para apoiar os trabalhadores mais vulneráveis, iniciativas que, embora não respondam totalmente ao pedido do Papa Francisco, ajudam a superar as dificuldades criadas pelo lockdown. Por exemplo, subsidiando o mercado de alimentos para que todos possam comprar pelo menos os alimentos básicos.
Os países do Norte poderiam facilitar uma escolha neste sentido, ativando uma linha de cooperação especialmente dedicada, lembrando que quando a pobreza se torna avassaladora, dois outros monstros levantam suas cabeças: a escravidão e o trabalho infantil. A escravidão como consequência do endividamento e o trabalho infantil como tentativa de complementar os rendimentos reduzidos dos adultos.
A OIT estima que, devido à crise causada pelo Covid, mais 42-66 milhões de crianças poderiam ser engolidas pela miséria extrema este ano, somando-se aos 386 milhões que já estavam nessa condição em 2019.
Enquanto isso, não devemos esquecer que em muitos países do sul, nem mesmo os trabalhadores formais foram sustentados. Trabalhadores com os quais temos obrigações porque produzem os nossos sapatos, as nossas camisas em os nossos computadores. Trabalhadores inseridos em cadeias produtivas às vezes a serviço exclusivo das grandes marcas do vestuário, da informática e da alimentação.
O lockdown provocou suspensões em massa em países como Bangladesh, Vietnã, Camboja, mas também Sérvia, Albânia e outros países do Leste Europeu. As grandes marcas deveriam pôr a mão na consciência em relação a eles, recordar os muitos lucros que conseguiram obter graças ao trabalho árduo e mal remunerado dos trabalhadores destes países e concordar em compensá-los pela suspensão dos contratos. Seus balanços não seriam afetados, enquanto uma nova página seria escrita na história dos direitos dos trabalhadores em nível global.
Reproduzido de IHU-Unisinos. A tradução é de Luisa Rabolini.