Conseguiremos ficar abaixo da marca de aquecimento de 2°C se não resolvermos diminuir o PIB? Um debate relançado pela crise da Covid.
Antoine de Ravignan, publicada por Alternatives Économiques, 21 de dezembro de 2020. Tradução de André Langer.
As emissões globais de CO2 relacionadas à energia devem cair 9% em 2020, de acordo com a consultoria Enerdata. Um efeito direto do congelamento de viagens e outras medidas para conter a Covid. O Produto Interno Bruto (PIB) global deve cair cerca de 5% este ano, indicou o Fundo Monetário Internacional (FMI). Algo jamais visto em tempos de paz. Por trás desses números estão centenas de milhões de famílias pobres ou frágeis cuja situação piorou abruptamente.
Se assumirmos que as emissões de gases de efeito estufa ligadas à agricultura e à alimentação mudaram pouco (porque o planeta continuou a comer), a queda nas emissões globais seria então cerca de 7%. Este seria apenas o esforço que a humanidade teria que fazer a cada ano se quisesse limitar o aquecimento global a 1,5°C. No entanto, o IPCC sublinhou as enormes diferenças entre um mundo estabilizado a 1,5°C e um mundo a 2°C, um marco consagrado no acordo climático de Paris. Nesta última hipótese, já bastante desfavorável (pudemos avaliar na França nos últimos verões os impactos de um aquecimento global de apenas 1°C desde o início da era industrial), as emissões globais de gases de efeito estufa deveriam diminuem agora em 2,6% ao ano. Tal queda nunca foi alcançada.
Optar pela descarbonização
No entanto, com os ganhos tecnológicos, a intensidade energética do PIB (a quantidade de energia necessária para produzir um bem) diminuiu constantemente: 1,5% a 2% ao ano nas últimas duas décadas. E a intensidade carbônica da energia (as emissões de CO2 em relação à energia utilizada) caminha para fazer o mesmo, com queda de cerca de 0,5% ao ano nos últimos cinco anos. Mas essas tendências estão sendo superadas pelo crescimento do consumo. Consequentemente, as emissões globais continuam a aumentar (cerca de 1,5% ao ano, em média, na última década) e a trajetória, assumindo que os Estados cumpram seus compromissos climáticos muito insuficientes, leva a um mundo de mais de 3°C de aquecimento.
Diante da emergência climática e da lentidão dos progressos técnicos, a única saída seria agir sobre os dois últimos termos da equação de Kaya (ver o último parágrafo) e reduzir o PIB. Ou seja, concretamente, reduzir a riqueza e o número de pessoas que a compartilham. A epidemia da Covid tornou possível fazer a experiência em grande escala: mais de 850 mil mortos e 4 trilhões de euros em perda de riqueza em 2020, mais entre os pobres do que entre os ricos. Um regime de decrescimento rápido do PIB não parece particularmente desejável ou praticável em uma democracia. Talvez não seja coincidência que as teorias do colapso estejam tendo certo sucesso. Como num certo imaginário de decrescimento, o futuro parece uma constelação de sociedades pouco produtivas, pouco técnicas, inclusive na área da saúde, muito rurais, solidárias, territorializadas, onde o trabalho é pouco dividido, o que em última instância implica uma humanidade muito menos numerosa. Mas, ao contrário dos decrescimentistas, os colapsologistas não precisam se perguntar como reduzir o PIB: a crise ecológica resolve isso matando muitas pessoas.
“Estamos focando nessa questão do crescimento ou do decrescimento do PIB, mas isso embaça o debate em vez de esclarecê-lo, lamenta Philippe Quirion, pesquisador do Centro Internacional de Pesquisa em Meio Ambiente e Desenvolvimento (Cired). Por mais que o crescimento do PIB seja uma meta, isso não é desejável e não atende às necessidades básicas; portanto, almejar uma queda do PIB enquanto tal não faz sentido. Quando você vê o impacto da recessão atual, é difícil dizer a si mesmo que é assim que vamos resolver os nossos problemas. Acima de tudo, temos que dissociar as emissões e a produção, e não é porque não fizemos o suficiente nesta área até agora, que não seremos capazes de consegui-lo”.
Os cenários de descarbonização da economia desenvolvidos em escala internacional ou nacional para ficar abaixo de 2°C repousam sobre uma boa dose de tecnologias de “baixo carbono”. Não são tecnologias futurísticas, mas soluções já disponíveis (turbinas eólicas, isolamento de residências, carros elétricos...). Sua implantação muito lenta não é um problema técnico ou de falta de dinheiro. É um problema político de alocação de riquezas.
A tecnologia não pode fazer tudo, longe disso. “Existem áreas para as quais não vemos soluções técnicas para reduzir as emissões dentro de um prazo razoável”, continua Philippe Quirion. Isso é especialmente verdadeiro para voos aéreos ou a criação bovina. “Mas pensar que tudo virá das mudanças no comportamento individual também é totalmente errado”. A necessária sobriedade que deverá acompanhar os ganhos tecnológicos passa, em grande medida, por mudanças na organização social: usar e compartilhar menos o carro (elétrico) implica em facilitar o teletrabalho e o urbanismo, aproximando domicílios e atividade.
Melhor para a economia
A boa notícia é que esses cenários de transição têm um efeito bastante favorável na economia (pelo menos para os países que não dependem das exportações de hidrocarbonetos). No caso da França, os modelos da trajetória alcançando a neutralidade de carbono em 2050 levam, em comparação à tendência atual, a ganhos de empregos (inclusive em um futuro próximo com +300 mil a + 500 mil em 2030), a ganhos (modestos) de riqueza nacional (um PIB adicional de 1% a 2,5% em 2030) e a um efeito positivo no poder de compra das famílias ou mesmo no balanço de pagamentos. Principalmente devido à queda dos preços das energias livres de carbono e ao fato de que a conta de energia será paga em grande parte em benefício da economia nacional (lenha, biogás, eletricidade verde...).
Mas muitas condições ainda precisam ser cumpridas. Por exemplo, a indústria automotiva ganharia empregos sob a forte suposição de uma relocalização da fabricação de baterias. Acima de tudo, esses resultados pressupõem uma continuação da trajetória de aumento do preço do carbono, explicitamente via tributação de energia ou implicitamente via um endurecimento das normas (em edifícios, por exemplo), condições não atendidas até o momento e que necessitariam compensar os efeitos sociais por meio de mecanismos redistributivos. Finalmente, esses ganhos macroeconômicos esperados correm o risco de se transformar em custos líquidos se a ação climática for ainda mais adiada: quanto mais demorarmos, mais difícil será alcançar a neutralidade de carbono.
A equação de Kaya
A equação de Kaya (em homenagem ao economista japonês que a formulou em 1993) diz que as emissões de CO2 são o produto de uma combinação de fatores: o tamanho da população, o grau de riqueza por habitante (quanto maior o consumo, maios a poluição), a quantidade de energia utilizada (pode-se produzir de forma mais ou menos eficiente) e, por último, o CO2 ligado à energia utilizada (a energia pode ser de origem mais ou menos fóssil). O que é uma tautologia torna-se problemático se deduzirmos que, para reduzir as emissões, é indiferente agir sobre um ou outro dos fatores, como eliminar uma parte da população.