O aquecimento global é a maior ameaça existencial à humanidade e à civilização. Os últimos 7 anos (2014-20) foram os mais quentes já registrados e a década 2011-20 é a mais quente da série histórica. A atmosfera do Planeta está ficando mais quente e isto tem um impacto devastador em diversos aspectos, pois, além do degelo, amplas áreas da Terra podem ficar inóspitas ou inabitáveis
José Eustáquio Diniz Alves, EcoDebate, 14 de outubro de 2020.
“A crise climática é a ameaça mais urgente do nosso tempo”. Greta Thunberg
A ECOnomia sempre busca tirar vantagem da ECOlogia. Mas isto tem o seu preço e a poluição deixa as suas marcas. A emissão de CO2 aumenta o efeito estufa e acelera o aquecimento global. O mês de setembro de 2020 foi o mais quente da série histórica segundo o Copernicus Climate Change Service (C3S), fato que aumenta a perda de gelo nos polos.
O rápido degelo do Ártico é considerado um desastre pela ciência climática e pelos ambientalistas. Mas o comércio internacional vê nesse processo uma oportunidade e busca tirar vantagens da nova configuração das camadas de gelo do polo Norte.
O mapa acima mostra que a rota do Ártico entre Xangai e Hamburgo é de 14 mil km, enquanto a rota tradicional (via Canal de Suez) é de 20 mil km. Portanto, uma redução de 30% ou 6 mil km a menos na viagem. Entre Tóquio e Hamburgo a distância da rota do Norte é ainda menor e as vantagens econômicas são maiores para o transporte marítimo.
O aquecimento global é a maior ameaça existencial à humanidade e à civilização. Os últimos 7 anos (2014-20) foram os mais quentes já registrados e a década 2011-20 é a mais quente da série histórica. A atmosfera do Planeta está ficando mais quente e isto tem um impacto devastador em diversos aspectos, pois, além do degelo, amplas áreas da Terra podem ficar inóspitas ou inabitáveis.
Reportagem do site Bloomberg (29/12/2017) mostra que à medida que o gelo do Ártico derrete, os dirigentes dos países do Norte sentem que a economia do topo do mundo se aquece. Minas de ouro, estradas e um espectro completo de projetos de energia pontilham o horizonte – com a Rússia liderando o caminho e outros países do Ártico lutando para recuperar o atraso. Investir no topo do mundo não é fácil. Mas os gerentes do Guggenheim Partners passaram os últimos sete anos estudando a região e os últimos três acumulando um banco de dados de 900 projetos planejados, em processo, finalizados, cancelados e desejados da infraestrutura do Ártico.
Alguns dos projetos refletem grandes ambições para atualizar sistemas nacionais, industriais e sociais. Outros são de menor escala e destinam-se a conectar lugares remotos a padrões maiores de comércio. Em conjunto, eles exigiriam algo quanto US$ 1 trilhão em investimentos. Até agora, o dinheiro do petróleo e do gás da Rússia deu ao presidente Vladimir Putin uma vantagem, uma vez que as condições de mudança proporcionam acesso a novas riquezas. A Rússia tem uma liderança esmagadora sobre seus vizinhos com quase 250 projetos potenciais. Finlândia, os EUA e o Canadá seguem o número de itens da lista de desejos. A energia eólica é uma das grandes oportunidades do círculo polar ártico.
Mas todos estes projetos dependem da montanha de gente e de dinheiro da China, que já está buscando avaliar estas novas oportunidades no âmbito da iniciativa “Um Cinturão Uma Rota” (OBOR). Em especial, a China busca se posicionar de maneira estratégica para exercer o domínio econômico na região nas próximas décadas. O centro do mundo pode se deslocar para o Ártico, dominado pelos investimentos da bandeira chinesa.
Artigo de Evan Osnos, em New Yorker (08/01/2018), mostra que tanto a China, quanto a Rússia e os Estados Unidos buscam “se tornar grandes novamente” e assumirem o papel de protagonista do mundo. O inusitado do momento atual é que a busca da China por um papel maior no mundo coincide com a busca dos Estados Unidos, de Donald Trump, por um papel mais reduzido na governança global.
O fato é que volume de transporte de carga ao longo da Rota do Mar do Norte tem aumentado significativamente nos últimos anos. Em 2019, atingiu 31,5 milhões de toneladas. Em 2018, era de 19,7 milhões e, em 2017, era de 10,7 milhões de toneladas.
A ironia de tudo isto é que o sucesso econômico do crescimento das atividades antrópicas acontece no contexto do fluxo metabólico entrópico. Quanto mais cresce a economia, a produção de bens e serviços e o transporte, mais aumenta o aquecimento global e o degelo dos polos e dos glaciares. Enquanto a Rússia retira vantagens da redução do gelo do Ártico e os países do Leste Asiático incrementam o uso da nova Rota, o degelo global eleva o nível dos oceanos e pode deixar Tóquio e Xangai (cidades mais ricas da Ásia) debaixo d’água. Ou seja, a Ásia e a comunidade internacional podem naufragar e ficarem afogadas pelo resultado do seu próprio sucesso econômico. A máquina insana e insone de acumulação de riqueza pode provocar tantos danos ambientais que no fim acabe por prevalecer a pobreza humana e ecológica.