Camila Valente, do Quilombo Insurgente
No último dia 13 de maio completou-se 136 anos da abolição da escravidão no Brasil. Mas será que temos motivos para comemorar? Mesmo após um pouco mais de um século da Lei Áurea, o Brasil é um país que, ainda nos dias atuais, apresenta características semelhantes às suas raízes coloniais e escravocratas, consequentes de sua história e formação social. O não rompimento com essas raízes se reflete nas opressões à negritude brasileira. O racismo no Brasil tem raízes históricas complexas que remontam ao período colonial. Entre as influências que refletem essas raízes estão a escravidão, a estrutura socioeconômica, as políticas discriminatórias e as representações culturais.
A escravidão dos negros no Brasil perdurou por mais de 350 anos. O Brasil foi o último país ocidental a abolir a escravidão e segue contribuindo para a disseminação do racismo. As principais fortunas do país foram construídas através do trabalho escravo. A não superação deste passado atende diretamente aos interesses do capital, que perpetua também as grandes fortunas a partir de seus herdeiros.
Quando a Lei Áurea, que vinha há décadas sendo postergada, é finalmente assinada em 13 de maio de 1888, esta é assinada para satisfazer o mercado e atender a pressão da Inglaterra. O povo negro não foi inserido na sociedade, e sim deixado a margem. Não foi dado acesso à educação, emprego, moradia. A desigualdade econômica persiste ainda hoje entre diferentes grupos raciais, e, contribui para a manutenção do racismo, já que as pessoas negras têm menos acesso a oportunidades educacionais, emprego digno e outros recursos.
Atualmente, podemos perceber o reflexo desse passado colonial e escravocrata que nunca foi superado. Sem transformações profundas não há mudança na estrutura da sociedade. Estas tornam-se superficiais, por isso, o Brasil é, ainda hoje, um país racista, pois os fundamentos rurais, aristocráticos, coloniais e escravocratas nunca foram modificados de fato, apenas remodelados, ganharam novas formas de se expressar, mas não foram superados.
Nos últimos anos tem se utilizado o termo “pacto da branquitude”, para abordar a questão da perpetuação do branco nos espaços de poder e a garantia dos seus privilégios que são consequências desse passado colonial e escravocrata que não foi superado. A Cida Bento aborda este conceito em seu livro intitulado com esse mesmo nome.
O "pacto da branquitude" é um termo utilizado na discussão sobre relações raciais e privilégio branco. Ele descreve um conjunto informal de acordos, muitas vezes não explícitos, entre pessoas brancas que mantêm e perpetuam a supremacia. “Fala-se muito na herança da escravidão e nos seus negativos para as populações negras, mas quase nunca se fala na herança escravocrata e nos seus impactos positivos para as pessoas brancas” (BENTO, p.19, 2022)
O “pacto da branquitude” envolve a negação ou minimização do racismo, a manutenção de privilégios brancos e a resistência a mudanças que possam desafiar esses privilégios. Esses acordos podem incluir a defesa do status quo racial, entre outros comportamentos que perpetuam a desigualdade racial. “É fundamental reconhecer, explicitar e transformar alianças e acordos não verbalizados que acabam por atender a interesses grupais, e que mostram uma das características do pacto narcísico da branquitude” (BENTO, p.19, 2022).
Na década de 1930, foi desenvolvido por Gilberto Freyre no livro “Caza Grande e Senzala” o conceito de "democracia racial". O autor argumenta que o Brasil era uma sociedade racialmente democrática, onde as diferentes raças, especialmente brancos, negros e indígenas, conviviam harmoniosamente e contribuíam para uma cultura única. Freyre acreditava que a miscigenação no Brasil resultou em uma sociedade mais tolerante em relação à diversidade racial, em comparação com outros países com histórias de segregação racial.
Contudo, essa ideia apenas oculta as disparidades raciais reais do Brasil. Ao longo dos anos esse conceito passou-se a ser chamado como o "mito da democracia racial", pois ele não reflete a realidade da desigualdade racial no Brasil. Muitos autores, como Florestan Fernandes, vão argumentar que a discriminação e a desigualdade persistem no país, e a ideia de "democracia racial" pode servir para mascarar problemas sociais profundos.
Em 2024, somos 56% da população brasileira, recebemos os menores salários, especialmente as mulheres negras (base da pirâmide salarial brasileira, chegando a receber 2,33 vezes menos que um homem branco). As negras e os negros estão entre os maiores índices de desemprego aberto e as menores massas de rendimento real, ao mesmo tempo que entre a maioria dos encarcerados. O racismo também se expressa na violência cotidiana contra a população LGBT (lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais) brasileira. De acordo com dados da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, mais da metade (51,1%) das vítimas de violações de direitos humanos de caráter homo/lesbo/bi/transfóbico no país são autodeclaradas negras e pardas.
O racismo existe e precisa ser combatido e denunciado em qualquer lugar que ele ocorra. Precisa ser debatido com seriedade, sobretudo, entre aqueles e aquelas que tomam pela mão a tarefa de construir uma sociedade socialista. Por isso, acreditamos que contribuir para combater a desigualdade racial, em todas as áreas e facetas, seja tarefa de toda a esquerda revolucionária.
Fazemos isso no dia a dia das lutas do movimento social negro no Brasil. O enfrentamento ao capital de raiz escravocrata que nos levou à reunião no CECAN e às escadarias do Theatro Municipal de São Paulo em 1978, conformando a luta negra organizada em todos país, precisa ser reafirmado cada vez mais alto nesse momento em que o país vive uma grande batalha contra o avanço da extrema direita no Brasil e no mundo. As elites brasileiras – a casa grande que nunca tolerou nossos avanços – querem nos fazer retroceder a condições parecidas com as que vivíamos quando o MNU foi criado.
Sua longevidade, mais de 45 anos, com seu compromisso na luta pela reorganização da esquerda e do movimento negro brasileiro, tem nos possibilitado lutar, de maneira organizada, no último período.
Quem somos?
A Insurgência é uma corrente do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), nascida em 2013. Desde então, é parte da IV Internacional. No Brasil, as negras e negros da Insurgência constróem o Movimento Negro Unificado - MNU, entidade histórica da luta negra organizada no Brasil. A Insurgência também impulsiona o Movimento de educação popular Esperança Garcia e o Movimento RUA - Juventude Anticapitalista. Organize-se na Insurgência e nas lutas do Brasil!
Defendemos enquanto bandeira:
- Um feminismo afrolatinoamericano, transinclusivo e internacionalista
- O fim do racismo religioso. Em defesa dos povos de terreiro no Brasil
- Promoção de uma educação antirracista e do direito à memória do povo negro;
- O Ecossocialismo e o bem viver para superar o racismo ambiental
- A legalização do aborto que vitimiza em sua ampla maioria as mulheres pobres e negras!
- A legalização das drogas, uma vez que, a guerra ao tráfico é na verdade a guerra e o combate à vida da juventude negra!
- A defesa da desmilitarização da PM que possui suas ações baseadas na seletividade racial e territorial!
- Um Programa Nacional de Desencarceramento em oposição à construção e privatização dos presídios;
- Contra a internação compulsória que tem se utilizado do crack como justificativa para as ações violentas de higienização e controle dos pobres, em uma evidente política racial!
- Contra a redução da maioridade penal que vise controlar os filhos da classe trabalhadora, em especial, a juventude negra!
- A democratização dos meios de comunicação, que seguem hegemonizados pela grande imprensa, atuando para manutenção do sistema racista no país.