Eduardo Gudynas, Rebelión, 26 de janeiro de 2021. A tradução é do Cepat.
Um dos últimos atos do governo Donald Trump demonstra claramente o negativo impacto de sua gestão para o meio ambiente.
Alguns dias atrás, iniciou o processo para transferir as terras consideradas sagradas pelos indígenas de seu país para grandes corporações mineiras [1]. Do mesmo modo, poucos meses antes, em 2020, assinou uma ordem executiva que exonerou de avaliações de impacto ambiental os empreendimentos de infraestrutura como oleodutos e estradas.
A presidências de Trump deixa uma pesada carga de impactos ambientais e destruição de normativas que persistirão por vários anos, e que não afeta apenas os Estados Unidos, mas todo o planeta. Suas consequências são tão severas que até dias antes da turba entrar no Capitólio, em Washington, vários analistas consideravam que esta seria a herança mais dramática de sua presidência [2].
É possível resenhar os aspectos de maior destaque nestes anos. Com Trump, foram modificadas, cortadas, enfraquecidas ou anuladas um pouco mais de 125 regulamentações ambientais. O ritmo da demolição foi vertiginoso: cerca de 30 regulamentações por ano. Todas as áreas foram afetadas: dos controles sobre a poluição do ar, das águas e dos solos aos padrões sobre as emissões das indústrias; da fragilização da proteção de áreas naturais à negação da mudança climática [3].
O terremoto Trump reverteu o status de proteção de algumas áreas naturais para permitir a exploração de recursos naturais. Um exemplo muito claro ocorreu com o Parque Nacional Tongass, no Alasca, que é um dos lugares mais relevantes para a proteção de florestas, com árvores de até mil anos de idade. Trump permitiu a entrada de empresas madeireiras para cortar essas árvores. Em outras áreas protegidas e em territórios indígenas, estimulou a exploração de hidrocarbonetos ou a entrada de oleodutos.
O trumpismo se alinhou com as corporações do carvão e do petróleo, rejeitou as medidas para enfrentar a mudança climática e, desse modo, liberou ou flexibilizou os controles sobre a emissão de gases do efeito estufa. Foram alteradas as permissões de emissões de carbono para os carros, para as instalações térmicas de geração elétrica e toleradas emissões de metano nos campos de exploração de hidrocarbonetos [4].
Ao mesmo tempo, atacou a ciência em muitas frentes, sendo outra vez o fato mais notório a negação da mudança climática. Desse modo, os Estados Unidos se retiraram do Acordo de Paris, o modesto convênio a partir do qual os países buscam abrandar a mudança climática.
As condições de trabalho dentro das agências dedicadas a temas ambientais foram tão negativas que centenas de técnicos as abandonaram (700 segundo um relatório recente [5]). Levará muito tempo para recompor essa base humana de conhecimentos e experiências.
Algumas destas medidas são tão claramente negativas que serão revertidas pelo governo de Joe Biden. Contudo, é preciso ter presente que os impactos ambientais se acumulam, persistem, não param e se nem revertem automaticamente. Por exemplo, as emissões de gases do efeito estufo devido às desregulamentações no transporte, nas geradoras de eletricidade ou nos poços de extração de hidrocarbonetos, ocorridas com o trumpismo continuarão por um tempo a mais e persistirão por anos. Estima-se que se somarão 1,8 bilhão de toneladas métricas de gases do efeito estufa, e esse volume representa as emissões combinadas da Inglaterra, Canadá e Alemanha, em um ano.
Ao mesmo tempo, a gestão ambiental de Trump se tornou um exemplo para outros governos. Se Trump podia negar a mudança climática e anular as avaliações de impacto ambiental, por que não agir assim, aqui, no sul? Seu mais visível aluno foi Jair Bolsonaro, que também está destruindo a gestão e os controles ambientais dentro do Brasil. Assim como Trump permitiu o ingresso dos lenhadores em uma floresta protegida, Bolsonaro tolera o desmatamento e os incêndios na Amazônia.
De modo similar, anular as avaliações de impacto ambiental é o que buscam todos os últimos governos no Peru, e o estímulo à mineração de carvão é o desejo das presidências colombianas.
Mas o que nem sempre se compreende é que como a destruição ecológica com Trump foi tão extrema, faz parecer que outros governos são moderados, ainda que também destroem a Natureza, atuam em um ritmo lento e sem se exibir no Twitter. Na América Latina, somos cercados por esses exemplos, como ocorre no Chile, com a persistência de Sebastián Piñera em evitar autonomias indígenas, ou as medidas de Alberto Fernández, na Argentina, estimulando a exploração petroleira e o fracking.
O novo governo de Joe Biden recuará em algumas destas medidas e tentará reverter outras. Por exemplo, os Estados Unidos voltarão a se somar ao Acordo de Paris sobre a mudança climática e promete um plano para gerar energia com zero emissões de carbono em 2035.
Mas é preciso cautela, porque se repete o que se acaba de comentar: o extremismo trumpista faz com que os anúncios de Biden possam parecer o início de uma revolução ambiental, mas isso está ainda longe da realidade. Um exame rigoroso de seu plano de governo mostra que é modesto em matéria ambiental, e algumas de suas primeiras nomeações apontam que se repete a influência das grandes empresas de hidrocarbonetos e energia. A isso se acrescenta que qualquer normativa substancial deverá ser aprovada pelo congresso, que certamente não receberá os votos da oposição.
Nem sempre essas dificuldades são lembradas, já que no ano passado proliferaram análises apressadas sobre “novos pactos verdes” (Green New Deal) em reação ao trumpismo. O assunto é relevante para a América Latina pela difusão que esses programas tiveram. No entanto, na prática, esses pactos verdes não só possuem limitações em seus conteúdos, como também ficaram marcados em apoio como os de Bernie Sanders a Biden, que por sua vez deixou claro que o Green New Deal não é o seu plano [6].
Observando isso da América Latina, os setores conservadores combateriam até mesmo uma moderada reforma ambiental como a que surge com Biden. Mas, ao mesmo tempo, o progressismo sul-americano invoca os pactos verdes, sejam os dos Estados Unidos ou o da Europa ocidental, já que, como ocorreu com Biden, de qualquer modo, oferece a eles a possibilidade de entoar discursos de esquerda, ao mesmo tempo em que seguem apoiando extrativismos de todos os tipos [7]. As soluções que a América Latina requer não podem ficar emaranhadas em uma imitação do que se discute em Washington ou Bruxelas.
Tudo isto demonstra que superar o legado de Donald Trump requer reações muito mais enérgicas, mais inovadoras e mais focadas nas circunstâncias próprias de nosso continente.
Notas
[1] Outcry as Trump officials to transfer sacred Native American land to miners, A. McGivney, The Guardian, 16 de janeiro de 2021, disponível aqui.
[2] Un ejemplo de ese tipo de juicio en: What Will Trump’s Most Profound Legacy Be? Possibly climate Damage, C. Davenport, New York Times, 9 de novembro de 2020, disponível aqui.
[3] Trump rolled back more than 125 environmental safeguards. Here’s how. J. Eilperin, B. Dennis y J. Muyskens, New York Times, 30 outubro de 2020, disponível aqui.
[4] Alguns exemplos em: Air pollution science under siege at US environment agency, J. Tollefson, Nature, 28 de março de 2019, disponível aqui.
[5] Science ranks grow thin in Trump administration, A. Gowen e colaboradores, Washington Post, 23 de janeiro de 2020, disponível aqui.
[6] What Joe Biden was trying to say about the Green New Deal, D. Roberts, Vox, 7 octubre 2020, disponível aqui.
[7] Os diferentes tipos de pactos verdes são analisados em: Tan cerca y tan lejos de las alternativas al desarrollo, E. Gudynas, RedGE, Lima, disponível aqui.