Carina Vance, Latinoamerica 21, 13 de junho
No dia 7 de junho a Assembleia Nacional do Equador aprovou por maioria absoluta a lei sobre o uso legítimo da força. Segundo diversos analistas a nova lei “não muda nada” ou mesmo “melhora as coisas” em termos do uso progressivo da força e do respeito aos direitos humanos em relação à lei atual. Para além do debate sobre a eficácia da nova lei, acredito que o seu verdadeiro propósito não é mudar a norma, mas enviar uma mensagem.
Para a polícia e os militares, a mensagem é de que a lei os protege caso cometam excessos. De fato, a lei foi proposta após reiterados pedidos de autorização a fazer um maior uso da força, que exibiram de forma sangrenta em outubro de 2019, especialmente na cidade de Quito. Diz-se que com a nova lei os direitos das polícias e militares serão finalmente respeitados. Suas mãos não estarão mais “amarradas” diante do crime.
Para os cidadãos, a mensagem é de que agora a insegurança será tratada de forma eficaz. O atual governo equatoriano está trabalhando com uma estratégia de comunicação segundo a qual os atuais problemas de segurança do país são devidos a supostas ligações entre “correismo” e máfias do tráfico de drogas. Entretanto, segundo o Observatório de Homicídios do Instituto Igarapé, no período 2008-2017, ou seja, durante o governo de Rafael Correa, o país registrou avanços históricos em termos de segurança, posicionando-se como um dos destinos mais seguros da América Latina.
Porém, na contramão dessa tendência, nos últimos seis anos a taxa de homicídios dobrou, com quase 400 mortes nas prisões do país. Como resultado, a perversidade da violência experimentada pelo país atingiu níveis inimagináveis, ao ponto que a população hoje tem medo de sair de suas casas. Nesse contexto, no qual os roubos violentos aumentaram, a administração do presidente Guillermo Lasso procura posicionar a ideia de que agora haverá “mão dura” contra “os delinquentes”.
Alguns analistas governistas, contra todas as evidências, argumentam que a atual situação de insegurança se deve às políticas implementadas durante o chamado governo da Revolução Cidadã. A partir desta narrativa, a lei simboliza um “virar de página” para que o Equador possa finalmente se recuperar dos supostos males do “correismo” que desencadearam a escalada da insegurança vivida no país.
Neste contexto, o apoio majoritário à lei sobre o uso legítimo da força pelo bloco legislativo da União pela Esperança (UNES), formado pela Revolução Cidadã, acaba parecendo um “mea culpa”. Após a aprovação da lei, e em resposta a perguntas sobre seu apoio a ela, os porta-vozes da UNES indicaram que não querem “dar desculpas” ao Presidente Lasso por não combater efetivamente a insegurança. No entanto, o que aconteceu é que eles não tiveram a capacidade política de contrariar efetivamente a rede que foi criada contra o “correismo”.
Esta lei terá algum efeito sobre as taxas de insegurança? De acordo com dados de instituições como a CEPAL, não. O que poderia ter um efeito sobre a violência seria reduzir os índices de pobreza em que a população está imersa e a desesperança de uma grande parte da juventude equatoriana. Atualmente, temos um sistema educacional desmontado, educação técnica e tecnológica destruída, jovens entrando nas universidades com conta-gotas, e uma população faminta. Estas são as consequências das políticas neoliberais dos governos Moreno e Lasso, somadas a um complexo contexto global marcado pela pandemia, a crise econômica e a guerra na Ucrânia.
Além disso, de acordo com organizações como o Fórum de Profissionais Latino-americanos de Segurança, os países que aplicaram políticas de mão dura não conseguiram reduzir a criminalidade. O que reduzirá as taxas de insegurança e violência é aumentar o orçamento público bem investido em um sistema de reabilitação social.
Ao contrário de uma abordagem social e de direitos humanos, que é imperativa em situações como as vivenciadas pelo Equador, temo que esta lei irá fortalecer as forças da “lei e ordem” e aumentar as violações dos direitos humanos contra pessoas definidas como “criminosas” ou “narcos”, e até mesmo contra todos aqueles que se engajam em protestos sociais ou se opõem às políticas governamentais.
O Equador já viveu duros momentos de violações e abusos pela polícia, com casos como o desaparecimento dos irmãos Restrepo durante o governo de León Febres Cordero. Diante dos atuais níveis de insegurança do país, muitos acreditam que “os direitos humanos são para os humanos direitos “, uma postura aberrante, mas que é cada vez mais percebida e que chega a gerar alegria entre alguns cidadãos a cada novo massacre nas prisões.
Neste contexto, deve-se observar que o Presidente Lasso assinou recentemente um acordo de cooperação com Israel em matéria de segurança e, no âmbito da Cúpula das Américas, propôs ao Presidente dos EUA a implementação de um “Plano Equador” no estilo do “Plano Colômbia”, que durante duas décadas contribuiu para o derramamento de sangue naquele país, sob o pretexto da luta contra as drogas.
No Equador, os abusos dos direitos humanos já estão sendo cometidos pelas “forças da lei e da ordem”. O que nos espera agora com este sinal inconfundível de que a “ordem do Estado” se intensificará?
Carina Vance é doutorando na Escola de Saúde Pública e Medicina Tropical da Univ. de Tulane. Mestre em Saúde Pública pela Univ. da Califórnia, Berkeley. Ex-ministro da Saúde Pública do Equador e ex-diretor executivo do Instituto Sul-Americano de Governo em Saúde (ISAGS).