Ilya Matveev e Ilya Budraitskis em Jacobin. 24 de fevereiro de 2022.
*Matveev é pesquisador e Budraitskis é escritor, ambos são militantes que vivem atualmente na Rússia.
A Rússia atacou a Ucrânia ontem à noite [23-24 de Fevereiro]. Os piores temores foram confirmados. A extensão da invasão não é totalmente compreendida, mas já é claro que os militares russos atacaram alvos em todo o país, não apenas no Sudeste (ao longo da fronteira das chamadas "repúblicas populares"). Esta manhã, os ucranianos em várias cidades foram acordados por explosões.
Vladimir Putin deixou claro o objetivo militar da operação: a rendição completa do exército ucraniano. O plano político permanece pouco claro - mas talvez o mais provável seja o estabelecimento de um governo pró-russo em Kiev. A liderança russa assume que a resistência será rapidamente quebrada e que a maioria dos ucranianos comuns aceitarão o novo regime com todo o respeito. As consequências sociais para a própria Rússia serão obviamente graves - já de manhã, mesmo antes do anúncio das sanções ocidentais, as bolsas de valores russas entraram em colapso e a queda do Rublo Russo bateu todos os recordes.
O discurso de Putin ontem à noite, no qual anunciou a eclosão da guerra, representou a linguagem não disfarçada de imperialismo e colonialismo. Neste sentido, o seu governo é o único que fala tão abertamente como uma potência imperialista do início do século XX. O Kremlin já não é capaz de se esconder atrás de outras narrativas - incluindo mesmo o alargamento da OTAN - o seu ódio à Ucrânia e o seu desejo de lhe dar uma "lição" punitiva. Estas ações estão para além dos "interesses" racionalmente compreendidos e encontram-se perdidos no reino da "missão histórica", tal como Putin a compreende.
Desde a prisão de Alexei Navalny em Janeiro de 2021, a polícia e os serviços de segurança têm esmagado brutalmente a oposição organizada na Rússia. A organização de Navalny foi considerada "extremista" e desmantelada, as manifestações em sua defesa resultaram em cerca de quinze mil detenções, e quase todos os meios de comunicação independentes foram censurados ou marcados como "agentes estrangeiros", limitando gravemente a sua operação. As manifestações de massas contra a guerra são improváveis - não há força política capaz de as coordenar e a participação em qualquer protesto de rua, incluindo um piquete de uma só pessoa, é rápida e severamente punida. Os meios ativistas e intelectuais na Rússia estão chocados e desmoralizados com os acontecimentos.
Um sinal tranquilizador é que nenhum apoio claro à guerra é discernível na sociedade russa. De acordo com o Levada Center, a última agência de sondagens independente (ela própria rotulada de "agente estrangeiro" pelo governo russo), 40% dos russos não apoiam o reconhecimento oficial das "repúblicas do povo" de Donetsk e Luhansk pelas autoridades russas, enquanto 45% dos russos apoiam. Embora sejam inevitáveis alguns sinais de "manifestação em torno da bandeira nacionalista", é notável que, apesar do controle total sobre as principais fontes mediáticas e de uma dramática efusão de demagogia propagandística na televisão, o Kremlin é incapaz de fomentar o entusiasmo pela guerra.
Nada parecido com a mobilização nacionalista de extrema-direita que se precedeu à anexação da Crimeia em 2014 está acontecendo hoje. Nesse sentido, a invasão da Ucrânia tem de refutar a teoria de que a agressão externa do Kremlin tem sempre como objetivo apoiar a legitimidade interna. Pelo contrário, se alguma coisa pode acontecer é que esta guerra desestabilizará o regime e até ameaça à sua sobrevivência em certa medida, uma vez que o "problema 2024" - a necessidade de dar um show convincente da reeleição de Putin, quando os russos votarem para escolher sua presidência -está com cartas em cima da mesa.
A esquerda de todo o mundo precisa de se unir em torno de uma mensagem simples: não à invasão russa da Ucrânia. Não há justificação para as ações da Rússia; elas resultarão em sofrimento e morte. Nestes dias de tragédia, apelamos à solidariedade internacional para com a Ucrânia.
[A tradução livre desse artigo é de Daniel Lopes, militante da Insurgência]