Juan Arias, El País Brasil, 1 de dezembro de 2020
É verdade que a velha política ainda continua forte, como se viu nestas eleições em que dominaram a maioria dos votos. E, entretanto, o crescimento do PSOL significa uma luz de esperança e de renovação
A novidade destas eleições municipais foi sem dúvida o pequeno PSOL. Enquanto o PT, do qual nasceu, teve a sua pior derrota, o PSOL se viu protagonista da nova política e das classes médias abertas à modernidade, que hoje se sentem órfãs de uma política menos ideologizada, menos corrupta e mais sintonizada com as novas exigências de um tempo em plena transformação.
O pequeno PSOL tem como símbolo e mártir Marielle Franco, a jovem assassinada no Rio, certamente por sua luta contra as milícias que estavam envenenando a política da cidade e do Estado. Aquela moça cheia de vida, uma política nova sem outra ideologia senão a de criar esperança entre os mais martirizados e esquecidos da periferia, representava os sonhos de uma política nova que acabasse com os preconceitos contra as mulheres e os diferentes.
Não deve ser acaso que a partir do assassinato de Marielle o PSOL teve o maior triunfo de sua existência como partido E não deve ser por caso que o bolsonarismo mais raiz começou a desmoronar justamente quando o partido do pequeno David contra o gigante Golias abre caminhos novos de liberdade. No Rio de Janeiro, o partido elegeu sete vereadores e, assim, formou sua maior bancada na história, dividindo o posto de maior bancada com outros dois partidos de direita.
Com seu sucesso em São Paulo ―onde conseguiu triplicar o número de vereadores eleitos em 2020, tornando-se a terceira maior bancada da capital símbolo do capitalismo brasileiro―, o PSOL revelou que existe uma classe média bem posicionada, culturalmente rica e socialmente aberta em busca de líderes novos, cansada também ela da velha política de rapina. Também disputou pela primeira vez o segundo turno pela Prefeitura da capital paulista, com Guilherme Boulos encerrando a campanha em segundo lugar, com 40% dos votos.
Tampouco é uma coincidência que o pequeno PSOL ressurja com força neste momento de trevas e infernos do bolsonarismo que está envenenando o país após ter abraçado o pior da velha política, da qual o Brasil estava tão cansado.
É verdade que essa velha política, que cresce na corrupção, ainda continua forte, como se viu nestas eleições em que dominaram a grande maioria dos votos. E, entretanto, o triunfo do PSOL significou uma luz de esperança e de renovação dessa política que tem cada vez menos espaço em uma sociedade em plena revolução, onde os milhões de jovens se conectam cada vez menos com o passado e vivem uma das maiores transformações que a humanidade já viveu.
Os jovens estão órfãos politicamente de novos sonhos, de novas esperanças, de caminhos a explorar, de se sentirem não simples herdeiros do passado, e sim protagonistas do presente. A política de seus pais envelheceu para eles, e essa geração quer criar formas novas de viver com paixão e sem se aburguesar.
O PSOL neste momento significa a antítese do bolsonarismo que só sabe reunir os jovens velhos alérgicos a qualquer novidade, medrosos dos diferentes a quem vê como inimigos em vez de companheiros de viagem.
Não, o PSOL não deve ser a herança do PT e menos de seus pecados ―um partido que teve seu momento de glória e seu declínio por não ter sabido se enxertar no sangue novo dos jovens. O PT do qual nasceu e do qual os fundadores do PSOL foram expulsos por seu espírito de rebeldia contra a corrupção, que já começava a envenená-lo, está em declínio porque foi incapaz de se renovar. O PT nasceu do sindicalismo no momento em que as massas de trabalhadores industriais precisavam ser apoiadas e defendidas, e os jovens de então procuravam novos horizontes sociais e renovadores. O pecado do PT foi ter se petrificado frente a um mundo novo que estava nascendo, onde as classes que necessitavam de apoio eram outras.
Hoje o PSOL é filho rebelde daquele PT que começava a se aburguesar e a fazer alianças com os partidos mais conservadores e que, como chegou a criticar Lula em um momento de sinceridade, já não trabalham por amor ao partido e suas causas, e sim para enriquecer e procurar cargos na burocracia.
É verdade que o PSOL ainda tem um longo caminho a trilhar. Elegeu prefeitos em apenas cinco cidades brasileiras, sendo uma capital, Belém, no Pará. Mas o número representa um crescimento de 150% em relação à eleição passada. O PT, por sua vez, elegeu prefeitos em 183 municípios, 28% a menos que 2016, sendo que nenhum deles é uma capital, algo que não ocorria desde 1985.
O PSOL que foi profeta na época não pode cair neste momento de glória nos velhos pecados da esquerda ideologizada. Tem que manter seu espírito de defesa das novas formas de trabalho que estão nascendo. Têm que entender que hoje o proletariado é outro. São os desempregados, os transgêneros, os trabalhadores precários e os novos bolsões de pobreza material e espiritual.
Não deve ser um acaso que o PSOL triunfe enquanto o bolsonarismo fanático se desmorona. O pequeno partido de uma esquerda diferente e moderna tem que ser neste momento o oposto desse bolsonarismo que está envenenando a sociedade com seus negacionismos, seus delírios autoritários e sua repulsa de tudo de novo que está germinando no mundo jovem.
Aos jovens bolsonaristas criadores dos gabinetes do ódio e da divisão, o PSOL deve propor gabinetes do diálogo, espaços para todos os diferentes, sem bandeiras de discriminação na defesa dos valores democráticos e das liberdades.
Tem que ser, se quiser continuar crescendo, o coração de uma sociedade em busca de valores e de sonhos de esperanças que foram se perdendo pelo caminho de um capitalismo de rapina, que arrastou cada vez mais gente às periferias da miséria ao esquecimento.
Contra o bolsonarismo, inimigo da cultura que está desprezando e humilhando, o PSOL precisa recuperar inteiramente o rico mundo da cultura e da criatividade, que é onde se forja a verdadeira democracia. E contra o negacionismo áspero que acaba criando morte e desilusão deve o novo partido semear no país sementes de criatividade. Semear vida em vez de morte. Armar a sociedade não com as armas que matam, e sim com as que criam nova vida. Contra as armas de guerra são necessárias hoje, mais do que nunca, as armas da criatividade e do desejo de superação.
Se a violência é inerente ao ser humano e ao egoísmo coletivo, a cultura e a política dos valores de convivência devem ser o melhor antídoto contra as guerras psicológicas com as quais a extrema direita tenta envenenar uma sociedade cansada de ódio. Uma sociedade em busca de valores que a liberem e encaminhem pelo caminho de novas apostas criativas e libertadoras sem o espartilho do novo obscurantismo que a empobrece e aliena.
Juan Arias é jornalista e escritor, com obras traduzidas em mais de 15 idiomas. É autor de livros como ‘Madalena’, ‘Jesus esse Grande Desconhecido’, ‘José Saramago: o Amor Possível’, entre muitos outros. Trabalha no EL PAÍS desde 1976. Foi correspondente deste jornal no Vaticano e na Itália por quase duas décadas e, desde 1999, vive e escreve no Brasil. É colunista do EL PAÍS no Brasil desde 2013, quando a edição brasileira foi lançada, onde escreve semanalmente.