Heraldo Campos*
Na última semana de agosto de 2020 a TV aberta mostrou as imagens de tremores de terra na região do Recôncavo Baiano, que atingiram até 4,6 na Escala Richter. As imagens da mercadoria caindo das prateleiras de um supermercado nessa área dos abalos sísmicos chegaram a assustar. Na cidade de São Miguel das Matas as casas atingidas pelos tremores apresentaram várias rachaduras.
As falhas geológicas quando reativadas são as principais responsáveis pelos terremotos.
Apesar do Vale do Paraíba e do Litoral Norte do Estado de São Paulo estarem cerca de 2.000 km de distância dessa região, existe um fator em comum entre elas que é a direção nordeste na qual se encontram alinhadas as falhas geológicas, mesmo que representem compartimentos geológicos e zonas sismogênicas distintas.
Estudei esse feixe de falhas geológicas alinhado na direção nordeste na minha tese de doutorado de 1993. Na época desse estudo, numa tentativa de se explicar possíveis anomalias hidrogeoquímicas existentes nas águas subterrâneas do Sistema Aquífero Taubaté, alojado no Vale do Paraíba, o trabalho de HASUI et al. (1982) chamou bastante a atenção, sendo aqui extraído e reproduzido um trecho.
Segundo esse trabalho “em estudo da geologia, tectônica, geomorfologia e sismologia regionais de interesse às usinas nucleares da Praia de Itaorna (RJ) as condições tectônicas atuais parecem ser residuais, com discreta acomodação dos blocos intensamente movimentados no Terciário. Essa acomodação, a se julgar pelos dados geomorfológicos e sísmicos, não é generalizada mas se concentra em área de maior incidência, caracterizando várias zonas sismogênicas. Essas zonas de instabilidade tectônica e sismogênica têm sido consideradas como províncias sismo-tectônicas.
[…] A zona sismogênica de Cunha é que apresenta maior número de epicentros. É também a que, por seu relevo, denota ter sofrido maior movimentação tectônica durante o Terciário.”
Guardadas as devidas ressalvas mencionadas, sobre os compartimentos geológicos e as zonas sismogênicas distintas, para as regiões do Recôncavo Baiano, Vale do Paraíba, Litoral Norte e acrescentando nesse cenário, a Praia de Itaorna em Angra dos Reis (RJ), poderíamos pensar, de maneira bem simplificada, que todas essas regiões estariam assentadas numa grande avenida, com alinhamentos de falhas geológicas de direção nordeste.
Nos anos 70 e 80 do século passado, a pergunta que se fazia era se o governo militar instalado pelo golpe de 1964 estava preocupado com estudos geológicos desse tipo, que alertavam para as zonas sismogênicas, uma vez que na Praia de Itaorna foram construídas, ao longo dos anos, as usinas nucleares de Angra 1, 2 e 3.
Para o atual governo militar, instalado pelo golpe eleitoral de 2018, que guarda muita semelhança com o anterior e despreza os dados científicos, nunca é demais lembrar que Itaorna na língua guarani significa “pedra podre” ou “pedra mole”.
“Se as pessoas não tiverem vínculos profundos com sua memória ancestral, com as referências que dão sustentação a uma identidade, vão ficar loucas neste mundo maluco que compartilhamos.” (Ailton Krenak).
*Heraldo Campos é doutor em Ciências pelo Instituto de Geociências da USP e pós-doutorado pelo Departamento de Hidráulica e Saneamento, Escola de Engenharia de São Carlos, USP.