Não é um silêncio passivo. É um silêncio ativo, um compromisso feroz com a distração e a irrelevância, diante de uma crise existencial.
George Monbiot, El Diario, 20 de julho de 2022. A tradução é do Cepat.
Podemos falar sobre isso agora? Refiro-me ao assunto que a maior parte dos meios de comunicação e a maior parte da classe política vêm evitando há tanto tempo. Você sabe, o único assunto que conta: a sobrevivência da vida na Terra. Todo mundo sabe, por mais que evitem o assunto, que, além dele, todos os outros assuntos que enchem as primeiras páginas e obcecam os especialistas não são nada.
Até os editores do Times, que ainda publicam colunas negando a ciência climática, sabem disso. Os políticos conservadores do Reino Unido que almejam liderar o partido, que ignoram ou minimizam a questão, sabem disso. Nunca o silêncio foi tão forte ou tão ressonante.
Este não é um silêncio passivo. É um silêncio ativo, um compromisso feroz com a distração e a irrelevância, diante de uma crise existencial. É um vazio assiduamente preenchido por curiosidades e diversões, fofocas e espetáculos. Fale de tudo, mas não sobre isso. Contudo, enquanto as pessoas que dominam os meios de comunicação evitam o assunto a todo custo, o planeta fala com um rugido que não pode mais ser ignorado. Nesses dias de fúria atmosférica, esses choques de calor e incêndios florestais ignoram o silêncio furioso e irrompem rudemente em nosso retiro silencioso.
Ainda não vimos nada. O calor perigoso que a Inglaterra está sofrendo no momento já está se tornando normal no sul da Europa e estaria entre os dias mais frescos dos períodos quentes em partes do Oriente Médio, África e sul da Ásia, onde o calor está se tornando uma ameaça habitual à vida. Não demorará muito, a não ser que sejam tomadas medidas imediatas e abrangentes, para que esses dias de fúria se tornem a norma, mesmo em nossa zona climática, antes temperada.
Silêncio na vida pública
A mesma fórmula se aplica a todos os danos que nós, humanos, causamos uns aos outros: o que não pode ser discutido, não pode ser abordado. Nosso fracasso em evitar um aquecimento global catastrófico surge, acima de tudo, da conspiração de silêncio que domina a vida pública, a mesma conspiração de silêncio que, em um momento ou outro, cercou todos os tipos de abuso e exploração.
Nós não merecemos isso. A imprensa bilionária e os políticos que ela promove podem merecer, mas nenhum de nós merece qualquer um desses grupos. Estão construindo um mundo entre eles que não escolhemos para viver, no qual talvez não possamos viver. Nessa questão, assim como em tantas outras, as pessoas tendem a estar muito à frente daqueles que afirmam nos representar. Mas esses políticos e barões dos meios de comunicação empregam todas as artimanhas e falcatruas imagináveis para impedir que ações decisivas sejam tomadas.
Eles fazem isso em nome da indústria de combustíveis fósseis, pecuária, finanças, empresas de construção, fabricantes de automóveis e companhias aéreas, mas também em nome de algo maior do que qualquer um desses interesses: o poder da incumbência. Aqueles que detêm o poder hoje, mantêm-se eliminando os desafios, independentemente da forma que assumam. A exigência de descarbonizar nossas economias não é só uma ameaça à indústria intensiva em carbono, é uma ameaça à ordem mundial que permite que os homens poderosos nos dominem. Dar espaço aos ativistas climáticos é ceder o poder.
O erro da cautela
Nos últimos anos, comecei a notar que os principais movimentos ambientalistas cometeram um erro terrível. A teoria da mudança perseguida pela maioria dos grupos verdes estabelecidos está totalmente errada. Embora raramente seja articulada abertamente, ela governa a sua estratégia. É mais ou menos assim. O tempo é muito curto e o desafio também é muito grande para tentar mudar o sistema. As pessoas não estão preparadas para isso. Nós não queremos assustar nossos membros, nem provocar uma briga com o governo. Sendo assim, a única abordagem realista se concentra em fazer mudanças graduais. Faremos campanha, tema por tema, setor por setor, por melhorias graduais. Após anos de perseverança, as pequenas reivindicações vão se somar a uma mudança abrangente e chegaremos ao mundo que queremos.
Mas enquanto se joga paciência, o poder joga pôquer. A insurgência da direita radical varreu tudo à sua frente, esmagando o estado administrativo, destruindo as proteções públicas, capturando os tribunais, o sistema eleitoral e a infraestrutura de governo, acabando com o direito de protestar e o direito de viver. Enquanto nos convencemos de que não há tempo para mudar o sistema, eles provaram que estávamos errados mudando tudo.
O problema nunca foi que a mudança de sistema é grande demais ou demora muito. O problema é que implementá-la de forma gradual é um objetivo muito pequeno. Não só pequeno demais para impulsionar a transformação, não só pequeno demais para deter a maré de mudança revolucionária vinda da direção oposta, mas também pequeno demais para acabar com a conspiração de silêncio. Apenas uma demanda por mudança de sistema, que confronte diretamente o poder que nos leva à destruição planetária, tem o potencial de estar à altura do problema e inspirar e mobilizar as milhares de pessoas necessárias para gerar uma ação efetiva.
Em todo esse tempo, os ambientalistas têm dito às pessoas que enfrentamos uma crise existencial sem precedentes, ao mesmo tempo em que pedem que reciclem as tampas das garrafas e troquem seus canudinhos para beber. Os grupos verdes têm tratado seus membros como idiotas e, suspeito, em algum lugar lá no fundo, que os membros sabem disso. Sua cautela, sua relutância em dizer o que realmente querem, sua crença equivocada de que as pessoas não estão prontas para ouvir nada mais desafiador do que essas besteiras microconsumistas carregam uma parcela significativa da culpa pelo fracasso global.
Nunca houve tempo para mudanças graduais. Longe de ser um atalho para a mudança que queremos ver, é um pântano no qual a ambição afunda. A mudança de sistema, conforme a direita provou, é, e sempre foi, o único meio rápido e eficaz de transformação.
Romper o silêncio
Alguns de nós sabem o que queremos: suficiência privada, luxo público, economia donut, democracia participativa e civilização ecológica. Nenhum desses grandes desafios é maior do que o alcançado pela imprensa bilionária e em larga escala: a revolução neoliberal que varreu a governança efetiva, a tributação efetiva dos ricos, as restrições efetivas ao poder dos negócios e dos oligarcas e, cada vez mais, a democracia efetiva.
Então, vamos romper nosso próprio silêncio. Vamos parar de mentir para nós mesmos e para os outros, fingindo que as pequenas medidas trazem grandes mudanças. Vamos abandonar a cautela e o simbolismo. Vamos parar de carregar baldes de água, quando apenas caminhões de bombeiros servem. Vamos construir nossa campanha em favor da mudança sistêmica em direção ao limite crítico de 25% de aceitação pública, para além do qual, segundo uma série de estudos científicos, ocorre a inflexão social.
Para mim, está mais claro do que nunca o que é uma ação política eficaz. No entanto, uma questão fundamental permanece. Dado que demoramos tanto, podemos alcançar o ponto de inflexão social, antes de atingir o ponto de inflexão ambiental?