Rita Almeida, 29 de outubro de 2020
Existem muitos brasileiros que não se importam com o SUS como deveriam, porque acreditam que não são usuários do sistema. Pensam que, pagar por um plano de saúde e não se consultar no posto do bairro, significa não utilizar o SUS. Mas, para esses, eu tenho uma novidade: TODOS os brasileiros que habitam este território que chamamos Brasil fazem uso e se beneficiam do SUS.
Em primeiro lugar, se você pode se dar ao luxo de morrer aos 80 anos em decorrência das complicações do Alzheimer, é porque não morreu de diarréia antes de 1 ano de idade, de sarampo aos 5, de tétano aos 9, de surto de meningite aos 13, de cólera aos 20, em decorrência de HIV ou sífilis aos 25, de acidente de trabalho aos 30, de picada de cobra ou escorpião aos 35, de tuberculose aos 40, de câncer de boca ou pulmão aos 45, de sequela de tênia aos 50, de infecção alimentar aos 55, de dengue aos 60, de câncer de colo de útero aos 65 ou de gripe aos 70. Todas essas doenças citadas, precisam ser principalmente tratadas no campo do que chamamos de “saúde coletiva”, coisa que nenhum plano de saúde seria capaz de fazer, simplesmente porque os planos de saúde só atendem os seus clientes e, geralmente, com medicina preponderantemente curativa. Ou seja, nenhum plano de saúde, por mais caro que você possa pagar, teria como cuidar de uma epidemia de tuberculose, por exemplo. O controle ou a erradicação da tuberculose é a única medida eficaz para combater, de fato, a doença - que é altamente contagiosa - para isso, os que podem ou que não pode pagar, deverão ser igualmente vacinados ou mantidos sob cuidado para não transmitirem a doença. No caso da tuberculose, assim como no de muitas outras doenças, o tratamento não tem o efeito desejado se for para apenas para um ou outro caso.
A dengue também é boa para entender a importância do SUS, gosto de chamá-la de “doença para ensinar cidadania”. Não adianta você cuidar da água parada do seu quintal e nem se isolar no seu maravilhoso condomínio com porteiro 24 horas, se não houver um trabalho coletivo - trabalho este feito pelo SUS e seus agentes sanitários e de saúde - a doença vai chegar até você e sua família. Duvido que um plano de saúde se dispusesse a vigiar a limpeza da casa do seu vizinho, que não paga como você.
A Pandemia de COVID 19 tem dado aula de saúde pública pro mundo. Todas as formas de prevenção e combate da doença só funcionam e funcionarão no âmbito coletivo, e a vacinação em massa é a única solução real para superar o problema.
O SUS regula nosso sistema de água potável e esgoto por causa das verminoses, regula a qualidade da carne que você come, a higiene do restaurante que você frequenta e os medicamentos que você usa (a ANVISA faz parte do SUS). Nosso sistema de saúde está sempre atento à “chegada” ou avanço de novas doenças, evitando que elas se alastrem, cuida das fronteiras, evitando doenças que venham de outros países, exige sistemas de proteção e legislações que reduzam acidentes, epidemias e riscos à saúde, e cria campanhas de massa para educação e prevenção de doenças e agravos. Só para dar outro exemplo, o SUS conseguiu, em poucos anos, mudar completamente a cultura do cigarro (tabaco) no Brasil e tornou-se referência mundial. Sem proibição da droga, apenas com campanhas educativas e legislações restritivas para propaganda e locais de uso, o número de fumantes passou de cerca de 35% em 1989 para menos de 15% em 2013. Tal mudança de cultura, que acaba refletindo nas gerações seguintes, só foi possível organizada por um sistema público, forte e universalizado.
A Farmácia Popular, outro programa do SUS, também não beneficia apenas os que têm acesso à medicação gratuita, ao impulsionar a expansão do mercado, promove também a queda dos preços para os demais consumidores, além de quebrar as patentes das indústrias farmacêuticas e movimentar pesquisas e a produção de medicamentos com custo mais baixo.
O SUS é um dos maiores sistemas públicos de saúde do mundo, tem um programa de imunização de doenças que é um sucesso, sendo o responsável pela erradicação de várias delas. O impacto do SUS na redução da mortalidade infantil no país é indiscutível. O Brasil tem um sistema de tratamento e prevenção de HIV/aids exemplar e é o sistema público que mais faz transplantes e hemodiálises no mundo todo, incluindo a manutenção de uma rede de doadores de sangue e órgãos, com excelência em tecnologia. Todas essas e outras intervenções de alta complexidade ficam a cargo do SUS, pelo fato de serem muito dispendiosas e inviáveis para o sistema privado, que obviamente, tem como interesse primeiro, lucrar. Sabe aquele procedimento que você precisa de autorização e seu plano não libera? Pois é...
O SAMU atende acidentes de trânsito, domésticos, urgências e emergências cardíacas ou quaisquer outras que ofereçam risco de morte. Tendo plano ou não, recursos ou não, o atendimento do SAMU é universal. Ninguém nunca deixará de ser atendido por causa da sua condição financeira, talvez pelo estrangulamento do programa que, como muitos outros, vem sendo progressivamente sucateado. Então, mesmo que você esteja assegurado por uma ambulância particular, o SUS atende a vítima do acidente de trânsito que você provocou ou do pedreiro que se feriu na sua obra, ainda que eles não estejam assegurados por um plano privado como você.
Outro dado importante, estamos num sistema capitalista, e nele, o que rege é a lei da oferta e da procura. Portanto, se todos tiverem que pagar seus planos privados, por causa da falência do nosso sistema público, esteja certo que você terá que pagar muito mais caro do que paga hoje.
A idealização do SUS tem raízes numa concepção de saúde integral, solidária, humanitária, democrática e que não seja objeto das leis do mercado. Saúde não tem preço e não pode estar a venda. Esse diferencial já seria suficiente para defendermos o SUS como patrimônio nacional, estabelecendo com ele uma noção maior de pertencimento e agregando-lhe o valor que realmente merece. Entender que “o SUS é nosso” se faz fundamental para militarmos em sua defesa, a fim de lhe garantir mais recursos e financiamentos e não o seu desmonte, como o governo atual vem fazendo. As deficiências do SUS são decorrentes do que não se investe nele e não por quem ele é.
O SUS é um sistema para o Brasil e não uma espécie de caridade para os pobres. O SUS está em toda parte; está literalmente no ar que respiramos e na água que bebemos.
O SUS é nosso!
Defenda o SUS!
AbraSUS
Rita Almeida é psicóloga/psicanalista, Mestre e Doutora em Educação pela UFJF, militante da Reforma Psiquiatrica Brasileira e professora de pós-graduação em Saúde Mental e Saúde Pública