A variante ômicron: uma mutação política
Jorge Alemán, Pagina12, 31 de dezembro de 2021
A nova mutação do vírus criou uma nova situação. Uma aceitação definitiva de viver com a doença. É verdade que ainda existe uma diferença relativa entre a direita negacionista e a esquerda progressista ou os governos democráticos e populares. Mas esta diferença está se tornando cada vez mais tênue. As diversas derrotas e reveses históricos dos movimentos operários organizados em escala mundial se revelam em seu sentido final: a impotência que surge quando se trata de constituir forças populares que imponham aos Estados o direito de preservar o Comum dentro da sociedade. Assim, podemos ver que, diante do vírus Omicron e sob o pretexto de que ele gera uma "doença leve", as exigências do mercado acabaram sendo privilegiadas. Não é mais o delirante negacionismo da ultra-direita ou do movimento anti-vacina, mas um resignado e realista negacionismo que surge de baixo, que é desejado por amplos setores, e como uma maré acompanha o movimento dos governos. Assim como já parece ter-se concluído que a doença é leve e que aqueles em risco ou os infelizes morrerão, também já é aceito que o "povo" não aguenta mais, que não há mais nenhuma possibilidade real de restrições sérias, e que devemos, portanto, aprender a viver sob as condições de um neo-darwinismo capitalista mais radical. De certa forma, é um triunfo das direitas, que sempre soube que cedo ou tarde os imperativos da economia, a precariedade de vidas que só podem ser abrigadas em empregos erráticos, e os cálculos egoístas do gozo que atualmente permeiam o tecido das massas acabariam prevalecendo. Isto confirma que direita e esquerda não resolvem mais seus conflitos no mesmo tabuleiro de xadrez. De forma metafórica, a esquerda joga xadrez com um jogador, enquanto a direita joga em uma PlayStation que recomeça sucessivas vezes. Em outras palavras, o que cada posição define como Democracia pertence a uma ordem radicalmente oposta. Mas esta situação nunca é definitiva, está sempre em movimento e, de um momento para o outro, o inerte do povo entregue a um negacionismo resignado, pode se tornar o Povo pronto para sua luta. Um Povo não existe a priori, ele é inventado no desdobramento do antagonismo que o constitui. Para isso, como diria Maquiavel, precisamos de "profetas armados" como Moisés, não armados pelo fogo, mas por uma nova Lei que trará uma nova ordem de civilização. As dívidas geradas pelo capital para fazer desaparecer o Povo podem não ser pagas, mas então será necessário explicar honestamente como o deserto será atravessado e qual é a terra que nos espera. Nunca antes, e esta pandemia é uma clara demonstração disso, foi tão urgente para a humanidade parar a marcha do trem enloquecido do Capital. Esperemos que este negacionismo atenuado que está triunfando no Ocidente "serial" seja o último suspiro de niilismo que se acomoda a qualquer coisa. Enquanto isso, no final deste ano, eu também digo minha pequena oração leiga por nós, para que possamos acordar desta história.