A crise da água é “iminente”. A escassez deste recurso já é um problema real em algumas regiões do mundo e o acesso universal estará longe de ser garantido nas próximas décadas, conforme alerta a ONU em um relatório publicado nesta terça-feira pela Organização Mundial de Meteorologia (OMM). Nele estima que nos próximos trinta anos poderá haver mais de 5 bilhões de pessoas com algum tipo de dificuldade para ter acesso plenamente a esse bem essencial.
Alejandro Tena, Público, 5 de outubro de 2021. A tradução é do Cepat.
O problema, não obstante, já é real e no presente existem cerca de 3,6 bilhões de pessoas que sofrem as consequências da escassez, ao menos durante um mês por ano. A crise climática intensificou as secas e o armazenamento de água terrestre – aquíferos, pântanos, geleiras e neve – disponível para beber ou irrigar plantações diminuiu em média um centímetro por ano, nas últimas duas décadas.
Embora a maior perda de volumes de água esteja concentrada em territórios pouco povoados como as regiões da Antártida e Groenlândia - onde são registradas quedas de até 4 centímetros anuais -, existem outras regiões de risco com alta densidade populacional – como os países da região mediterrânea, o Sahel, o sul da África e o leste do continente sul-americano, além da Índia e outros países do sul da Ásia – onde os volumes de água não estarão garantidos a médio prazo para toda a população.
As secas, alerta a publicação, se tornaram mais recorrentes e intensas, ao passo que sua duração média já é 29% mais longa do que em inícios do século. Um cenário que está aumentando o mapa de regiões com altas probabilidades de sofrer estresse hídrico, ou seja, com uma demanda de água superior à disponibilidade, tanto para o consumo como para a produção agropecuária.
Os países, longe de caminharem para a solução do conflito, continuam estagnados nas tomadas de decisões, conforme denuncia o organismo da ONU. Desse modo, somente 28 nações alcançaram os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável relacionados à adaptação à escassez hídrica. Outros seis Estados conseguiram manter o investimento público em um mínimo básico para atenuar os efeitos da crise climática no acesso à água, mas 57 países – de um total de 101 analisados – dedicam uma quantidade de dinheiro que a OMM considera “insuficiente” para garantir a disponibilidade plena e segura, tanto para o consumo como para a agricultura e a higiene.
A situação, não obstante, pode ser ainda pior, pois há um vazio de informações nos dados hidrológicos de 67% dos países-membros da OMM. Isso se traduz em uma incapacidade da maioria dos serviços meteorológicos nacionais de se antecipar a etapas de seca, como também em poder prevenir outros fenômenos climáticos relacionados à água, como as chuvas torrenciais e as inundações.
Mortes e perdas
A escassez de água já está deixando consequências irreversíveis no planeta. Os especialistas da ONU alertam que, nos últimos cinquenta anos (1970-2019), as secas provocaram a morte de 700.721 pessoas em todo o mundo, a maioria delas (695.081) no continente africano. Na sequência, vem a Ásia, com 4.129 pessoas que perderam a vida por falta de acesso à água potável, e os países do sudoeste do Pacífico, que contabilizam 1.432 mortes nesse mesmo período.
Além disso, constata-se uma desigualdade na distribuição da letalidade que se intensificará nos próximos anos, caso não sejam adotadas medidas, segundo a publicação. Uma desigualdade que deixará as nações mais empobrecidas em uma situação de maior vulnerabilidade, mas que também gerará maiores adversidades para as mulheres, em razão da desigualdade de gênero do mundo agrícola, conforme já alertou a FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura).
As secas não levam apenas vidas. Os danos econômicos são tão importantes que somam, nas últimas seis décadas, 262 bilhões de dólares em perdas. A Ásia é o continente do mundo onde a falta de água gerou maiores danos, sobretudo pela dependência agrária dessa região, com prejuízos calculados em 77 bilhões de dólares. Na sequência, estão os países da América Central e o Caribe, com um declínio econômico de 73 bilhões de dólares, o continente europeu, no qual os períodos de seca deixaram um custo econômico de 48 bilhões de dólares, e a América do Sul, que soma 28 bilhões.
A publicação alerta que as consequências da crise da água, na qual a humanidade parece já ter entrado, não estão ligadas apenas às secas, pois também evidenciam como a intensificação de fenômenos extremos pode desestabilizar vidas e economias nacionais. Desse modo, o foco está nas inundações que, em nível global, tiveram um aumento de 134%, desde o ano 2000, em comparação ao período de 1980-1999. Nas últimas décadas, 322.514 vidas foram perdidas em catástrofes assim e os danos materiais estão avaliados em mais de um trilhão de dólares.
Petteri Taalas, secretário-geral da Organização Mundial de Meteorologia, pediu aos governos nacionais mais investimentos para garantir a adaptação frente à crise climática e atenuar seus efeitos. O dirigente alerta como as secas e as inundações já estão mudando as estações agrícolas, “com um impacto importante na saúde alimentar” e na vida do ser humano. “Precisamos acordar diante da crise da água que se aproxima”, advertiu o professor Taalas.