Mariana Sanches, BBC News Brasil, 9 de setembro de 2021
Depois de fazer os dois discursos mais inflamados de seu mandato no último dia 7 de setembro, diante de centenas de milhares de apoiadores em Brasília e em São Paulo, o presidente Jair Bolsonaro recuou do tom em nota divulgada pela Presidência na tarde deste dia 9.
Congressistas e integrantes do Supremo Tribunal Federal (STF), além de especialistas em direito e analistas políticos consideraram que as declarações de Bolsonaro tinham "teor golpista" e eram passíveis de ser enquadradas como crime de responsabilidade, punível com abertura de processo de impeachment.
Entre outras coisas, Bolsonaro afirmou que não mais cumpriria decisões judiciais do ministro Alexandre de Moraes, responsável pelo inquérito das fake news do qual Bolsonaro é alvo, e ameaçou fechar o STF caso seu presidente, Luiz Fux, não "enquadrasse" Moraes.
Também afirmou que apenas Deus poderia retirá-lo da cadeira presidencial e afirmou: "quero dizer aos canalhas que nunca serei preso".
Diante da repercussão negativa das falas tanto no mundo político, que retomou as discussões de impedimento do presidente, como no mercado, que reagiu com alta do dólar e tombo da bolsa de valores, Bolsonaro deu um passo atrás. Na nota, justificou-se: "quero declarar que minhas palavras, por vezes contundentes, decorreram do calor do momento e dos embates que sempre visaram o bem comum".
Bolsonaro também disse que "na vida pública as pessoas que exercem o poder não têm o direito de "esticar a corda", a ponto de prejudicar a vida dos brasileiros e sua economia". Sua manifestação do dia 7 levou à paralisação de caminhoneiros em mais de 15 Estados e provocou desabastecimento de combustíveis em alimentos em partes do país. Isso deve pressionar ainda mais a economia do país, em recuperação frágil da recessão causada pela pandemia de covid-19. O PIB do último trimestre teve resultado negativo e a inflação se aproximou dos dois dígitos no acumulado dos 12 meses.
Veja a seguir quatro pontos claros de recuo do presidente em um comparativo de seu discurso no último dia 7 e na nota deste dia 9.
1. Supremo Tribunal Federal
Bolsonaro em 7/9: "Ou o chefe desse Poder enquadra o seu ou esse Poder pode sofrer aquilo que nós não queremos."
Bolsonaro em 9/9: "Nunca tive nenhuma intenção de agredir quaisquer dos Poderes."
2. Ministro Alexandre de Moraes
Bolsonaro em 7/9: "Não vamos mais admitir que pessoas como Alexandre de Moraes continuem a açoitar a nossa democracia."
Bolsonaro em 9/9: "Em que pesem suas qualidades como jurista e professor, existem naturais divergências em algumas decisões do Ministro Alexandre de Moraes."
3. Respeito a decisões de outros poderes
Bolsonaro em 7/9: "Qualquer decisão do senhor Alexandre de Moraes, esse presidente não mais cumprirá. A paciência do nosso povo já se esgotou."
Bolsonaro em 9/9: "Reitero meu respeito pelas instituições da República, forças motoras que ajudam a governar o país."
4. Democracia
Bolsonaro em 7/9: "Tinha que esperar um pouco mais de modo que a população aos poucos ou cada vez mais fosse se conscientizando do que é um regime ditatorial. Agora chegou o momento de nós dizermos a essas pessoas que abusam da força do poder para nos subjugar, dizer a esses poucos que agora tudo vai ser diferente".
Bolsonaro em 9/9: "Democracia é isso: Executivo, Legislativo e Judiciário trabalhando juntos em favor do povo e todos respeitando a Constituição."